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STJ manda ao STF recurso de Bolsonaro contra condenação por fala homofóbica

Ministro do STJ disse que havia "questão prejudicial" - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Ministro do STJ disse que havia "questão prejudicial" Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

14/09/2021 14h19Atualizada em 14/09/2021 20h05

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça mandou para o Supremo Tribunal Federal (STF) um recurso do presidente Jair Bolsonaro contra uma condenação que ele sofreu por dizer que não correria "risco" de ter filhos homossexuais porque eles "tiveram uma boa educação" e "um pai presente". A decisão aconteceu nesta terça-feira (14), após despacho do ministro relator, Ricardo Cueva.

O recurso deverá ser julgado por um ministro do Supremo Tribunal Federal agora. A advogada de Bolsonaro, Karina Kufa, explicou ao UOL que o relator do processo na corte máxima brasileira ainda não foi definido.

"Em vista de uma questão prejudicial, remeti os autos ao Supremo Tribunal Federal", disse Cueva, na sessão de hoje. Ele não esclareceu qual questão prejudicou o julgamento do recurso do presidente da República.

As declarações de Bolsonaro foram dadas em 2011 no extinto programa da TV Bandeirantes "Custe o que custar", o CQC. ele ainda era deputado federal pelo PP. Desde 2015, o presidente responde a uma condenação de R$ 150 mil ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, um órgão do Ministério da Justiça.

Segundo a assessoria de imprensa do STJ, o processo foi retirado da sessão de julgamento porque existe um "recurso extraordinário" que a defesa de Bolsonaro apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A decisão do ministro Ricardo Cueva ainda não foi publicada. Não é possível saber as razões exatas que o levaram a mandar o processo para a corte máxima do país. Mas, segundo o Código de Processo Civil, um ministro do STJ pode decide não julgar um caso se entender que ele está "prejudicado" por um outro recurso no Supremo.

Uma fonte do STJ lembrou que Bolsonaro alega que fez as afirmações sobre os homossexuais com base na sua imunidade parlamentar, um tema constitucional. E debater casos constitucionais é atribuição do Supremo, e não do STJ, avaliou.

A advogada de Bolsonaro, Karina Kufa, afirmou ao UOL que apresentou o recurso extraordinário ao STF na mesma época em que fez o recurso especial ao STJ, em julho de 2020. Ela disse que não pediu para adiar o julgamento de hoje.

"Tiveram uma boa educação", disse o presidente

Em 28 de março de 2011, Bolsonaro respondeu a uma mulher que perguntou a ele o que faria se tivesse um filho homossexual. O então deputado disse: "Isso nem passa pela minha cabeça. Eles tiveram uma boa educação. Eu sou um pai presente. Então, não corro esse risco".

Bolsonaro ainda afirmou, de acordo com o processo, que "ninguém tem orgulho de ter um filho gay ou uma filha lésbica".

Após o programa ir ao ar, em 2011, movimentos de defesa dos homossexuais foram à Justiça contra o então deputado. Quatro anos depois, em abril de 2015, a 6ª Vara Cível do Rio de Janeiro condenou Bolsonaro a pagar R$ 150 mil ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

À época da polêmica, Bolsonaro afirmou que não fazia crítica a gays e que as suas declarações estavam voltadas contra o que chamou de "kit gay", material escolar que seria distribuído nas escolas públicas para discutir temas como diversidade sexual e gravidez na adolescência.

A juíza Luciana Teixeira, porém, considerou que Bolsonaro infringiu o artigo 187 do Código Civil, ao abusar de seu direito de liberdade de expressão para cometer um ilícito civil.

Desembargadores confirmaram condenação

A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em novembro de 2017. A relatora do processo foi a desembargadora Inês Trindade Chaves. Ela e os magistrados da 6ª Câmara Cível do tribunal, com exceção de Benedicto Abicair, votaram para manter a condenação de Bolsonaro.

Ao afirmar que o fato de uma pessoa ser homossexual seria proveniente de uma condição de educação deficitária ou de abandono familiar (...) apenas aborda de forma discriminatória e pejorativa aspectos da intimidade e da liberdade de qualquer cidadão relacionados à orientação sexual"
Inês Chaves, desembargadora do TJ do Rio

Karina Kufa contou ao UOL que o presidente só expressou sentimentos de visão conservadora da realidade:

O presidente deve ser absolvido porque apenas expressou sentimentos pessoais, resultantes de uma formação conservadora. Não teve intenção de ofender ninguém"
Karina Kufa, advogada de Jair Bolsonaro

"É importante lembrar também que tais opiniões estão contempladas pela imunidade parlamentar, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal em outro processo sobre o mesmo assunto."

Em sua defesa à Justiça, Bolsonaro enumerou uma série de argumentos para ser absolvido. Alguns deles foram:

  • A condenação violou seu direito constitucional de imunidade parlamentar, que protege as manifestações feitas durante o mandato;
  • O pedido de indenização se revelou um ato de censura;
  • Suas opiniões não podem ser consideradas homofobia, tanto que não há registro de agressões físicas ou morais contra homossexuais;
  • O fato de assumir que não teria orgulho em ter um filho homossexual não pode ser confundido com homofobia;
  • Sua opinião sobre o tema não incita o ódio ou a violência, mas, ao contrário, garante o direito de um cidadão de emitir sua avaliação sobre diversos assuntos.