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Surto do ebola afeta também economias de países africanos

Richard Hamilton

BBC News

21/08/2014 11h21

Além do devastador impacto humano, a epidemia do vírus ebola, que já matou mais de 1,3 mil pessoas na África Ocidental, também afeta as economias dos países atingidos.

Guiné, Libéria e Serra Leoa, os focos do surto, já são três países pobres da região, cuja situação pode piorar com o avanço da doença.

Serra Leoa e Libéria enfrentaram sangrentas guerras civis e conseguiram reconstruir suas economias.

Já a Guiné tenta reanimar seu setor de mineração, que antes do conflito era responsável por mais da metade das receitas de exportação.

Há temores de que todos estes avanços estejam sob ameaça, e que a pobreza generalizada possa levar a um aumento da criminalidade. Os efeitos já começam a ser sentidos.

Serra Leoa 'de joelhos'

"Nossa economia vai se desinflar 30%" por causa do ebola, disse à BBC o ministro da Agricultura, Joseph Sam Sesay.

"O setor agrícola é o mais afetado porque a maioria da população de Serra Leoa - cerca de 66% - é de agricultores", afirmou.

Doze dos 13 distritos de Serra Leoa foram afetados pelo ebola, embora o epicentro esteja na Província Oriental, perto da fronteira com a Libéria e a Guiné.

Bloqueios de estradas operados por policiais e soldados impedem o movimento de agricultores e trabalhadores e o fornecimento de mercadorias.

"Nós estamos definitivamente esperando um efeito devastador, não só na disponibilidade e capacidade de trabalho, mas também em termos de fazendas sendo abandonadas por pessoas fugindo dos epicentros e indo para áreas que não têm a doença", disse Sesay.

O coordenador-chefe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), David McLachlan-Karr, reconheceu que a agricultura em Serra Leoa está "de joelhos".

"Nós estamos entrando na temporada de plantio, o que significa que grande parte da agricultura não está acontecendo. No final, isso resultará na falta de alimentos e pressões sobre os preços de alimentos", disse.

"Estamos começando a ver alta da inflação, pressão sobre a moeda nacional e escassez de moeda estrangeira".

Apesar disso, ele acredita que os bloqueios nas estradas são cruciais para conter o surto.

O PNUD lançou um apelo por US$ 18 milhões (R$ 40,4 milhões) para reforçar o sistema de saúde de Serra Leoa.

A Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) e o Programa Mundial de Alimentação da ONU pedirão mais US$ 60 milhões (R$ 135 milhões) para ajudar o governo a lidar com a escassez de alimentos e os agricultores, a enfrentar a crise.

Bancos comerciais reduziram o horário de funcionamento por duas horas para reduzir o contato com clientes e a indústria do turismo do país teve forte impacto - alguns hotéis estão vazios e demitindo funcionários.

Crescimento contido

Na Guiné e na Libéria, as previsões econômicas são menos catastróficas, mas ainda preocupantes. O Banco Mundial disse esperar que o crescimento do PIB na Guiné diminua de 4,5% para 3,5% neste ano.

Na Libéria, a previsão de crescimento da economia era de 5,9% para este ano, mas o ministro de Finanças, Amara Konneh, disse que a estimativa não é mais realista, devido à desaceleração nos setores de transportes e serviços e a retirada de trabalhadores estrangeiros.

O fechamento das fronteiras na África Ocidental e a suspensão dos vôos também têm efeito negativo sobre o comércio, o que limita a capacidade dos países para exportar e importar produtos.

Exemplos recentes são o fechamento da longa fronteira de Camarões com a Nigéria e o anúncio da Kenya Airways de que suspenderá voos de e para Serra Leoa e Libéria.

A maior siderúrgica do mundo, a ArcelorMittal, suspendeu o trabalho em suas minas de minério de ferro na Libéria após alguns de seus funcionários terem sido retirados.

A mina de Simandou, nas florestas do leste da Guiné, é a maior planta de minério de ferro e maior projeto de infra-estrutura da África. A Vale, maior produtora de minério de ferro do mundo, esteve envolvida em Simandou até abril. A empresa retirou seis funcionários internacionais e deu licença ao restante dos trabalhadores.

A Rio Tinto, terceira maior mineradora do mundo, e que detém uma participação em Simandou, doou US$ 100 mil para os trabalhos da Organização Mundial da Saúde na área. A empresa está disponibilizando equipamentos sanitários para a população local.

'Fundamentos'

Investidores internacionais estão nervosamente acompanhando o surto do ebola.

Dianna Games, executiva-chefe da consultoria Africa@Work, de Joanesburgo, diz que os temores sobre o vírus podem afetar o renascimento econômico da África dos últimos anos.

"O ebola afetou a narrativa do crescimento da África", disse à BBC. "Os estereótipos da África como um lugar de pobreza e doenças começaram a ressurgir novamente."

Segundo Dianna, a Nigéria é o único país afetado com sistema de saúde e infra-estrutura capazes de lidar com o ebola. No momento, houve apenas 12 casos confirmados, todos ligados à morte de um homem da Libéria, em julho.

Mas ela acredita que, no longo prazo, o surto do ebola será visto como uma crise temporária e não como uma mudança permanente nas perspectivas do continente.

"Os fundamentos empurrando esse renascimento da África ainda existem", disse.