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Como jurisprudência de decisão do TSE sobre rachadinha afeta clã Bolsonaro

Jair, Carlos e Flavio Bolsonaro - Flick Bolsonaro/Reprodução
Jair, Carlos e Flavio Bolsonaro Imagem: Flick Bolsonaro/Reprodução

Guilherme Castellar

Colaboração para o UOL, do Rio

16/09/2021 04h00

A recente decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que tornou inelegível a candidatura de uma vereadora da cidade de São Paulo por praticar rachadinhas cria jurisprudência para futuras decisões da Justiça Eleitoral, o que poderia afetar a família Bolsonaro, que também é investigada por adotar essa conduta criminosa.

No acórdão da decisão unânime do tribunal por 7 a 0, publicado na quinta-feira (9), o relator do caso, o juiz Alexandre de Moraes, afirmou que "o esquema de rachadinha é uma clara e ostensiva modalidade de corrupção".

O julgamento acolheu recurso do Ministério Público eleitoral contra a candidatura de Maria Helena Pereira Fontes (PSL), que concorreu a vereadora por São Paulo em 2020. Isso em razão de uma condenação anterior, de 2011, de improbidade administrativa pela prática da rachadinha em um mandato anterior na Câmara de Vereadores paulistana.

Apesar das palavras enfáticas de Moraes ao definir a rachadinha como um ato de corrupção, a atual decisão deve impactar somente na seara eleitoral do delito, mas não no âmbito penal, onde a rachadinha é mais comumente tipificada como peculato (desvio de bem público).

O julgamento da ex-vereadora se restringiu a um artigo específico Lei Complementar 64/1990 que trata da inelegibilidade de oito anos em crimes de improbidade administrativa. Pelo texto da lei, um legislador só pode ter seus direitos políticos cassados caso se comprove enriquecimento ilícito e, ao mesmo tempo, lesão ao patrimônio público.

Enriquecimento ilícito

No caso de Fontes, a ex-parlamentar foi acusada apenas de enriquecimento ilícito pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo). Já no TSE, para apontar o dano ao erário, Alexandre de Moraes fez uma análise mais ampla da condenação anterior. Ele considerou toda descrição do acórdão, não apenas a condenação.

"Moraes fez construção inteligente com base na particularidade específica da remuneração dos assessores da Câmara Municipal de São Paulo", explica Fernando Neisser, advogado e membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. Na casa paulistana, há uma verba determinada para contratar assessores como quiserem, desde que não passe o limite máximo de profissionais.

"Na interpretação do TSE, se um vereador contrata um assessor com salário de R$ 9 mil e pede para que ele devolva R$ 6 mil, na prática, esse profissional exerce uma função que vale apenas R$ 3 mil de remuneração. O que o Moraes está dizendo agora é que o poder público pagou mais do que o serviço daquela pessoa vale, o que configura danos ao erário", diz Neisser.

Na interpretação de Moraes, mesmo que os assessores tenham efetivamente trabalhado, seus salários foram supervalorizados, prejudicando o patrimônio público. Em decisões anteriores de rachadinha, o dano ao erário não se caracterizou sob a argumentação de que os profissionais prestaram serviços.

Família Bolsonaro

No caso das acusações de rachadinha que pesam contra o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) quando era deputado estadual, ele se defendeu no Ministério Público do Rio de Janeiro argumentando que seus assessores trabalharam principalmente durante as campanhas eleitorais.

O caso do senador está parado na Segunda Turma do STF, que avalia o foro privilegiado do parlamentar.

Além de Flávio, o próprio presidente é suspeito de fazer uso da prática na época em que era deputado federal, bem como o filho 02 do mandatário, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

A última decisão de Moraes no TSE abre margem para que o clã Bolsonaro possa perder seus direitos políticos. No entanto, explica Neisser, é preciso que eles sejam "condenados em segunda instância por improbidade administrativa e que os acórdãos condenatórios permitam interpretação semelhante".

Já no âmbito penal, para os especialistas em direito ouvidos pelo UOL, o julgamento do TSE não muda o entendimento sobre o crime de rachadinha.

"No trecho em que Moraes fala em corrupção [no acordão], ele está falando em seu sentido genérico, não no crime de corrupção do Código Penal. No Brasil, a corrente majoritária aceita essa conduta [rachadinha] como peculato", diz Mariana Pinhão, advogada e conselheira do Instituto dos Advogados de São Paulo.

Na lei Penal, peculato é quando funcionário público se apropria ou desvia bens do erário em razão de seu cargo. Já os crimes de corrupção podem ser dois: corrupção ativa, quando uma pessoa oferece ou promete vantagem a um servidor em troca de benefício; ou corrupção passiva, quando o funcionário público exige ou recebe vantagem em troca de um favor.

Mas isso não quer dizer que peculato seja um crime menor. Mariana Pinhão lembra que a pena de peculato no Brasil pode chegar a 12 anos de prisão.

"Eu acho que [a decisão do TSE] passa um sinal para a sociedade de que ministros de tribunais superiores consideram que a prática da rachadinha é socialmente inaceitável e merece reprimenda", finaliza Fernando Neisser.