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Nunes aprova grandes projetos em 1 mês e oposição acusa "tratorada" em SP

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), participa do lançamento do Registro Geral do Animal (RGA) - VICTOR BERTOLUCI/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), participa do lançamento do Registro Geral do Animal (RGA) Imagem: VICTOR BERTOLUCI/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

17/11/2021 04h00

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), conseguiu encabeçar ao menos cinco projetos de impacto votados na Câmara Municipal em pouco mais de um mês. O "pacote da tratorada", como tem sido chamado pela oposição, inclui a Reforma Previdenciária Municipal, aprovada em meio a tumultos dentro e fora da Casa na última quarta (10), e a revisão do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).

Os PLs (Projetos de Lei) foram enviados à Câmara em regime de urgência pela prefeitura na última semana de setembro. Em pouco mais de um mês, todos foram aprovados em pelo menos uma votação. Parlamentares da oposição reclamam de falta de debate. A presidência da Casa diz ouvir a todos. A prefeitura não comentou e parlamentares que apoiam Nunes também preferiram não se manifestar.

Atualmente, o prefeito tem, em sua base, pelo menos 32 dos 55 vereadores paulistanos —o que já lhe garante mais da metade, ou maioria simples— além de outros nove que têm posicionamento independente, embora votem muitas vezes com o governo. Na oposição, estão 14 parlamentares do PT e do PSOL.

Os projetos enviados em setembro tratam de diferentes temas, mas têm impacto bilionário para os cofres municipais e influência direta para os paulistanos:

  • PLO 07/21: Sampaprev (Reforma da Previdência Municipal), propõe a cobrança de uma alíquota de 14% no salário de todos os servidores que recebem acima de um salário mínimo (R$ 1.100). Enviado em 23 de setembro e aprovado em definitivo em 10 de novembro (49 dias, no total).
  • PL 651/21: Aumenta salário dos servidores comissionados (indicados pelos parlamentares). Enviado em 22 de setembro e aprovado em definitivo em 26 de outubro (34 dias).
  • PL 652/21: Aumenta os benefícios dos servidores municipais. Enviado em 22 de setembro e aprovado em definitivo em 28 de outubro (36 dias).
  • PL 659/21: Criação de 1.068 cargos na Educação Infantil. Enviado em 27 de setembro e aprovado em 1ª votação em 15 de outubro (nesta primeira etapa, 18 dias).
  • PL 685/21: Propõe alterações na Planta Genérica de Valores, o que impacta na cobrança do IPTU. Enviado em 5 de outubro e aprovado em 1ª votação em 25 de outubro (25 dias).

Com o aumento do número de servidores contribuindo, o projeto Sampaprev, segundo dados da prefeitura, reduzirá o déficit previdenciário municipal de R$ 171 bilhões para R$ 60 bilhões sob o novo cálculo —a administração municipal ressalta a economia de R$ 111 bilhões.

Já com a aprovação do reajuste dos salários de funcionários comissionados, a prefeitura calcula uma adição de R$ 40 milhões por ano nos pagamentos.

Debate 'apressado' e comissão 'tardia'

Com maioria na Câmara e apoio de Milton Leite (DEM), presidente da Casa, o Executivo não tem tido problema para aprovar projetos. A oposição reclama, no entanto, que o debate tem sido feito de forma apressada e desigual.

"Está tudo sendo feito em cima da hora, por isso chamamos de 'tratorada'", afirma a covereadora Silvia Ferraro, da Bancada Feminista (PSOL). "Por exemplo, eles alteram um projeto e o substitutivo não chega para nós em tempo razoável. Só chega muito em cima da hora. Se a votação começa 15h, chega 14h30, às vezes até depois. O que incomoda mais é que, geralmente, tudo é debatido com os vereadores da base antes, em semanas. Para cada um incluir seus ajustes."

Além disso, diz ela, os projetos são votados "tão rapidamente" que "fica quase impossível" propor melhorias, mesmo sabendo que ele será aprovado.

