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Cármen vota para declarar ilegal produção de dossiês contra antifascistas

A ministra Cármen Lúcia, do STF, durante sessão plenária da Corte - Rosinei Coutinho/STF
A ministra Cármen Lúcia, do STF, durante sessão plenária da Corte Imagem: Rosinei Coutinho/STF

Paulo Roberto Netto

Do UOL, em Brasília

06/05/2022 15h34Atualizada em 06/05/2022 19h25

A ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia votou nesta sexta-feira (6) para declarar inconstitucionais a produção e o compartilhamento de dossiês com informações sobre a vida pessoal e escolhas políticas de servidores identificados com o movimento antifascista. A existência dos documentos foi revelada pelo UOL em 2020.

O julgamento é realizado no plenário virtual da Corte e decide sobre a constitucionalidade da produção dos dossiês. Em agosto de 2020, o Supremo suspendeu por 9 votos a 1 a elaboração dos documentos por considerar que houve desvio de finalidade.

Reportagem do UOL publicada em julho de 2020 revelou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública produziu um dossiê com nomes e endereços de redes sociais de professores e servidores públicos que se identificavam como "antifascistas". Em alguns casos, foram feitas até fotografias dessas pessoas.

A Rede Sustentabilidade entrou com ação no STF contra os dossiês e acusou o governo Bolsonaro de promover um "aparelhamento estatal" para realizar "perseguições políticas e ideológicas".

Ao todo, um grupo de 579 professores universitários e servidores teriam sido incluídos no dossiê.

No julgamento iniciado hoje, e que vai até o dia 13, Cármen Lúcia foi a primeira a votar e se manifestou contra a produção dos dossiês. Em voto, a ministra afirma que não houve "contestação objetiva ou direta" do Ministério da Justiça em relação às notícias de elaboração dos documentos.

As atividades de inteligência, portanto, devem respeitar o regime democrático, no qual não se admite a perseguição de opositores e aparelhamento político do Estado. Aliás, o histórico de abusos relatados quanto ao serviço de inteligência acentua a imperiosidade do efetivo controle dessa atividade"
Cármen Lúcia, ministra do STF

A ministra afirmou que é preciso assegurar a "liberdade de manifestação política" para garantir o regime democrático. "É no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência", disse.

O julgamento pode ser suspenso caso algum ministro peça vista (mais tempo de análise) ou destaque, manobra que leva a discussão para as sessões presenciais do Supremo. Um dos votos aguardados era o do ministro André Mendonça, indicado de Bolsonaro à Corte.

Mendonça era o ministro da Justiça e Segurança Pública na ocasião da revelação da existência dos dossiês. Reportagem do UOL mostrou que a atividade era conduzida pela Seopi (Secretaria de Operações Integradas), na ocasião subordinada ao então ministro da Justiça.

No início da noite, o ministro, porém, informou que se declararia suspeito e não participaria do julgamento.

Ministros viram desvio de finalidade

Na sessão que suspendeu a produção dos dossiês, ministros do Supremo afirmaram que a atividade caracteriza "desvio de finalidade". O placar ficou com 9 votos a 1, com apenas o ministro Marco Aurélio Mello na divergência.

"A mera possibilidade de existência do dossiê é risco ao qual nunca mais pretendemos nos submeter, acompanhando integralmente a relatora para deferir o pedido de imediata suspensão da produção e disseminação de conhecimentos e informações de inteligência estatal produzidos sobre integrantes do movimento antifascismo e professores universitários citados, por seu evidente desvio de finalidade", afirmou o ministro Edson Fachin.

O ministro Luís Roberto Barroso comparou a produção do dossiê à atuação dos órgãos de inteligência da ditadura militar (1964-1985). Para o ministro, levantamentos dessa natureza só se justificam se houvesse elementos sólidos para supor que o grupo tramava contra o Estado ou as instituições, o que não era o caso.

"O passado do Brasil condena em matéria de utilização indevida dos órgãos de segurança. Esse tipo de monitoramento para saber o que fazem eventuais adversários é completamente incompatível com a democracia", disse Barroso.