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CPI diz que Braga Netto cometeu crime de epidemia por omissão no governo

Walter Braga Netto (à esquerda), ministro da Defesa, ao lado do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde Imagem: Carlolina Antunes/Presidência

Igor Mello

Do UOL, no Rio

20/10/2021 13h28

Poupado pelos senadores durante os trabalhos da CPI da Covid em meio a tensões com as Forças Armadas, o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, é acusado de cometer o crime de epidemia com resultado de morte. A sugestão de indiciamento foi incluída no relatório final da comissão pelo relator, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) (leia a íntegra).

Renan responsabiliza Braga Netto por "ações e inações" enquanto foi ministro-chefe da Casa Civil. Até março, ele ocupou o cargo, acumulando também a função de coordenador do Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19 —estrutura criada para facilitar a articulação de ações de combate à pandemia nos vários órgãos públicos.

O relatório dedica apenas cinco parágrafos, distribuídos em pouco mais de uma página, à descrição das condutas de Braga Netto. Segundo o documento, ele ocupou o cargo no comitê de crise da covid em "momentos dramáticos", como durante a falta de oxigênio nos hospitais do Amazonas.

Em razão do cargo estratégico que ocupava e considerando os inúmeros desacertos do governo federal, que culminaram em centenas de milhares de brasileiros mortos e sequelados, é possível concluir que suas ações e eventuais omissões também influenciaram nesses resultados desastrosos
Trecho do relatório final da CPI da Covid

Renan lembra que uma das funções de Braga Netto era atuar diretamente no aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para a tomada de decisões sobre a pandemia. Mas afirma que o correto aconselhamento e articulação de medidas efetivas não ocorreram.

"O que vimos foram ações erráticas tomadas, por exemplo, pelo Ministério da Saúde, pelo Ministério das Relações Exteriores e pela Secom [Secretaria Especial de Comunicação Social], no que diz respeito à divulgação de dados sobre a epidemia, a implementação de medidas não farmacológicas (distanciamento e isolamento social, uso de máscaras, etc.), campanhas educativas e, sobretudo, a aquisição de vacinas", critica Renan.

"De igual modo, assistimos a uma intervenção tardia e ineficiente quando se instalou o caos no sistema de saúde do estado do Amazonas, numa demonstração de total falta de coordenação e articulação do governo com os demais entes federativos", completa o senador.

O relatório ainda culpa Braga Netto por ter sido conivente com o negacionismo de Bolsonaro e Ministério da Saúde. "A conclusão a que se chega é que, além de não existir efetivo comando no Centro de Coordenação das Operações do Comitê de Crise da Covid-19, houve aceitação das medidas inadequadas e tardias tomadas pelo chefe do Poder Executivo Federal e pelo Ministério da Saúde."

As ações e inações do Ministro Braga Netto são, portanto, suficientes para que seja apurada possível prática do crime de epidemia, dado seu dever de agir e a relevância da sua omissão ao quedar-se inerte quando deveria agir e, assim, contribuir para o agravamento da pandemia."
Renan Calheiros (MDB-AL) no relatório final da CPI

O UOL entrou em contato com o Ministério da Defesa para obter um posicionamento de Braga Netto a respeito da proposta de indiciamento, mas não obteve resposta até o momento.

Se condenado pelo crime de epidemia com resultado morte, a pena pode variar entre 20 e 30 anos de prisão.

Com 1.180 páginas, o relatório da CPI da Covid é apresentado hoje à comissão, composta por 11 senadores titulares (com direito a voto) —o texto precisa de maioria simples (seis votos) para ser aprovado. A votação está marcada para a próxima terça-feira (26). Após deliberação na CPI, o relatório será encaminhado a órgãos de fiscalização e controle, sobretudo o MPF (Ministério Público Federal), por meio da PGR (Procuradoria-Geral da República); e o Ministério Público dos estados (com foco no Distrito Federal e em São Paulo, onde já existem investigações em andamento).

Além de Braga Netto, o relatório sugere o indiciamento de outras 65 pessoas e duas empresas. Entre eles estão o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que teve dez crimes atribuídos a ele, como crimes contra a humanidade e de responsabilidade.

Convocação não votada

Durante a vigência da CPI, foram apresentados três requerimentos para a convocação de Braga Netto.

Em maio, os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) propuseram, separadamente, que o general fosse ouvido pelo colegiado. Em agosto, Vieira voltou a pedir que Braga Netto fosse convocado.

A cúpula da CPI chegou cogitar colocar em pauta os requerimentos de convocação de Braga Netto no início de agosto, mas acabou retrocedendo. A decisão contrariou Renan Calheiros que, em setembro, voltou a defender que o ministro da Defesa fosse ouvido pelos senadores.

CPI viveu crise com Forças Armadas

As tensões sobre a convocação de Braga Netto giravam em torno da reação das Forças Armadas —que tinham passado por uma crise em março, quando os chefes do Exército, Marinha e Força Aérea entregaram os cargos. Braga Netto assumiu então o Ministério da Defesa.

Com as constantes declarações de caráter golpista de Bolsonaro e as implicações da CPI em relação ao general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, membros do colegiado temiam que a convocação de Braga Netto fosse entendida como uma provocação às Forças Armadas.

A questão foi abordada por Renan Calheiros em entrevista à CNN no fim de setembro.

"Alguns membros da CPI, com razão, acham que a vinda dele [Braga Netto], pura e simplesmente, pode acirrar a crise militar. É ponderação que levamos em consideração. Gostaria de levá-lo para depor, mas compreendo as razões que os colegas colocam", disse o relator da CPI.

Pouco antes, em julho, a CPI e as Forças Armadas viveram uma crise aberta, motivada pela investigação de diversos oficiais pelo colegiado —além de Pazuello, figuram no rol de sugestões de indiciamento o coronel Elcio Franco (ex-secretário executivo do Ministério da Saúde) e o coronel Marcelo Blanco (ex-assessor do Ministério da Saúde).

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), disse que os "bons" das Forças Armadas deviam estar "muito envergonhados" com alguns dos convocados à comissão.

"Olha, eu vou dizer uma coisa: as Forças Armadas, os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo. Fazia muitos anos", disse o senador, antes de completar.

"Não tenho nem notícia disso [corrupção] na época da exceção [ditadura militar] que houve no Brasil (...). E eu estava, naquele momento, do outro lado, contra eles. Uma coisa de que a gente não os acusava era de corrupção, mas, agora, Força Aérea Brasileira, coronel Guerra, coronel Elcio, general Pazuello... E haja envolvimento de militares".

Em resposta, o Ministério da Defesa divulgou uma nota assinada por Braga Netto e pelos comandantes das três Forças recebida como uma ameaça pela cúpula da CPI e por diversos atores políticos. O trecho mais forte do documento dizia que "as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro".

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A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.


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