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Deputados do RJ gastam R$ 8,5 mi com carros e combustível durante pandemia

Deputados estaduais do Rio durante sessão plenária em novembro - Thiago Lontra/ Divulgação/ Alerj
Deputados estaduais do Rio durante sessão plenária em novembro Imagem: Thiago Lontra/ Divulgação/ Alerj

Igor Mello

Do UOL, no Rio

16/11/2021 04h00Atualizada em 16/11/2021 10h06

Em meio às medidas de isolamento social, os deputados estaduais do Rio de Janeiro não tiraram o pé do acelerador em relação aos gastos com aluguel de carros e combustível durante a pandemia da covid-19. Levantamento feito pelo UOL mostra que os parlamentares no estado gastaram mais de R$ 8,5 milhões com essas despesas.

Desde março de 2020, a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) adotou uma série de medidas para reduzir o risco de contaminação pela covid-19. No início da pandemia, a casa suspendeu audiências públicas, reuniões de comissões e frentes parlamentares, além das sessões solenes. Porém, a Alerj afirma que o número de sessões extraordinárias durante a epidemia de covid-19 foi superior ao de anos anteriores.

Até hoje, as votações em plenário têm ocorrido de maneira semipresencial, com parte dos deputados presentes em plenário e outros participando das sessões remotamente. Porém, a Alerj afirma que atualmente a maioria dos parlamentares já voltou às atividades presenciais.

Entre março de 2020 e agosto de 2021 —período em que há dados disponíveis no Portal de Transparência da Alerj—, os parlamentares gastaram R$ 6,5 milhões com o aluguel de carros, além de outros R$ 2 milhões com abastecimento de combustível. Esse dinheiro sai da verba de gabinete a que cada um dos 70 deputados têm direito. Atualmente são até R$ 26.819,98 por mês.

Combustível para cinco viagens à Lua

Os mais de R$ 2 milhões gastos em combustível pelos deputados seriam o suficiente para comprar quase 386 mil litros de gasolina comum —cujo litro custou, em média, R$ 5,29 no estado do Rio entre março de 2020 e agosto de 2021, segundo levantamento da ANP (Agência Nacional do Petróleo).

Considerando que um Toyotta Corolla XEI —um dos modelos preferidos dos parlamentares fluminenses— consegue rodar cerca de dez quilômetros por litro de combustível, com o valor gasto pela Alerj em postos de gasolina seria possível percorrer 3,85 milhões de quilômetros, ou uma distância equivalente a cinco viagens de ida e volta à Lua.

Os deputados que mais gastaram foram Valdecy da Saúde (PTC), Franciane Motta (MDB), Rodrigo Amorim (PSL), Danniel Librelon (Republicanos) e Marcelo Cabeleireiro (Democracia Cristã). Todos gastaram entre R$ 280 mil e R$ 303 mil, cada um, no período.

Em dois casos, houve repetição de fornecedores. Todas as notas fiscais apresentadas por Valdecy da Saúde no período analisado, que totalizam R$ 54,6 mil, foram emitidas pelo posto Galápagos Centro Automotivo, localizado na rodovia Presidente Dutra, em São João de Meriti (a 30 km do Rio), reduto político do parlamentar.

Já Marcelo Cabeleireiro utilizou sempre o posto Aliança Center, em Barra Mansa, no sul do estado, base eleitoral do deputado. O estabelecimento fica a mais de 130 km da Alerj.

A Alerj afirmou que os deputados são responsáveis pelos gastos de seus gabinetes. Disse ainda que a Subdiretoria de Controle Interno averigua a regularidade material das compras com essa verba.

Falta de transparência

A Alerj divulga de maneira precária informações relacionadas aos gastos dos deputados com a verba de gabinete, o que dificulta a fiscalização pela sociedade.

Diferentemente do que fazem outros Casas legislativas, como o Senado, a Assembleia do Rio não franqueia acesso a toda a base de dados da verba de gabinete. Para acompanhar os gastos dos deputados, é preciso abrir individualmente as informações de cada parlamentar a cada mês, sem opção de download dos dados.

