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Convulsões, preconceito e falta de estrutura: o drama de um caso grave de microcefalia

Camilla Costa

Enviada especial da BBC Brasil ao Recife (PE)

12/01/2016 09h59

"Quem sabe se com tantos casos de microcefalia agora, as autoridades se sensibilizam para abrir mais centros de reabilitação e nos dar mais recursos para cuidar melhor deles. Espero que melhore para nós, que passamos por isso há mais tempo", diz a agricultora pernambucana Cleciana Santos à BBC Brasil.

Cleciana, de 35 anos, e sua família convivem com um caso grave de microcefalia há cinco anos, quando nasceu seu segundo filho, Emanuel Eduardo. "Quando ele nasceu, a obstetra perguntou se alguém na família tinha a cabeça pequena. Quando dissemos que não, ela falou que deveríamos fazer acompanhamento", relembra.

"Mas só fomos quando ele teve a primeira convulsão, 15 dias depois de nascer. Lá descobriram a microcefalia e a Síndrome de West, que é responsável pelas convulsões."

A neuropediatra Durce Gomes de Carvalho, que acompanha Emanuel no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Recife, explica que o tamanho da cabeça do garoto ao nascer, por si só, não chamaria a atenção dos médicos.

Para identificar os casos atuais de microcefalia em todo o país, relacionados ao vírus da zika, o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais usam a medida de 32 cm, que é o padrão estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Emanuel, no entanto, nasceu com 34 cm.

No entanto, outros fatores podem guiar a observação, como a proporcionalidade da cabeça em relação o corpo da criança. Eduardo era um bebê grande, com quatro quilos e 51 cm, ao nascer. Por isso, sua cabeça parecia menor do que deveria ser.

"Existe sempre a possibilidade de erro na medida, que tenha mostrado um tamanho maior. Mas ele nasceu com peso e o comprimento acima da média e perímetro cefálico levemente abaixo da média. Dá para perceber bem a diferença", disse a neuropediatra à BBC Brasil.

A microcefalia, que pode ser causada por problemas genéticos ou infecções que atingem os bebês ainda na gravidez, é uma má-formação que dificulta o desenvolvimento do cérebro.

Por causa disso, a criança pode ter desde problemas cognitivos, passando por deficiências visuais, motoras e auditivas, até sofrer de síndromes mais sérias.

A investigação médica apontou um problema genético como causa da má-formação em Emanuel, que veio acompanhada de paralisia cerebral e da Síndrome de West, um tipo de epilepsia que faz com que ele sofra cerca de 20 convulsões todos os dias.

Caso grave

Especialistas ouvidos pela BBC Brasil afirmam que é difícil fazer prognósticos completamente precisos para crianças com microcefalia. Os casos - e suas consequências - variam muito. Exames de imagem como as tomografias revelam a extensão dos danos que o cérebro do bebê sofreu.

Casos em que a microcefalia tem origem genética, explica Durce Gomes, podem ser mais leves do que aqueles causados por infecções que atingem os bebês ainda na barriga da mãe - como a rubéola, a sífilis, a toxoplasmose e a zika.

Mas a má-formação em Emanuel significou um prejuízo muito grande em todas as áreas do cérebro. Ele não anda, não fala, quase não enxerga e tem dificuldade para engolir. Por isso, precisa que os líquidos que vai consumir sejam misturados com um pó que os torna mais espessos.

"Há alguns tipos de microcefalia genética em que o cérebro não se desenvolve tão bem, mas possui todas as suas camadas. Elas só não estão no tamanho normal. Por isso, as crianças podem se desenvolver mais. No caso dele, o problema já começou na formação das estruturas cerebrais", diz a neuropediatra, que também atende os novos casos de microcefalia em Recife.

"Há muitas novas crianças que têm alterações bem maiores no cérebro e são como ele."

Para a família de Cleciana, que na época vivia em Passira (a 120 km de Recife), a notícia significou uma mudança completa na rotina e o aumento das dificuldades financeiras.

"Quando descobriram a microcefalia e eu saí do hospital, chorei muito. Eu queria meu filho bom. Mas com o passar do tempo, Deus foi dando forças pra a gente se conformar com a situação. Estamos aqui há 5 anos na luta. Não é fácil, são muitas dificuldades", diz a agricultora.

Terapias

Ao confirmar a microcefalia, os médicos recomendam que os bebês comecem a ser estimulados o mais cedo possível, com sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e outras terapias.

Elas ajudam a descobrir quais são as limitações da criança, já que muitas só se revelam com o passar do tempo, na medida em que o cérebro encontra obstáculos ao seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, tentam auxiliar o amadurecimento do cérebro do bebê.

"A cada terapia que era feita, elas descobriam outro problema que ele tinha. A terapeuta ocupacional mostrava brinquedos coloridos e ele não seguia com os olhos, então fizemos o exame e percebemos que ele não enxergava", diz Cleciana.

Para ficar mais próxima dos centros de reabilitação que Emanuel tinha que frequentar, a família vendeu a maior parte dos bens e mudou-se para Recife, mas a rotina exaustiva de tratamentos e os custos com remédios se multiplicaram.

