Reza forte

Em acampamento em Brasília, 6.000 indígenas pedem proteção contra decisão que pode afetar demarcações

Fernanda Pierucci e Ramon Vellasco Colaboração para o UOL, em Brasília Ramon Vellasco/UOL

Na praça da Cidadania, próximo à Esplanada dos Ministérios, cerca de 170 etnias se reuniam no Acampamento Luta pela Vida. São 6.000 indígenas protestando contra o marco temporal, discussão que o STF (Supremo Tribunal Federal) retoma hoje.

Pela tese jurídica, os indígenas só teriam direito à demarcação se estivessem sobre as terras em 5 de outubro de 1988 ou se estivessem em disputas judiciais ou físicas na mesma data. É o dia de promulgação da Constituição Federal.

Mas o único prazo previsto na Constituição sobre o tema indígena foi o dever da União, e não dos indígenas, de identificar e demarcar as terras dentro de cinco anos, a contar da promulgação da Carta.

Setores ligados ao agronegócio e a bancada ruralista no Congresso, formada por 257 parlamentares, pressionam para que a Suprema Corte use esse entendimento.

O presidente Jair Bolsonaro também já disse que, caso o STF não aceite o marco temporal, os indígenas "terão mais terras", mas o Brasil não terá mais agricultura e passará por um "desabastecimento" de alimentos.

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Por enquanto, só o ministro Edson Fachin, relator do processo, votou, favorável ao argumento dos indígenas.

Os indígenas aguardam em vigília, acompanhando por um telão todos os passos do julgamento, que deve ser um divisor de águas no tema da demarcação das terras indígenas no país, podendo afetar a demarcação de mais de 700 territórios.

Entender-se que a Constituição solidificou a questão ao eleger um marco temporal objetivo para a atribuição do direito fundamental a grupo étnico significa fechar-lhes uma vez mais a porta para o exercício completo e digno de todos os direitos inerentes à cidadania.

Edson Fachin, relator do processo no STF

Na ocupação temporária, se espalham tendas com bambus, barracas de camping e lonas de plástico para proteger do sol forte. É possível sentir a força e a potência das rezas, dos cantos e das danças, pedindo forças e proteção aos seus ancestrais.

Os guarani Mbýa estavam reunidos em roda, com a liderança ao centro, dialogando e passando as instruções a jovens, adultos, crianças e mulheres da mesma etnia. São elas as responsáveis pelo preparo dos alimentos.

Bahia, terra de coco e azeite de dendê, a água do coco é doce e eu também quero beber. Vamos balançar, balançar o cachimbó, trazer o Bolsonaro amarrado no cipó.
Cantos ecoados pelos tupinambás no acampamento


Encontro com maior número de indígenas, a vigília foi a terceira organização para acompanhar a decisão do STF. Em 11 de junho, houve o Levante pela Terra, quando Edson Fachin deu início ao debate sobre o território do povo xoclengue. No mês seguinte, foi a segunda reunião.

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Uma terena, de Mato Grosso do Sul, diz que a sensação é de deslocamento, contra o pertencimento de estar em sua terra. Ao não se sentirem conectados com a força espiritual no acampamento, veem a confirmação de tentativa de apagamento pela lei do branco.

"A terra pode ser governada pelo Bolsonaro, pelo governo, mas nós sabemos quem é dono da terra. Somos nós", afirmou Ismael Ahprac Krahô, hotxwa da etnia krahô.

Gilberto, também da etnia Krahô, também falou das dificuldades do seu território, no Tocantins, onde ficam 24 aldeias. "Nossas terras estão divididas. De um lado, ficam as máquinas; do outro, ficamos nós, ficamos muito perto das máquinas."

Ele conta que sofrem ameaças por disputas da terra e que, durante a noite, é quando é maior a movimentação para extração de árvores e de caça.

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Mauro Adriano é estudante de geografia na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da etnia araweté, povo no Pará que teve quase toda a sua população dizimada por colonizadores, garimpeiros e grileiros. Hoje, mora na Aldeia Araponga, em Paraty (RJ).

Considerado uma liderança, diz ser muito importante que estar próximo da sua cultura e fazer com que seu espírito se fortifique através da reza e das ervas.

"Houve um momento que eu precisei socorrer um parente que passou mal por causa da força do sol e do calor aqui no acampamento. E eu socorri ele com o tabaco."

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Antes de ir ao acampamento, todos os moradores da aldeia receberam ordens do cacique Agostinho, 101, que cumprem à risca.

O índio não pode se misturar com a cultura do branco, ela faz mal para o espírito do indígena e enfraquece o nosso movimento. Respeitar as ordens do cacique e respeitar a nossa cultura é essencial para que a gente consiga manter nossa luta.
Mauro Adriano, estudante da etnia araweté


Por razões de segurança, o Acampamento Luta pela Vida se mudou para a sede da Funarte, mas permanece em vigília, torcendo pela decisão do STF.

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