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Vacinação, economia e radicalismo: o que pesa para Bolsonaro nas eleições

O presidente Jair Bolsonaro (PL), em evento no Palácio do Planalto, em 10 de junho de 2021 - Adriano Machado/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro (PL), em evento no Palácio do Planalto, em 10 de junho de 2021 Imagem: Adriano Machado/Reuters

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

10/01/2022 04h00Atualizada em 10/01/2022 11h22

Provável candidato à reeleição ao Planalto nas eleições de outubro, Jair Bolsonaro (PL) terá que lidar com temas considerados "críticos" e que podem, ao longo do ano eleitoral, atingir sua popularidade, conforme avaliação feita por aliados do presidente ouvidos pela reportagem. Um dos assuntos que hoje provocam maior preocupação é o empenho pessoal do governante em pregar contra a vacinação infantil no combate à covid-19.

Bolsonaro foi aconselhado por auxiliares, tanto da ala política quanto da militar, a parar com declarações críticas à imunização, especialmente em crianças de 5 a 11 anos. No entanto, depois de breve trégua no recesso de fim de ano, o presidente recarregou as baterias em 2022 e voltou não só a pregar contra a vacina, mas também retomar os ataques à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Aliados avaliam que o custo eleitoral das posições pessoais do chefe do Executivo federal pode ser alto e irreversível, pois levantamentos internos já indicaram que a maioria dos brasileiros apoia e quer a imunização ampla contra a covid-19.

Os ataques de Bolsonaro continuaram após o próprio Ministério da Saúde anunciar a inclusão do grupo etário de 5 a 11 anos no PNI (Programa Nacional de Imunizações) para a vacinação contra a covid-19. A atitude de Bolsonaro deixou parte dos aliados incrédulos.

As circunstâncias da variante que deve se tornar dominante no país, a ômicron, sugerem que há maior suscetibilidade em relação à infecção de crianças e adolescentes. Apoiadores de Bolsonaro temem que, se o índice de contaminações nesse grupo etário explodir, haja um movimento de responsabilização do presidente no embate eleitoral.

Apesar dos alertas e de ir na contramão do cenário pandêmico com o avanço da ômicron, Bolsonaro tem afirmado, sem embasamento, que crianças de 5 a 11 anos tem imunidade biológica contra o coronavírus. Em entrevista à TV Nova Nordeste, na quinta (6), ele disse desconhecer que alguém nessa faixa etária tenha morrido em decorrência da covid-19 no país — embora números oficiais do SIVEP-Gripe, base de dados do SUS, mostrarem que houve mais de 300 óbitos de crianças e adolescentes em razão da doença desde março de 2020.

Soma-se a isso o fato de que o presidente não desembarcou do discurso de defesa do uso de medicamentos como a hidroxicloroquina e a ivermectina em pacientes com covid-19, mesmo depois de estudos científicos comprovarem a ineficácia desses remédios contra o coronavírus.

Diálogo com a "bolha"

Auxiliares do presidente se dizem preocupados quanto ao poder de alcance do discurso bolsonarista. A popularidade de Bolsonaro está em baixa, de acordo com as pesquisas mais recentes — no mês passado, levantamento do Datafolha mostrou que o presidente mantém o pior nível de avaliação desde o início do mandato (53% dos brasileiros reprovam a forma com que administra o país).

Apesar da situação, Bolsonaro continua a dialogar apenas com a "bolha" — isto é, a base militante, que não passa de 20% do eleitorado —, avaliam interlocutores ouvidos pelo UOL,

Para um líder governista no Congresso, porém, Bolsonaro não pode se desapegar das pautas de costume, como a ampliação do acesso a armas, nem parar com as falas de tom mais radical, que abastecem o eleitorado mais fiel do presidente. Na avaliação do parlamentar, atualmente, ninguém espera que o presidente mude de atitude. "Podia dar uma maneirada se não fosse o Bolsonaro. Por um lado, perde voto. Mas conheço muita gente que vota nele justamente por causa disso."

Era uma vez Guedes

Em 2018, Bolsonaro foi eleito presidente com apoio de representantes do mercado financeiro, em momento de exaltação ao liberalismo econômico e com a promessa de que o "posto Ipiranga" Paulo Guedes lideraria um amplo processo de desregulamentação, desestatização e desburocratização.

Quatro anos depois, o país vive uma alta inflacionária que impacta o poder de consumo dos brasileiros — com revisões constantes da taxa de juros e, entre outras crises setoriais, uma escalada dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, em coletiva de imprensa em 22 de outubro de 2021 - Washington Costa/ME - Washington Costa/ME
O ministro da Economia, Paulo Guedes, em coletiva de imprensa em 22 de outubro de 2021
Imagem: Washington Costa/ME

Com a economia em marcha lenta e a projeção da candidatura à reeleição, Bolsonaro deu uma guinada em 2021 e abandonou de vez a filosofia liberal.

