As sombras antes do massacre

O dia dos assassinos de Suzano começou com ida a um vizinho, que não atendeu: UOL relata os passos da tragédia

Wellington Ramalhoso Em Suzano (SP) Arte/UOL

Assassinos procuraram vizinho no dia dos crimes

O massacre de Suzano, na Grande São Paulo, poderia ter começado na própria rua dos responsáveis pela matança. Por volta de 8h30 de quarta-feira (13), a dupla foi à porta da casa de Rubens*, um vizinho do bairro Jardim Imperador, para procurá-lo. Três dos onze moradores estavam no imóvel. O homem que os assassinos buscavam e uma tia dormiam. Uma prima estava acordada, mas, temerosa, não atendeu aos chamados.

Pouco mais de uma hora depois, a notícia do massacre corria pelo bairro e começava a dominar o noticiário. Chocada, a família vizinha teve, então, a sensação de que havia escapado de um ataque.

A suspeita é de que o jardineiro Luiz Henrique de Castro, 25, ao bater à porta pela manhã, queria se vingar de uma agressão sofrida no ano passado.

Na ocasião, Rubens teria atingido o jardineiro ao apartar uma briga entre os Castro. De acordo com a versão da família vizinha, Luiz estava brigando com o próprio pai.

* Identidade alterada a pedido da família.

Discussões com o pai

Na rua dos autores do massacre, as versões sobre o comportamento de Luiz são conflitantes. Um parente de Rubens afirma que o jardineiro ficava nervoso com frequência e discutia com os pais. Outros vizinhos preferem não comentar ou dizem que ele era calmo.

Um vizinho mais próximo diz que as discussões na família de Luiz não eram violentas, mas confirma que a discussão de 2018 foi mais forte. Acrescenta, porém, que pai e filho haviam superado o atrito e estavam em paz nos últimos meses.

Os familiares de Rubens dizem que Luiz agrediu o pai na briga do ano passado, mas preferem não entrar em detalhes em respeito aos vizinhos.

Américo Castro, tio de Luiz, contraria a versão. Diz que as discussões entre pai e filho não eram graves e que Luiz não chegou a agredir o pai.

Wellington Ramalhoso/UOL

O assassinato do tio

Da casa de Rubens, Luiz Henrique e Guilherme Taucci Monteiro, 17, partiram para o que parece ter sido outra vingança. Percorreram uma distância de apenas 650 metros para ir até a loja de carros de Jorge Antonio Morais, o Jorginho, tio do adolescente.

Armado com um revólver calibre 38, Guilherme disparou três vezes contra o tio. Agonizante, a vítima ainda disse a um funcionário que o atirador era seu sobrinho.

A polícia investiga os motivos do assassinato. O adolescente trabalhou na loja do tio, mas foi demitido há dois anos. A polícia trabalha com a versão de que Guilherme praticava pequenos furtos na loja. Pessoas ligadas à família dizem que o tio se incomodava com perguntas do adolescente sobre o faturamento da empresa. De qualquer forma, o rapaz parece ter nutrido o desejo de se vingar.

Games em casa e na lan house

Guilherme seria obcecado por vídeogame. Ele jogava em casa e em uma lan house a 750 metros de lá. Segundo o proprietário, que preferiu não se identificar e vem colaborando com a investigação policial, o comportamento do adolescente não levantava suspeitas.

À "Folha de S.Paulo", uma ex-funcionária da lan house afirmou que Guilherme e Luiz xingavam muito e em voz alta durante os jogos de tiro. Também declarou que se assustou ao perceber que um deles usava um pingente com a suástica nazista no pescoço. O Ministério Público de São Paulo investigará uma possível ligação dos assassinos com grupos radicais que promovem crimes de ódio.

Reprodução

Volta à escola para massacrar

Depois da loja do tio de Guilherme, os assassinos partiram para a Escola Estadual Professor Raul Brasil, de onde eram ex-alunos. A distância entre um ponto e outro é de somente 500 metros.

Usaram um carro Onix alugado em nome de Luiz. A Polícia Civil de São Paulo entende, porém, que a matança foi liderada por Guilherme e investiga a participação de outro adolescente no planejamento das ações.

Guilherme entrou primeiro na escola e fez os disparos com o revólver calibre 38. Uma professora disse que o adolescente prometeu se vingar ao ser expulso do colégio no ano passado.

Na escola, a dupla matou a coordenadora pedagógica, uma inspetora e cinco alunos. De acordo com a investigação, Guilherme atirou em Luiz e se matou em seguida. Onze pessoas ficaram feridas.

Dinheiro para muitas armas

A polícia investiga como a dupla teve acesso ao revólver calibre 38 com numeração raspada. O trabalho de apuração aponta que as armas brancas foram compradas na plataforma Mercado Livre. Entre elas, estão um arco e flecha, um machado e uma machadinha.

Nas compras, Guilherme teria usado o dinheiro recebido como funcionário de um ponto de venda de cachorro-quente. Vizinhos disseram que Luiz também pode ter colaborado com as economias de seu salário de jardineiro em uma empresa

Luto e homenagens às vítimas

Tomados pelo luto, moradores de Suzano fizeram atos em homenagem às vítimas na porta da escola Raul Brasil e compareceram ontem (14) ao velório coletivo, na Arena do município, e ao enterro, no cemitério São Sebastião.

Os assassinos foram enterrados, no começo da tarde, diante de pouco familiares e sem velório.

Consternação e dor no dia seguinte

Na rua dos assassinos, vizinhos demonstravam choque e consternação, e amigos visitavam as famílias Castro e Monteiro. Tio de Luiz e católico praticante, Américo Castro contou sobre a dificuldade de encontrar palavras para confortar os pais do jardineiro em um momento de dor profunda.

"Ao ver um caso desse na TV, a primeira reação das pessoas é atirar pedra [no sentido de criticar] em quem praticou o ato. Aí depois você vê que é gente do seu sangue, e como fica? Somos tão vítimas quanto eles [os mortos, feridos e seus familiares]".

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