Hope, a cadela terapeuta

Animal da raça golden retriever vai a hospital no Rio visitar crianças com câncer

Marcela Lemos Colaboração para o UOL, no Rio Taís Vilela/UOL

Uma cadelinha da raça golden retriever é a mais nova funcionária da ala pediátrica do Inca (Instituto Nacional do Câncer) no Rio. Com apenas 10 meses de idade, Hope (que significa esperança em inglês) tem a tarefa de espalhar alegria, carinho e oferecer mais conforto aos pequenos pacientes que lutam contra diversos tipos de câncer.

Hope começou o expediente há quatro semanas no Inca --hospital de referência no tratamento do câncer. Ainda em adaptação, a cadelinha visita os pequenos pacientes uma vez por semana durante uma hora, todas as sextas-feiras. A ideia é ampliar as visitas para dois dias na semana.

Com o colete que funciona como um jaleco hospitalar, crachá e coleira, a cadelinha e o adestrador André Luiz Moreira passam de quarto em quarto para brincar com os pacientes.

Durante a visita, as crianças fazem carinho, conversam e sorriem para a nova "médica" do hospital. Alguns já ficam ansiosos esperando o próximo dia de visita. Outros, choram quando Hope precisa ir embora.

Nos corredores do hospital, a cadelinha que teve o nascimento planejado para ser um "cão terapeuta", virou uma espécie de celebridade. Famílias e funcionários se revezam para tirar fotos com ela.

A diretora da unidade, localizada na praça da Cruz Vermelha, na região central da cidade, precisou reservar um horário na agenda para conhecer a nova 'profissional'.

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Com a Hope, a gente para de falar de doença, diz médica

Hope integra o primeiro projeto de terapia assistida por animais no INCA e as visitas dela tem como objetivo tornar o ambiente mais leve e aconchegante para os pacientes em tratamento.

O projeto foi idealizado pela médica oncologista Bianca Santana, que não recebe nenhum tipo de apoio do governo para colocá-lo em prática. Segundo ela, em menos de um mês, os resultados já superaram as expectativas.

"O clima ficou muito bom. Ficou mais leve. Quando ela vem a gente para de falar de doença, a gente passa a falar de cachorro", diz Santana.

"No primeiro dia que ela veio com criança, ela não passou da porta de entrada. As crianças atacaram e ela ficou ali, deitou. Uma puxava o rabo, a outra mexia na perna, a outra fazia carinho e ela ficou e adorou", recorda a médica.

Você esquece um pouco que está no hospital. Parece que está mais perto de casa e esse é o objetivo, que as crianças se sintam mais em casa do que no hospital, porque elas passam mais tempo aqui e com a gente do que com as próprias famílias

Bianca Santana, Médica oncologista e dona da Hope

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Nascimento planejado

O projeto para inserir um cachorro terapeuta no hospital começou antes mesmo do nascimento de Hope.

Enquanto a médica Santana elaborava um dossiê para apresentar ao hospital com os benefícios e a segurança desse tipo de tratamento, ela e o adestrador procuraram canis para identificar os pais de Hope.

Foi em Petrópolis, na região serrana do Rio, que os pais foram localizados --um casal com características indicadas para o trabalho: serenidade e tranquilidade.

Da ninhada, Hope foi a escolhida como sendo a mais dócil. Ela chegou à casa da médica com dois meses de vida e ali mesmo começou a ser adestrada.

Todo o processo, entre a escolha dos pais até o adestramento, durou um ano e meio.

Apesar de todo o planejamento, existiam dúvidas se Hope responderia bem aos estímulos que fariam dela uma cadela terapeuta. No entanto, de acordo com Bianca e André, a nova "médica" já supera as expectativas.

Para mim é realização de um sonho. Ser médica é mais do que prescrever quimioterapia. Ter um cão na minha casa que esteja servindo as crianças é uma satisfação muito grande. A doutora Hope agora é minha amiga de trabalho

Bianca Santana, Médica oncologista e dona da Hope

Para os funcionários do INCA já é possível observar os benefícios da presença da Hope nos pacientes.

"Em momentos delicados de medicação, de dor, só em falar na Hope já faz com que as crianças se distraiam e fiquem mais animadas. É impressionante", disse uma enfermeira da pediatria.

Já a Chefe do Serviço de Oncologia Pediátrica, Sima Ferman, diz acreditar no sucesso do projeto.

"Nossa linha toda de trabalho aqui é atenção integral à criança, então uma preocupação que nós temos ao longo dos anos não é só oferecer o tratamento oncológico, mas cuidar da criança no ponto emocional e social. Então várias atividades são feitas para melhorar a estadia da criança aqui, e fazer com que o tempo dela no hospital seja mais ameno. Hoje temos vários projetos neste sentido e a Hope veio coroar", afirma.

Taís Vilela/UOL Taís Vilela/UOL

Rotina inclui atenção especial com higiene

Hope passa por um adestramento diário. Antes de chegar ao Rio, o adestrador Moreira conta que realizou um trabalho com a própria médica para que ela entendesse como deveria agir com a cadelinha.

Nos dias de visita ao Inca, Hope toma banho e corta as unhas. Ela chega de carro ao hospital. Na unidade, passa por um processo de higienização das patinhas e escova os dentes.

"Quando ela coloca o colete ela sabe que vai entrar no modo trabalho. É que nem o médico quando coloca o jaleco: o médico fica mais sério e coloca seu trabalho em prática. É a mesma coisa a Hope. Quando ela tira o colete sabe que aí é festa, vai brincar e se divertir", explica o adestrador.

Vacinas e medicações especiais fazem parte da vida de Hope com frequência. O custo é de cerca R$ 1.400 mensais que saem do bolso da própria médica, que conta ainda com a parceira do adestrador.

Apesar de tanta responsabilidade, Hope também tem momentos de lazer. Ela costuma brincar no parque da Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, na zona norte do Rio, na companhia de Moreira.

Para ele, o contato entre a cadelinha e os pacientes tem sido mais que positivo.

"Tem situações que você fica maravilhado, tem criança que olha e abre aquele sorrisão, fica completamente apaixonada. Os pais também ficam na aquela euforia, querem tirar foto com a cachorra e com o filho. Ela [a Hope] vem para tentar tirar um pouquinho de sofrimento. Todo mundo quer saber que dia ela vai voltar."

Moreira recorda também com orgulho do primeiro dia de Hope no Inca.

"Ela deitou entre sete e oito crianças juntas mexendo nela, fazendo carinho. A gente faz um exercício que geralmente as pessoas falam 'morto e vivo', no caso dela é relaxa! Aí, ela dá aquela deitadinha de lado para receber o carinho."

Lei garante animais em hospitais

Foi aprovada neste ano pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), em março deste ano, uma lei que permite a presença de animais domésticos e de estimação em hospitais públicos e privados do Rio.

A lei é de autoria do vereador Luiz Carlos Ramos Filho (Podemos), também presidente da Comissão de Defesa dos Animais. De acordo com a ela, os animais podem permanecer nas unidades de saúde por período pré-determinado e sob condições prévias respeitando os critérios definidos pelos hospitais.

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