"Chegou um momento em que a gente não tinha dinheiro para nada. Não ficamos piores porque meu sogro nos ajudou financeiramente", diz Cleciana.

"Emanuel ficou doente e a nutricionista falou sobre usar o espessante para que ele pudesse engolir alimentos sem precisar de sonda. Cada lata custava R$ 57 e ele usava 6 latas por mês. Só depois descobri que teria direito a receber espessante pelo Estado, mas ainda tenho que comprar os medicamentos caros."

'Potencial pequeno'

Três anos depois, Cleciana e o marido decidiram voltar para Passira, onde teriam apoio dos pais para cuidar de Emanuel e da filha mais velha do casal. Mas os poucos sinais de melhora do filho, mesmo com a ajuda das terapias, também foi determinante.

"Cerca de um ano depois de começar uma terapia, as médicas davam alta, porque ele não evoluía ou a evolução era muito lenta. E elas precisavam abrir vagas para outras crianças", diz a mãe.

"Ele chegou a fazer ecoterapia, em que andava a cavalo. Ele adorava, mas a médica achou melhor suspender, porque ele poderia cair ao ter uma convulsão."

Segundo Durce Gomes, as crianças microcéfalas podem receber alta dos centros de reabilitação quando atingem objetivos específicos, de acordo com o potencial que elas têm, ou seja, com o quanto a má-formação permite que eles se desenvolvam.

"O potencial dele é pequeno e os centros de reabilitação trabalham com objetivos, que podem ser muito diferentes: andar com o andador, andar sem ajuda ou sustentar a própria cabeça, por exemplo."

A partir daí, as terapias podem não fazer com que a criança evolua, mas são essenciais para melhorar sua qualidade de vida, especialmente em casos graves como o de Emanuel.

Preconceito

De sessão em sessão, Cleciana teve que superar problemas de acessibilidade, falta de recursos dos serviços de saúde e preconceito, que devem atingir também as novas mães de bebês com microcefalia - Pernambuco é o Estado com mais casos suspeitos da má-formação no Brasil, com 1.185.

"A acessibilidade daqui deixa muito a desejar, principalmente em ônibus. Os elevadores estão sempre quebrados, eu passava muito tempo nas paradas esperando um ônibus adaptado que funcionasse e chegava atrasada nas consultas", diz.

"Uma vez fui pegar o ônibus, o motorista desceu para ajudar o cobrador na plataforma (que permite que deficientes físicos subam a bordo), que estava enganchada. Eles perderam um bom tempo. Quando entramos, o cobrador disse: 'Esses deficientes atrapalham a vida da gente'. Aquilo me doeu muito", relata.

Depois de se mudar de volta a Passira, Cleciana passou a depender de carros da prefeitura - que costumam ser disponibilizados para levar pacientes que necessitam de acompanhamento especializado - para ir às sessões de fisioterapia em Recife. Em sua cidade, Emanuel não tem acesso a todos os tratamentos de que precisa.

"A gente vem (para Recife) em vans muitas vezes superlotadas e temos que ficar o dia lá esperando os outros pacientes. Para ele é difícil, ele adoece", diz.

"Agora, a prefeitura diz que os carros estão quebrados e ele está há quase dois meses sem ir para fisioterapia. Percebo que os braços e pernas estão mais atrofiados."

A Secretaria de Saúde de Passira foi procurada pela reportagem para responder sobre o problema, sem sucesso.

Em entrevista à BBC Brasil, o secretário de Saúde de Pernambuco, Iran Costa, reconheceu que o aumento de casos de microcefalia exigirá a adaptação do Estado para atender melhor, em diversas áreas, as crianças e suas famílias.

"O número de obstáculos é infinito. Infelizmente, isso é um retrato de Pernambuco e do Brasil", disse.

Segundo ele, o Estado já conta com cinco centros especializados no acompanhamento das crianças e trabalha para que 19 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) no interior e na capital possam oferecer fisioterapia e fonoaudiologia.

A secretaria de Transportes, diz Costa, também faz parte de um comitê do governo para lidar com a crise e discute medidas para melhorar o acesso das famílias aos centros. "Essas crianças vão ter que ter uma certa prioridade pela gravidade da sua situação", afirmou.

Pequenas vitórias

Diante dos problemas, Cleciana e sua família encontram estímulo ao observar os pequenos progressos de Emanuel no dia a dia e seu carinho com a irmã, Emanuelle, de 10 anos. "Eles são muito unidos. Ela diz que quer ser médica para cuidar dele e sabe explicar para as pessoas o que ele tem."

Através da audição, o menino reconhece a presença dos familiares e demonstra através de gestos a alegria em estar perto deles.

"Cada coisa que ele faz é uma alegria pra a gente. Para uma criança normal pode não ser assim, mas para nós cada movimento que ele consegue fazer, por mais simples que seja, é uma vitória."

"Quando a gente tem uma criança dessas, tem que ter muito amor porque os obstáculos virão dia após dia. O segredo é não desistir", afirma.