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Cultura da 'mitada' virtual foi erro e MBL está amadurecendo, dizem líderes

12.set.2021 - O deputado federal, Kim Kataguiri (DEM-SP), discursa durante protesto pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro convocado pelo MBL (Movimento Brasil Livre) e pelo VPR (Vem Pra Rua), na Avenida Paulista, em São Paulo - Lucas Martins/Estadão Conteúdo
12.set.2021 - O deputado federal, Kim Kataguiri (DEM-SP), discursa durante protesto pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro convocado pelo MBL (Movimento Brasil Livre) e pelo VPR (Vem Pra Rua), na Avenida Paulista, em São Paulo Imagem: Lucas Martins/Estadão Conteúdo

Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

16/09/2021 04h00

No último dia 12, na avenida Paulista, o carro de som do MBL (Movimento Brasil Livre) virou um comício político relativamente plural. Entre as cerca de 6 mil pessoas, parlamentares e figuras públicas de esquerda e direita revezaram o microfone do movimento para discursar em frente ao Masp, cartão postal de São Paulo. Ali se manifestaram políticos de ideologias diferentes, de Orlando Silva (PCdoB) a João Amoêdo (Novo).

Marcado por ações agressivas desde o surgimento, o MBL aposta agora em uma nova imagem: "mais maduro", "preocupado com a democracia" e aberto ao diálogo. Líderes do movimento ouvidos por UOL admitem ainda erros do passado, como a "mitada virtual" ou "lacração".

Criado em meados de 2014, o grupo começou organizando manifestações em defesa da Operação Lava Jato, mas ficou conhecido, mesmo, pelo antipetismo, até hoje presente.

Em 2016, o MBL foi um dos principais grupos que organizaram passeatas e atos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Seus membros viraram estrelas: Kim Kataguiri, hoje deputado federal pelo DEM, e Fernando Holiday, vereador em São Paulo pelo Novo, eram assediados por pedidos de fotos durante as manifestações.

Na internet, o movimento publicava vídeos, textos ou memes com linguagem dura, muitas vezes grosseira, quase sempre em tom crítico à esquerda e a pautas de comportamento.

Em 2017, o MBL foi um dos grupos que endossou um ataque virtual contra uma exposição no Santander Cultural, em Porto Alegre, que abordava temáticas sexuais e de gênero, com obras de renomados artistas como Adriana Varejão, Cândido Portinari e Ligia Clark. O evento foi cancelado.

Em outros vídeos disponíveis no canal do YouTube do movimento, eles também deram voz a motivações antidemocráticas, como "destruir o STF". Nessa caminhada, o movimento cresceu e emplacou representantes na política municipal, estadual e federal.

E foi essa ida ao parlamento que, na opinião de um dos fundadores e atual deputado federal pelo DEM, Kim Kataguiri, trouxe a necessidade de rever a comunicação do grupo.

"Nós tivemos a necessidade de lidar com pessoas de vários aspectos políticos diferentes. Isso se reflete na cultura do movimento e teve o choque, digamos assim, na nossa atuação, que é o bolsonarismo", afirma Kataguiri.

Arthur Moledo do Val, o Mamãefalei, hoje deputado estadual pelo Patriota, foi mais um do grupo MBL a ganhar um gabinete em assembleia legislativa.

Para cada doença existe um remédio. O MBL surgiu em uma época em que o debate político era hegemônico na esquerda. Mas o que fazíamos e chamava atenção, nos primórdios da internet, era, por exemplo, um título no YouTube com 'Kim Kataguiri humilha sindicalista'. Essa cultura da 'mitada', da lacração, foi algo negativo, um efeito colateral de uma doença que o Brasil se encontrava. Foi um erro, é um erro fazer isso hoje" Arthur do Val

Ele justifica os posicionamentos, que chama de "duros", como algo que fez com que o movimento fosse ouvido. "O que acontecia era um 'ninguém me ouve, então estou falando que estou 'destruindo' um deputado'. O PT usava meios antidemocráticos para acabar com o MBL, sindicatos eram aparelhados com dinheiro público."

"Eu não aceito o argumento que o MBL, de forma pedagógica, foi instruído pela esquerda a ser mas democrático. Houve uma evolução geral no debate público, e nós acompanhamos o tom. Vamos evoluindo", completa Mamãefalei.

Kim Kataguiri relata que a linguagem do movimento começou a ser mudada a partir de 2019. "Bolsonaro fez com que a gente tivesse de fazer alianças mais à esquerda, com quem tivemos recente embate durante o impeachment. Temos o nosso mea-culpa em 2019, porque [a atuação do MBL nas redes sociais] estava servindo ao projeto bolsonarista".

"A partir de 2019, trabalhamos, fizemos congressos nacionais e estaduais mudando a nossa maneira de militar, os memes, buscando ter o máximo de precisão de aprofundamento nos temas possível para dar informação com mais precisão e para qualificar o público. Entendemos que temos uma função de responsabilidade" Kim Kataguiri

Cofundador do MBL e vereador em São Paulo pelo Patriota, Rubinho Nunes complementa. "A imagem que nós temos transmitido, que é muito sincera e vem desde o começo, é de um movimento sério preocupado com a democracia e estabilidade de seus próprios valores, mas está disposto a conversar e convergir."

Para o cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Eduardo Grin, o MBL está seguindo o caminho natural de um movimento social.

"Como todo movimento que nasce de forma espontânea e desorganizadas, ele vai aderindo à institucionalidade, elegendo parlamentares em Câmaras, no Congresso, e se dá conta de que é preciso ter uma estratégia organizada de presença institucional", afirmou.

"Isso leva a uma pulverização, perde a unidade de algumas bandeiras. Para mim, MBL caminha para ocupar uma faixa no campo da direita, com bandeiras conservadoras, mas não ao ponto de ser de extrema-direita, que é anti-sistema, antidemocrática, autoritária e golpista".

Impulso a Bolsonaro

Eduardo Grin afirma que o movimento foi embrião do bolsonarismo, mas que, agora, entendeu que deve se descolar e se colocar no campo da "direita civilizada".

"[MBL nasceu] em meio a uma polarização política muito forte, foi de certa maneira o embrião daquilo que o próprio Bolsonaro percebeu que poderia ser uma arma. Em 2015 e 2016, a conjuntura também era favorável: era fácil bater no PT, fácil bater na Dilma, fácil destruir reputações, fácil destruir adversários", disse. "Então, de fato, o MBL deverá passar por uma revisão de seus métodos de fazer política", disse o professor.

Kataguiri reconhece um impulso a Bolsonaro pela comunicação do MBL, mas diz que a eleição do capitão é fruto de algo mais complexo.

"É engraçado porque a direita bolsonarista diz que crescemos nas costas do Bolsonaro, já a esquerda diz que nós somos responsáveis por gerar o Bolsonaro. No final das contas não foi uma coisa nem outra. Contribuímos para o clima que ajudou a eleger o Bolsonaro, mas o fenômeno Bolsonaro em si teve mais elementos que foram para além do MBL e das manifestações do impeachment [de Dilma]".

Rubinho Nunes rebate que o movimento seja comparável ao bolsonarismo. "Não dá para comparar a forma que bolsonarismo trabalha como o MBL trabalhou. MBL teve respeito aos valores democráticos, Bolsonaro não tem qualquer valor, é preocupado com projeto pessoal".