Polêmica de médicos latinos cochilando reflete realidade de hospitais no Brasil
Milhares de médicos na América Latina começaram a compartilhar fotos nas redes sociais em que eles próprios ou algum colega aparecem tirando um cochilo durante plantões em hospitais.
A iniciativa, marcada pela hashtag #YoTambienMeDormi, foi uma reação a críticas feitas nas redes sociais a uma médica que aparece dormindo em uma foto, postada por um blogueiro mexicano.
O blogueiro, escrevendo no Noti-blog, diz: "Sabemos que esse trabalho é cansativo, mas eles têm a obrigação de cumprir suas responsabilidades, já que dezenas de pacientes precisam de seus cuidados em qualquer momento".
A imagem mostrava uma residente de medicina do Hospital Geral 33, em Monterrey, no México, que acabou cochilando às 3h00 da manhã, quando estava preenchendo um prontuário. Segundo o hospital, ela estava atendendo seu 18º paciente da noite e, ao apoiar a cabeça na mesa enquanto escrevia, acabou dormindo.
Quando viu a história, o médico mexicano Juan Carlos criou a hashtag #YoTambienMeDormi em um tuíte: "Eu também dormi depois de operar um, dois, três pacientes em um plantão qualquer".
'Visão distorcida'
Para o dr. Fernando Sabia Tallo, coordenador da UTI do Hospital São Paulo (Unifesp), as fotos mostram bem como é a realidade dos médicos em plantões, inclusive no Brasil, e como a há uma visão distorcida sobre o problema.
"As jornadas de trabalho são longuíssimas. Em algumas áreas do país, há plantões de até 72 horas. As condições normalmente são ruins, há pressão, não dá tempo às vezes nem de comer ou ir ao banheiro", afirma Tallo, que é presidente da Associação Brasileira de Medicina de Urgência e Emergência (Abramurgem).
"A gente luta contra essas jornadas longas, justamente para que o médico não fique exausto. Mas diante do cenário atual, não vejo um cochilo como desvio de conduta, se for feito com bom senso."
Hipocrisia
O médico vai além e disse que polêmica do #YoTambienMeDormi está bem longe de abordar questões mais importantes do sistema de saúde no Brasil.
"Agora, diante de todos os problemas que a saúde no Brasil enfrenta, condenar um médico que tirou um cochilo quando não há pacientes, depois de ficar 20 horas acordado, é uma grande hipocrisia".
No Brasil, pacientes também criticam o cochilo de médicos - no YouTube, há dezenas de vídeos "denunciando flagras" de plantonistas dormindo em várias cidades do país - de Cascavel a Valinhos. A maioria deles, entretanto, não deixa claro se havia pacientes a ser atendidos no momento do cochilo.
Médicos brasileiros ouvidos pela BBC Brasil falaram da exaustão depois de horas seguidas de atendimento e de como é frustrante ser culpado pelos pacientes por todas os problemas da saúde no Brasil.
"Uma vez eu estava na hora de almoço, voltando pelo corredor cheio de pacientes, e uma mulher começou a berrar no corredor 'Nossa, pela demora, a doutora devida estar comendo um porco no rolete'. Isso porque eu mal engoli um pãozinho qualquer", conta uma médica, que prefere não ser identificada.
"Sempre ouvia ameaças também. Coisas do tipo 'se ele morrer, vocês vão fazer o que?' ou pacientes dizendo que iam chamar a TV. É triste ver que eles reclamam de coisas que às vezes não têm nada a ver com os médicos."
Outro médico ouvido pela BBC diz que sempre ouvia críticas pelo fato de o hospital em que dava plantão estar sem leitos. "Como se fosse culpa nossa", diz. "E também já vi muitos colegas serem xingados por coisas banais. Um deles estava só tomando um café."
Em entrevista à BBC Mundo, o gastroenterologista mexicano Antonio Leon disse achar injusto o quanto se fala de como médicos ganham muito e até mesmo assim dormem em plantões.
"Mas ninguém fala das jornadas extensas a qual somos submetidos. Não comemos, dormimos pouco e, quando conseguimos, dormimos desse jeito que vocês veem nas fotos", disse.
Outra médica que usou a hashtag, a argentina Noela Ponce também desabafou: "Ser médico é mais que um trabalho para nós, é uma vida. Mas essa vida fica difícil, quando depois de passar 36 horas acordada, nos ofendem, gritam com a gente, para que a gente atenda mais rápido."
* Reportagem de Gabriela Torres; colaborou Mariana Della Barba
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