Em busca dos segredos do 'homem elefante'
O homem elefante, cujo nome verdadeiro era Joseph Merrick, foi objeto da curiosidade de muita gente, durante toda a sua vida na Inglaterra, inclusive de diversos médicos da era vitoriana, que fizeram vários estudos sobre sua anomalia.
A história de Merrick foi consagrada nos anos 1980 pelo diretor David Lynch, que levou às grandes telas o drama do britânico que tinha 90% do corpo deformado pelo que se acreditava ser uma neurofibromatose múltipla - doença degenerativa óssea que hoje em dia tem tratamento.
Exibido como um monstro em circos, Merrick chegou a ser visto como débil mental, já que tinha dificuldades para falar. O médico Frederick Treves foi quem mais se aproximou de Merrick para tentar entender sua doença.
Mas hoje, 123 anos depois da morte de Merrick, cientistas acreditam que seus ossos contém segredos sobre sua anomalia que podem beneficiar a ciência médica.
Merrick começou a desenvolver a doença ainda quando criança. Apesar de ter sido bastante examinado na época por vários médicos, a causa da má formação da sua cabeça, da curvatura acentuada de sua espinha dorsal, da pele cheia de saliências, do braço direito mais crescido que o esquerdo, nunca foi totalmente esclarecida pela medicina.
Dilema do esqueleto
Ironicamente, a preservação do esqueleto de Merrick é o que tem causado um dos maiores problemas para que se descubram os segredos do "homem elefante".
"O esqueleto, que tem bem mais do que 100 anos agora, é na verdade muito limpo", conta o professor Richard Trembath, vice-diretor do departamento de saúde da Queen Mary University of London, que também é o responsável pela guarda do material.
"Isso representa um problema significativo. Em várias ocasiões ao longo dos anos, o esqueleto foi embranquecido com cloro no processo de preservação. Cloro não é um bom componente químico para se expor o DNA. Isso gerou um problema extra para conseguirmos extrair quantidades suficientes de DNA com o objetivo de fazermos o sequenciamento (genético)", explica Trembath.
Mas a esperança é a de que o DNA que puder ser extraído venha a determinar de uma vez por todas a exata condição genética do "homem elefante".
Já existem diversas teorias. Por vários anos, acreditava-se que ele tinha neurofibromatose tipo 1, mas recentemente médicos começaram a acreditar que ele sofria de uma condição conhecida como síndrome de Proteus ou, possivelmente, uma combinação das duas.
Um time de geneticistas da Queen Mary University of London, do King's College e do Museu de História Natural britânico está trabalhando atualmente em técnicas para extrair o DNA de outros ossos de idade similar aos de Merrick, que também foram embranquecidos com cloro. Eles fazem os primeiros estudos em ossos similares (e não nos originais) para evitar ainda mais danos ao esqueleto do homem elefante.
Cloro é utilizado, às vezes, por laboratórios para remover traços de DNA. Por isso essa é a pior coisa que pode ser feita para os ossos, quando o objetivo é extrair informação genética.
Para efeito de comparação, a condição genética dos ossos do rei Ricardo III, encontrado em março deste ano, enterrado por centenas de anos debaixo de um estacionamento em Leicester, no norte da Inglaterra, é bem melhor do que os ossos de Merrick pelo fato de nunca terem sido alvejados com cloro.
As graves deformidades do homem elefante são facilmente notadas no esqueleto, mas restritas a apenas determinadas áreas do corpo. Seu crânio tem grandes saliências de ossos crescidos na fronte e no lado direito.
O braço direito e bem mais longo do que o esquerdo, que parece ser do tamanho normal. Seu fêmur direito (parte de cima da perna) é bem mais longo e grosso do que o esquerdo. Sua coluna também é extremamente curvada, deixando o corpo todo torto.
"Quando Merrick estava sendo formado na barriga de sua mãe, é bem provável que uma alteração genética tenha acontecido, não antes do espermatozoide e o óvulo terem se juntado - mas provavelmente num estágio em que existia um certo número de células, onde apenas algumas contribuíram para o desenvolvimento do problema", afirma Trembath.
Desafios
O esqueleto do homem elefante é mantido trancado em um pequeno museu do Royal London Hospital (Hospital Real de Londres), onde normalmente não está em exibição. Este é o mesmo hospital onde Merrick passou seus últimos anos como amigo e paciente do famoso médico da era vitoriana, Frederick Treves, local onde ele morreria aos 27 anos de idade em abril de 1890.
De acordo com Treves, Merrick morreu ao ter o pescoço deslocado enquanto dormia, por causa do grande peso de sua cabeça.
O time de geneticistas que tenta extrair o DNA é liderado pelo médico Michael Simpson, do King's College. Em seu laboratório, ele tem trabalhado em segmentos de ossos para tentar desenvolver novas técnicas para extrair informação genética a partir de material severamente danificado por embranquecimento a cloro.
Os geneticistas tiveram sucesso em obter o DNA, mas continuam trabalhando em métodos para limpar o DNA severamente danificado para obter uma sequência genética completa.
Este passo é importante para se identificar onde o código genético de Merrick sofreu alguma mutação. Para complicar a tarefa ainda mais, Simpsom acredita que os ossos também foram encerados (impermeabilizados com cera), o que também afeta o DNA.
Para completar essa tarefa, Simpson admite que "há alguns desafios".
"Com algumas otimizações, eu estou confiante que teremos sucesso. Nós temos uma grande chance de obter um bom sequenciamento do genético", diz Simpson.
A técnica envolve a perfuração de uma área para se obter uma pequena quantidade de pó do osso, tratamento com detergentes e enzimas para extrair proteína e assim remover o DNA.
Quando o trabalho começar no esqueleto de Merrick, a intenção é fazer comparações entre o DNA em áreas danificadas dos ossos com a de áreas normais. Duas áreas principais foram identificadas para perfuração e obtenção do pó do osso: a parte de dentro do crânio e a raiz de um dos dentes.
Resultados para a ciência
Além da curiosidade científica para descobrir a real condição médica do homem elefante, Trembath acredita que os resultados da pesquisa poderão ajudar a ciência médica moderna a entender melhor o processo de divisão celular.
"Este é um exemplo significativo de tecido hiper desenvolvido", explica Trembath enquanto examina áreas crescidas de osso no crânio.
"O entendimento da regulagem do crescimento celular é um das coisas mais fundamentais que precisamos conhecer. Isto está por trás do desenvolvimento de tumores e precisamos entender melhor como os tumores se desenvolvem", explica.
Ele aponta que o próprio Merrick era engajado em ajudar os médicos vitorianos entender sua doença. Mais de um século depois, o trabalho ainda continua.
"Eu tenho a sensação de que ele (o homem elefante) é um parceiro sempre querendo nos ajudar a chegar lá. Ele representa um dos mais casos mais graves de hiper crescimento (ósseo) já vistos. Por isso, essa é uma oportunidade única para obtermos conhecimentos fundamentais sobre biologia humana, e Merrick sabia que ele continha essa informação".
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