Polêmico, o projeto da Sampaprev foi aprovado por 37 votos a 18. Com a medida, não só os 63 mil servidores que ganham acima de R$ 1.100 passem a contribuir com a Previdência municipal após 120 dias da publicação da lei, como também os aposentados e pensionistas, com o fim da isenção.

Sob protesto dos servidores, a proposta quase não passou, tanto que a situação teve de ocorreu uma confusão para garantir que o vereador Sansão Pereira (Republicanos) registrasse seu voto.

Para debater o assunto, a Presidência da Casa instituiu uma Comissão de Estudos e fez duas audiências públicas. A aprovação em menos de dois meses, no entanto, gerou críticas entre os especialistas ouvidos pelo próprio parlamento.

"Foi uma estranheza criarem uma Comissão de Estudos depois de aprovar o projeto [em 1ª votação]. Até pensei: é o projeto Benjamin Button, ele começa aprovado e vai sendo desaprovado", brincou o advogado Leonardo Quintiliano, professor de Direito Constitucional e Administrativo, convidado a falar na comissão pela própria relatora, Janaina Lima (Novo). Quintiliano, no entanto, admitiu que, ao viabilizar a comissão, a Câmara "fez sua lição de casa".

"A Comissão de Estudos, que durou um mês apenas —pouco para debater algo tão sério—, serviu para revestir essa ideia de que a sociedade foi ouvida, mas, na prática, sabemos que não é bem assim, estava marcado", afirma o vereador Alessandro Guedes (PT).

Esta é a segunda série de "tratorada" denunciada pela oposição. Na primeira, em julho, antes do recesso, o PL 445/21 foi aprovado, que autoriza uma operação de crédito de até R$ 8 bilhões para financiar investimentos na cidade.

Segundo Guedes, na comissão da CCJ (Comissão de Constituição de Justiça), os projetos do Executivo geralmente são incluídos na abertura da comissão, no chamado "pé de pauta", e não um dia antes, como os demais.

"A gente toma conhecimento dos projetos naquele momento. Não consegue ler, não consegue entender. Eles incluem, invertem a pauta para que este seja votado primeiro. Aí, com maioria, já vota. É um movimento que tem sido comum", afirma Guedes.

Dos nove parlamentares da CCJ, só Guedes e o vereador Toninho Vespoli (PSOL) compõem a oposição. Gilberto Nascimento Jr. (PSC), membro da comissão e apoiador de Nunes, nega que exista "tratorada".

"Em pé de pauta, entram projetos do Executivo e de todos os vereadores, incluindo os da oposição, e todos são votados de acordo com o regimento. Se algum membro da CCJ considerar que não houve tempo para analisar um PL, existem vários recursos regimentais para adiar a votação, recursos que a oposição conhece bem e os utiliza sem parcimônia", argumenta Nascimento.

A vereadora Sandra Tadeu (DEM), presidente da comissão, foi procurada, mas não comentou até o fechamento deste texto.

Já outros projetos, como o 651 e o 652, foram aprovados em cerca de um mês sem audiência pública. "A gente enxerga isso de uma forma muito antidemocrática. Não só nós [oposição] como a população também é excluída do debate", reclama Ferraro.

Próximo grande projeto a entrar na pauta

O próximo grande projeto a entrar na pauta de votação definitiva é o PL 659, que altera os valores de IPTU na capital. A oposição já reclama que os substitutivos para a segunda votação estão sendo tratados entre os vereadores da base, sem diálogo com a oposição e sem ouvir a população.

A presidência da Casa nega qualquer falta de diálogo e afirma que tem instituído audiências públicas para debater os projetos, mas não comentou as acusações de "tratorada". Informou, apenas, que o pedido de urgência para votação vem do próprio Executivo.

O UOL procurou ainda a prefeitura e o líder do governo na Casa, vereador Fábio Riva (PSDB), para comentar as acusações e entender a urgência, mas também não teve resposta até o fechamento da matéria.