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Após atritos, isolamento político de Arthur do Val pode custar mandato

5.mar.2022 - Arthur do Val desembarca no aeroporto de Guarulhos após viagem para Ucrânia - Yuri Murakami/Estadão Conteúdo
5.mar.2022 - Arthur do Val desembarca no aeroporto de Guarulhos após viagem para Ucrânia Imagem: Yuri Murakami/Estadão Conteúdo

Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

22/03/2022 04h00

Marcado por confusões, o mandato do deputado estadual Arthur do Val (sem partido) está na mira do Conselho de Ética da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). O processo foi aberto na sexta-feira (17) passada. Ele tem até o fim desta semana para apresentar uma nova defesa.

Um dos dirigentes do MBL (Movimento Brasil Livre), Arthur do Val, conhecido como Mamãe Falei, foi o segundo deputado estadual paulista mais votado em 2018, com 478,2 mil votos —atrás de Janaína Paschoal (PRTB). Sua campanha foi baseada em críticas a adversários da esquerda e ao sistema político tradicional. Na Alesp, continuou com posicionamentos polêmicos, rompeu também com aliados da direita e se isolou politicamente.

Para parlamentares e cientista político ouvidos pelo UOL, seu método de fazer política, agora, deve pesar no processo que pode terminar com a cassação do seu mandato.

  • Veja os bastidores da disputa eleitoral em O Radar das Eleições:

O Conselho de Ética da Alesp analisa representações sobre os áudios que Arthur do Val enviou a colegas dizendo que as mulheres ucranianas "são fáceis porque são pobres".

Ao UOL News, a presidente do colegiado, deputada estadual Maria Lúcia Amary (PSDB), disse que a tendência é que o mandato de Do Val seja cassado.

Na defesa prévia enviada semana passada ao conselho, ele reconhece as frases como "repulsivas" e "grotescas", mas o advogado Paulo Henrique Franco Bueno afirma que as gravações não podem ser alvo de processo pois foram enviadas a grupos privados, quando o deputado estava licenciado do cargo e em outro país.

Críticas a políticos ao lado de políticos

O cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Eduardo Grin afirma que o processo de Arthur do Val no Conselho de Ética será, essencialmente, político.

"Essa turma que se elegeu em 2018 com o discurso contra o sistema político é muito isolada, pois gerou muito ranço e oposição de outros políticos, que entendem que essa visão demagógica [criticando a política 'tradicional'] lhes impõe um custo", avalia Grin.

O caminho de Arthur do Val acompanha o do próprio MBL —inicialmente, o grupo se aproximou de políticos da direita, mas depois acabou rompendo com seus aliados. Ambos investiram na "cultura da mitada" —o que depois, em entrevista ao UOL, o próprio parlamentar reconheceu como um erro.

27.mai.2015 - Participantes da marcha pela liberdade, organizada pelo Movimento Brasil Livre, posam para foto durante encontro com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha  - Ed Ferreira/Folhapress - Ed Ferreira/Folhapress
27.mai.2015 - Participantes da marcha pela liberdade, organizada pelo Movimento Brasil Livre, posam para foto durante encontro com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha
Imagem: Ed Ferreira/Folhapress

Quando militavam pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), outro dirigente do movimento, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil), chegou a sair na foto com o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Na imagem, ainda aparecem Jair Bolsonaro (PL) e Eduardo Bolsonaro (PL).

Arthur do Val postou foto com armas em mãos ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que segurava um cartaz escrito "Eu pacificamente vou te matar". Depois, rachou com os bolsonaristas e discutiu no Twitter com o mesmo Eduardo Bolsonaro. E também rompeu com a antiga aliada Janaína Paschoal.

Em dezembro do ano passado, brigou com deputado estadual Gil Diniz (sem partido), apoiador de Bolsonaro, que tentou arrancar o celular da mão de Mamãe Falei enquanto ele filmava manifestantes antivacina na Alesp.

Houve confusão também dentro de seu antigo partido —após se eleger pelo Democratas, Do Val foi expulso da legenda em 2019, após sucessivas críticas públicas a políticos do DEM, como Davi Alcolumbre (AP), e a aliados, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Arthur do Val e Eduardo Bolsonaro posam para foto ainda como aliados - Reprodução - Reprodução
Arthur do Val, o Mamãe Falei, e Eduardo Bolsonaro, quando eram aliados
Imagem: Reprodução

À esquerda, as discussões anteriores ao mandato continuaram —e se agravaram. Em 2019, quase saiu na mão com o deputado estadual Teonílio Barba (PT). Em 2020, xingou servidores públicos de "vagabundos" em meio à votação da reforma da previdência em São Paulo.

Influência política

Na Alesp, há uma tentativa de comparar os casos de Arthur do Val e do deputado estadual Fernando Cury (sem partido) —que foi filmado apalpando a deputada Isa Penna (PSOL) no plenário da Alesp, em dezembro de 2020. Cury também passou por um processo no Conselho de Ética e teve seu mandato suspenso temporariamente, por 180 dias.

Há dois pontos citados por deputados e analista que comentaram ambos os casos:

Diferentemente de Do Val, Fernando Cury está em seu segundo mandato como deputado estadual e vem de uma família com atuação na política —é filho de Jamil Cury (PSDB), ex-prefeito de Botucatu (SP).

Isa Penna afirma que vê "dois pesos e duas medidas".

"Arthur também deve ser cassado. O peso, no entanto, está sendo outro. Isso porque a Alesp aprendeu com o caso do Cury? Por que a pauta da violência contra a mulher finalmente está sendo eficiente? Não. E sim porque, diferente do meu assediador, o deputado do Val não é bem quisto pelas pessoas certas", disse.

Gil Diniz, no entanto, aponta que nenhum parlamentar saiu em defesa pública dos dois.

"A maioria da Casa já se manifestou publicamente pela cassação [de Do Val]. Há cerca de 20 pedidos de cassação, inclusive de parlamentares do próprio partido dele, o Podemos [ele anunciou a desfiliação após o vazamento do áudio]."

Procurado para comentar a respeito, o presidente da assembleia, deputado estadual Carlão Pignatari (PSDB), disse que não tem "nada a comentar". A assessoria de Cury informou que ele "não tem nada a declarar".

Fernando Cury é mais articulado, de família tradicional do interior de São Paulo. Tem uma relação mais forte com políticos, embora o que ele fez tenha sido tão ruim quanto o que fez Mamãe Falei."
Eduardo Grin, cientista político

O processo na Alesp

Com a admissão do processo contra Arthur do Val na Alesp, ele terá cinco sessões do plenário para apresentar mais uma defesa. Depois, o relator do processo será indicado, assumirá o caso e terá que apresentar seu voto.

É nesse ponto que os outros deputados votam a favor ou contra o posicionamento do relator e, assim, decidem as penalidades contra o representado ou arquivamento do caso.

As penalidades possíveis são, segundo o Conselho de Ética da Alesp:

  • Advertência,
  • Censura verbal ou escrita,
  • Perda temporária do mandato ou perda de mandato.

A representação tem prazo de 30 dias para tramitar no colegiado, até ser encaminhada para votação no plenário. Ao UOL, Maria Lúcia Amary disse que esse prazo deve se estender.