O governo investiu na criação do Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família — maior programa social do partido adversário, o PT, em gestões anteriores —, e passou a flertar com o furo do teto de gastos.

Questionados sobre a importância do Auxílio Brasil no valor de R$ 400 para a manutenção da popularidade de Bolsonaro, aliados do presidente reconheceram que a iniciativa deve ajudá-lo a reduzir a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas de intenção de voto no Nordeste. Lula é hoje o principal adversário de Bolsonaro e tem liderado com folga os levantamentos eleitorais até o momento.

Ainda assim, reforçaram que a situação da economia no país será um dos principais eixos que ditarão o humor e o voto do eleitorado. Deputados federais do PL, sob reserva, chamam a atenção para a insatisfação com a alta no preço dos combustíveis, do gás de cozinha e da carne bovina.

Embora considerem que fatores externos afetem o mercado brasileiro, reconhecem que a população, de maneira geral, concentra as reclamações no governo federal.

"Se está desempregado, se o poder aquisitivo está baixo, o aluguel vencendo, a geladeira vazia, os filhos passando necessidade, ele [o eleitor] quer mudar [o presidente]", considera um aliado próximo, ao acrescentar que, se a economia piorar, os políticos ao lado de Bolsonaro terão "muita dificuldade".

Na avaliação de outro deputado do PL, o presidente deve investir em promover obras, com a consequente geração de empregos, mesmo que temporários.

Esse tema já vem sendo uma das principais vitrines do governo, sobretudo com a intenção de Bolsonaro de lançar o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, como candidato ao governo de São Paulo. Mas, para os deputados, é preciso acelerar as construções e as entregas, até para poderem subir nos palanques pelos estados e capitalizar suas imagens em cima dos lançamentos.

A flexibilização da política fiscal somada ao cenário político conturbado, com Bolsonaro protagonizando sucessivos ataques a instituições como o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal), prejudicam o clima favorável a investimentos de risco no Brasil.

Ao mesmo tempo em que há necessidade de afagar o empresariado, há uma preocupação de aliados para não aparentar que Bolsonaro é um presidente que "se vende" ao mercado financeiro.

"Tudo é questão de estilo. É o que vão falar, quando vão falar, como vão falar [na campanha eleitoral], e como vai estar o humor do brasileiro", afirmou um senador aliado.

Moro no retrovisor

Na avaliação de aliados do presidente, os cenários conturbados nas áreas social, econômica, política e sanitária do país têm potencial para aproximar a população a um nome da chamada "terceira via" —nem Bolsonaro nem Lula.

10.nov.2021 - O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, durante evento de filiação ao Podemos - Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo - Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo
O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, durante evento de filiação ao Podemos, em 10 de novembro de 2021
Imagem: Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo

A maior preocupação entre os apoiadores do presidente é a possibilidade da transferência de votos ao campo da direita mais moderada no primeiro turno — com destaque ao pré-candidato do Podemos, Sergio Moro, ex-juiz federal, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e um dos principais personagens da Operação Lava Jato.

Nesse caso, eleitores que confiaram em Bolsonaro em 2018, mas que reprovam posições pessoais do governante e/ou estariam insatisfeitos com o clima de polarização, buscariam ser representados por outro nome da direita.

Para políticos ouvidos pela reportagem, os próximos meses revelarão o quanto Moro vai despontar ou naufragar na corrida ao Planalto.

Se o ex-juiz federal crescer demais e, ao lado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), roubar votos antes concentrados em Bolsonaro, tal desenho pode até mesmo favorecer uma eventual vitória de Lula no primeiro turno, embora acreditem que a possibilidade seja remota.

O que deixa os aliados do atual presidente um pouco mais tranquilos é a aposta de que, num segundo turno entre Bolsonaro e Lula, em tese, dificilmente quem votou em Moro votaria no petista, que teve a prisão ordenada pelo então juiz antes das eleições de 2018.

Um parlamentar chegou a classificar os eventuais votos de Moro a serem transferidos para Bolsonaro num hipotético segundo turno como "colchão de proteção" e "poupança".

Contudo, os aliados de Bolsonaro não descartam que haja uma migração de votos ao Lula por parte do eleitorado que, mesmo discordando de condutas do PT no passado, estaria disposto a "perdoar" o ex-presidente por rejeitar ainda mais as posturas de Bolsonaro, especialmente na pandemia. Em todo caso, resta esperar saber o que falará mais alto: se o antipetismo ou o antibolsonarismo.