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"Queria atingir estado de pureza": a dieta 'saudável' que deixa doente

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Imagem: uol tab

Em Paris

28/07/2017 12h24

A desconfiança em relação ao setor agropecuário popularizou os regimes "sem isso, sem aquilo" - vegetarianos, veganos, crudívoros, entre outros - como garantia de um equilíbrio alimentar saudável. A prática pode virar uma obsessão, porém, caracterizando um quadro de ortorexia.

"Comer uma fruta apenas se ela tiver sido colhida há menos de um minuto, fazer minirrefeições combinadas com complementos alimentares... A pessoa ortoréxica está aprisionada em um conjunto de regras que ela se impõe", explicao professor de Psicologia Intercultural Patrick Denoux.

Ele estima em entre 2% a 3% a proporção de ortoréxicos na França. "Apetite correto", na tradução do grego, o termo surgiu nos anos 1990 nos Estados Unidos.

"Eu tinha a impressão de ser dona da verdade sobre a alimentação saudável que permite viver o máximo possível", testemunha Sabrina Debusquat, que foi ortoréxica durante um ano e meio e publica na França o livro "Métro, Boulot... Bonheur!" ("Metrô, trabalho... felicidade!", em tradução livre), justamente sobre esse tema.

Essa francesa de 29 anos desenvolveu a síndrome progressivamente, depois de sofrer alergias de pele causadas por cosméticos. De clique em clique, ela ia encontrando "sites" e estudos contraditórios sobre a alimentação.

"Todas essas informações geraram uma angústia enorme em mim. É uma reação extrema a uma 'junk food' extrema", avalia.

Ativistas do PETA fazem campanha pelo veganismo - Saul Loeb/AFP - Saul Loeb/AFP
Ativistas do PETA fazem campanha pelo veganismo
Imagem: Saul Loeb/AFP

Mutação cultural

"Vivemos uma mutação cultural da alimentação, que nos leva, basicamente, a duvidar de tudo que comemos, por causa do distanciamento do produtor e do consumidor, da delegação do controle - por parte do consumidor - a instituições distantes, da crise alimentar...", enumera Patrick Denoux.

Depois do "trauma" causado pela crise da vaca louca, no início da década de 1990, seguida do escândalo da carne de cavalo em 2013, "nunca tivemos tanto medo do que a gente come", disse Pascale Hébel, do Crédoc (sigla em francês do Centro de Pesquisa para o Estudo e a Observação das Condições de Vida).

"O afastamento do campo criou essas angústias que se cristalizam nas classes superiores", alegou Hébel.

Na nossa cultura ocidental, "essa suspeita de envenenamento" é "valorizada" como prova da nossa "perspicácia", reforçou Denoux.

'Melhor cega do que carnívora'

Denoux define três grandes sistemas alimentares: o tradicional, "das nossas avós"; o industrial, "que enche o estômago"; e o de saúde, "que vê a comida como remédio". "O ortoréxico não combina esses sistemas. Ele simplifica e se refugia no da saúde", excluindo alimentos, aponta.

Em um ano e meio, Sabrina Debusquat se tornou vegetariana, depois vegana, então crudívora e frugívora (alimentação à base de frutos e vegetais). "Eu queria atingir uma espécie de estado de pureza", lembra.

Os cabelos começaram a cair, mas ela não se preocupou. Foi apenas a irritação incomum de seu companheiro que a levou a se dar conta de seu estado obsessivo.

"Meu corpo acabou tiranizado pelo meu espírito", reconheceu, contando que decidiu sair e comprar vitamina B12. Obtido a partir de bactérias encontradas, sobretudo, no estômago de animais ruminantes e marinhos, esse elemento serve, essencialmente, para a fabricação de glóbulos vermelhos.

Essa mesma vitamina faltava em uma paciente de Sophie Ortega, médica nutricionista em Paris: "Ela estava começando a ficar cega por carência de B12". 

Vegana pura e dura. Era como se ela preferisse perder a visão do que trair seu compromisso com os animais."

Sophie Ortega, médica

"Vira um quebra-cabeça encher o carrinho do supermercado e equilibrar os cardápios. Agora você tem alimentos que são apresentados como remédios. Então, as pessoas dizem que isso só pode ser melhor", comenta.

Ela insiste, porém, que "a boa alimentação inclui o vegetal e o animal". O que vale é "a espontaneidade e o prazer" de comer.