Por isso, é necessário abrir e copiar manualmente os dados de 840 tabelas diferentes para analisar os gastos anuais de todos os deputados, por exemplo. Foi esse trabalho que o UOL fez, compilando cerca de 1.200 planilhas para levantar os números citados nesta reportagem.

Em junho de 2020, o UOL tentou obter com a Alerj toda a base de dados da verba de gabinete, por meio da Lei de Acesso à Informação. Contudo, o procurador-geral da Alerj, Sergio Pimentel, entendeu que os dados eram disponibilizados pela Casa de maneira suficiente. O sistema da Alerj também não oferece possibilidade de recurso em caso de negativa de acesso, como determina a lei.

A Alerj afirmou que segue a Lei de Acesso à Informação: "A prestação de contas é publicada na íntegra no Portal da Transparência da Casa, conforme estabelece a lei, contendo extrato bancário do mês, notas fiscais e comprovação pelo parlamentar de que o serviço foi prestado e está dentro dos limites, sendo o deputado inteiramente responsável pela liquidação das despesas".

Outro lado

Procurado pelo UOL, Valdecy da Saúde defendeu os gastos de seu gabinete. Ele disse que sua atuação política é em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, mas sua residência é no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste da capital, e que diariamente usa a estrutura da Alerj para essa rotina, que envolve compromissos particulares em sua empresa na Baixada.

"Eu saio do Recreio dos Bandeirantes e vou para São João de Meriti. De São João de Meriti, vou para a sessão legislativa [no centro do Rio]. De lá, volto para São João de Meriti, passo na minha empresa e vou para o Recreio novamente", disse.

O parlamentar afirmou não ver problema em seus gastos: "Se algum dia algum tipo de investigação entender que isso não é legal, logicamente não vou praticar ilegalidade. Enquanto eu puder como parlamentar usar, eu não vejo por que não usar".

O deputado Rodrigo Amorim disse que continuou trabalhando diariamente em seu gabinete e intensificou as ações externas durante a pandemia. "Por causa da pandemia na verdade eu intensifiquei as minhas atividades externas, muito para checar denúncias e verificar as necessidades da população durante esse período tão difícil", disse. "Um deputado não pode ficar em casa, mesmo que haja sessões virtuais. A nossa atividade não é de home office."

A deputada Franciane Motta justificou os gastos, por meio de nota, dizendo que "continuou cumprindo agendas em todo o estado e comparecendo a reuniões da Mesa Diretora da Alerj" durante a pandemia.

Ela afirmou que a Coordenadoria Militar da Alerj recebeu informações sobre ameaças de morte contra ela. "Dessa forma, se faz necessário que a parlamentar utilize um veículo mais seguro e tenha uma equipe de segurança para acompanhá-la", disse.

O deputado Marcelo Cabeleireiro afirmou ao UOL que é um dos poucos parlamentares com base eleitoral no interior fluminense, o que em sua visão justifica maiores gastos com combustível.

"Durante a pandemia, respeitei todas as medidas sanitárias impostas, mas não deixei de trabalhar um minuto, pois foi o momento em que o cidadão mais precisou de ajuda. Desta forma, estive visitando diversos municípios, ouvindo as demandas dos prefeitos e demais autoridades e levando à Alerj por meio de projetos de lei, indicações e ofícios às secretarias. Considerando essas questões, vejo que não houve gasto desnecessário. Sempre fui transparente e responsável com o recurso público", afirmou

Já sobre as notas fiscais emitidas por um mesmo posto de combustíveis, ele afirmou que as normas da Alerj não permitem que ele abasteça livremente em qualquer lugar. "Sou oriundo de Barra Mansa e a minha atuação é mais forte no Médio Paraíba. Por isso meu abastecimento é feito nesta cidade, de onde parto para a maior parte dos compromissos que tenho no cumprimento do dever."

O UOL não conseguiu contato com Danniel Librelon.