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Pontes eleva tom contra corte na ciência, mas mantém fidelidade a Bolsonaro

O ministro da Ciência, Marcos Pontes, durante audiência pública em Brasília - Marcelo Camargo/Agência Brasil/Arte UOL
O ministro da Ciência, Marcos Pontes, durante audiência pública em Brasília Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Arte UOL

Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

16/10/2021 04h00

Opositores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deitaram e rolaram no Twitter, no último dia 10, com um desabafo do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes. Na publicação, que teve mais de 26 mil curtidas, o ministro chamou de "falta de consideração" um corte de R$ 600 milhões sobre recursos da pasta, feito pelo Congresso na semana anterior a pedido do Ministério da Economia.

Reclamações sobre a falta de verba para a pasta são constantes desde que o ministro assumiu o cargo, em janeiro de 2019. Dessa vez, no entanto, ele chegou a declarar que pensou em deixar o governo por ter ficado "muito, muito chateado", mas voltou atrás.

Três dias depois, em audiência na Câmara dos Deputados, a tensão havia esfriado. Pontes não só disse que já havia recebido promessa de ajuda para reverter a situação como afirmou que está firme no cargo e pretende ir até o fim do governo.

"Eu sou um piloto de combate. Eu fui treinado para defender o país, fui treinado para cumprir a missão. Então eu não me apego a cargos, me apego à missão", disse Pontes, que é tenente-coronel da Aeronáutica e foi o primeiro brasileiro a ir ao espaço, um feito que ele incorporou ao seu marketing pessoal.

"Eu recebi essa missão de proteger o sistema e melhorar o sistema. Eu me apego à missão e vou até o final. Eu vou continuar a insistir em defender a ciência no Brasil apesar de todas as situações, por causa da missão que temos com a ciência", disse o ministro, em resposta a deputados que questionaram se ele não deveria sair do governo.

O desfalque, segundo reconheceu o próprio ministro, pode inviabilizar projetos já anunciados, como o Centro Nacional de Vacinas, a ser instalado na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e a Chamada Universal do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que no início de setembro prometeu um investimento de R$ 250 milhões em pesquisa.

Bolsonaro poupado

Apesar das queixas, Pontes exime o chefe de responsabilidade sobre o problema. Segundo ele, Bolsonaro também foi pego de surpresa com o corte.

O presidente ficou de me ajudar com isso. Diga-se de passagem, o presidente costuma ajudar sempre, nessa questão do orçamento dos ministérios. Ele tenta ajudar por lá"
Marcos Pontes, ministro da Ciência, em declaração a parlamentares no dia 13

A ajuda, no entanto, ainda não chegou. Ontem à noite, em edição extra do Diário Oficial da União, Bolsonaro sancionou a lei aprovada pelo Congresso que tirou R$ 600 milhões da pasta de Pontes e remanejou a verba para outras áreas.

"Toda vez que a gente corta um recurso de ciência e tecnologia, existe a possibilidade de descontinuidade daquela pesquisa. Pesquisa não é uma coisa que você liga a chave e desliga a chave, precisa ter uma continuidade", disse o ministro.

Garoto propaganda

Defensor da vacinação, o ministro já se disse favorável à obrigatoriedade dos imunizantes "testados e comprovados" — na contramão do que prega Bolsonaro. Em encontro em agosto com a cúpula da OMS (Organização Mundial da Saúde), Pontes chegou a sugerir que o presidente se vacinasse para incentivar a população — mas Bolsonaro, que dizia que seria o último brasileiro a se vacinar, afirma agora que "não tem cabimento" ele se imunizar.

Ambos, porém, se alinharam na defesa do antiparasitário Anitta (nitazoxanida) no combate à covid-19 — remédio que há um ano foi anunciado em cerimônia no Planalto como "salvador de vidas", mesmo após estudo da própria pasta de Pontes mostrar que o vermífugo teve resultado similar a placebo contra a covid.

"Nós temos agora uma ferramenta que o Ministério da Saúde pode utilizar para ajudar a salvar vidas", disse Pontes, no evento em que apresentou um gráfico genérico dizendo que a droga era eficaz e poderia ajudar no combate à pandemia.

Dá para ter uma noção do que estamos anunciando aqui hoje, né? Nós estamos anunciando algo que vai começar a mudar a história da pandemia"
Marcos Pontes, em evento a favor do Anitta, em 19 de outubro de 2020

"Abraços Espaciais"

Marcos Pontes foi um dos nomes anunciados para o governo Bolsonaro três dias depois do segundo turno das eleições de 2018. Assim que foi confirmado no cargo, Pontes contou que havia desistido de se candidatar a senador quando foi convidado por Bolsonaro, ainda antes das eleições, a assumir a pasta em caso de vitória nas urnas.

Com isso, Pontes acabou se candidatando como segundo suplente do então candidato a senador Major Olímpio, que se elegeu e morreu em razão da covid-19 em março deste ano. Em tese, Pontes pode assumir uma cadeira no Senado em caso de afastamento do primeiro suplente, Giordano (MDB-SP), que está no cargo desde a morte de Olímpio.

Em suas primeiras entrevistas como futuro ministro, ainda durante a transição entre os governos Temer e Bolsonaro, Pontes falava à imprensa vestido com seu macacão espacial.

Tendo entrado para a história como o primeiro brasileiro, sul-americano e lusófono a ir ao espaço, em 2006, faz questão de relembrar o feito com frequência. Em eventos públicos, a placa de identificação do ministro é frequentemente impressa com o nome "Astronauta Marcos Pontes". Em suas redes sociais, o ministro costumava usar a saudação "Abraços Espaciais" ao final das postagens.

Empossado, Pontes logo começou a se deparar com cortes no orçamento para a ciência. Em abril de 2019, após o governo bloquear R$ 2,1 bilhões da verba para a pasta, o ministro afirmou em audiência na Câmara que a área havia ficado "com a corda no pescoço" após os cortes.

Outra queixa veio em setembro daquele ano, quando o governo anunciou um desbloqueio de R$ 8,3 bilhões para os ministérios, mas só destinou R$ 80 milhões para ciência e tecnologia. "Bem menos do que eu imaginava", disse o ministro.

Em junho de 2020, diante de um bloqueio de 90% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico (FNDTC), Pontes admitiu que "todos os ministérios sofrem com a falta de recursos, mas o investimento em ciência e tecnologia é essencial para o desenvolvimento do país".

Além das constantes perdas de orçamento, a pasta de Pontes ainda perdeu poder durante o governo. Descumprindo a promessa de enxugamento da máquina pública, feita durante a campanha, Bolsonaro recriou o Ministério das Comunicações, cujas atividades estavam sob a responsabilidade de Pontes, e entregou a área ao ex-deputado Fábio Faria (PSD-RN).