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'Não sou mais a mesma pessoa', diz paciente que sofre há quase 2 anos com efeitos da chikungunya

Conheças as diferenças entre zika, dengue e chikungunya - Arte UOL
Conheças as diferenças entre zika, dengue e chikungunya Imagem: Arte UOL

Camilla Costa

Da BBC Brasil, em São Paulo

07/06/2016 16h54

Pesquisadores em Pernambuco e na Bahia alertam que a febre chikungunya, que chegou no Brasil pelo Nordeste e se espalha pelo país, deixa um rastro de pacientes com dores crônicas por meses ou anos. Também transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, a doença atinge mais pessoas do que a zika e a dengue, segundo o pesquisador Carlos Brito, da Universidade Federal de Pernambuco.

A assistente social baiana Conceição Carneiro, de 40 anos, sofre há quase dois anos com os sintomas crônicos de chikungunya. Ela vive em Feira de Santana, cidade que recebeu o vírus e registrou a primeira epidemia da doença no país.

Confira seu depoimento à BBC Brasil:

"Peguei chikungunya em setembro de 2014, quando a epidemia começou em Feira de Santana. Tive febre, dores no corpo e fiquei uma semana afastada com o mal estar. Na época, não fiz o exame sorológico. Me recuperei, mas continuei tendo inchaço no corpo, principalmente as pernas, com frequência. Fiz diversos exames com especialistas, porque não imaginei que fosse da chikungunya.

Em setembro de 2015, eu passei a sentir dores muito fortes. Já não conseguia escrever, não conseguia sentar, nem andar, nem ir ao banheiro. Parecia que meu corpo estava paralisado pela dor. Fiquei internada por dois dias e a sorologia identificou o vírus.

Desde então, eu não tenho mais vida social. Às vezes sento e não consigo me levantar. Tem dias em que não consigo ir ao trabalho. Não calço mais salto alto, não abaixo mais para pegar nada no chão. Acordo à noite sentindo dores, dormência nas mãos, câimbra nas pernas, não durmo bem.

Eu perdi todas as roupas porque ganhei cerca de 18 quilos. Não consigo fazer atividades físicas. Já tentei pilates, hidroginástica, caminhada, mas não aguento, porque os nervos estão inflamados. A medicação que tomo é forte e eu não vejo muito resultado. A médica me disse que tenho que tomar por tempo indeterminado, porque não sabemos quando ficarei bem.

Não consigo mais ir a festas porque não aguento ficar em pé nem sentada por muito tempo. Só a gente não poder se arrumar como quer já mexe com a autoestima. Não uso mais anéis, porque os dedos começam a inchar.

Antes eu morava sozinha e era independente, mas hoje moro com minha sobrinha porque não consigo fazer muita coisa. Não consigo pegar uma garrafa térmica para colocar o café na xícara. Minhas mãos não a sustentam.

Pedi auxílio-doença no INSS em outubro, com os relatórios das médicas. Mas foi no período em que os peritos estavam em greve. Então eu fiquei sem receber meu salário nem o auxílio durante três meses. Passei dificuldade financeira, foi minha família que me deu suporte. Em janeiro eu tive que voltar ao trabalho, mesmo sem condições.

A sensação que a gente tem é de ser um robô, uma múmia, o corcunda de Notre Dame. Por pouco não fiquei deprimida. Tomei antidepressivos por quatro meses porque as médicas perceberam alterações no meu humor.

Tem dias em que você acorda mais animada, mas aí vem aquela sensação de desgaste físico como se você tivesse corrido uma maratona. Não sou mais a mesma pessoa. Ando pelas ruas me segurando nas paredes."

Entenda a chikungunya:

O Aedes aegypti é o vetor transmissor dos vírus da dengue, zika e chikungunya - Patrice Coppee/AFP - Patrice Coppee/AFP
O Aedes aegypti é o vetor transmissor dos vírus da dengue, zika e chikungunya
Imagem: Patrice Coppee/AFP
 Ao contrário do que ocorre com a zika, ainda não há evidências de que o vírus da chikungunya seja transmitido da mãe para os bebês durante a gravidez, segundo o Ministério da Saúde. No entanto, a doença tem suas próprias peculiaridades.

Em seus primeiros dez dias, os sintomas costumam ser febres, fortes dores e inchaço nas articulações dos pés e das mãos. Em alguns casos, ocorrem também manchas vermelhas no corpo.

Mas mesmo com o fim da viremia - período em que o vírus circula no sangue - a dor e o inchaço causados pela doença podem retornar ou permanecer durante cerca de três meses. Em cerca de 40% dos casos, eles tornam-se crônicos e podem permanecer por anos.

"A intensidade do sofrimento dos pacientes para mim foi uma surpresa, mesmo que a literatura já falasse disso", diz Carlos Brito, da UFPE.

Em casos crônicos, os pacientes podem sofrer de insônia, dormência nos membros, câimbras e dificuldades de caminhar. A doença pode causar inflamação nos nervos ou iniciar doenças reumatoides, como a artrite.

Além disso, também pode desestabilizar doenças cardíacas, problemas renais e diabetes. Nos casos mais graves, pode causar a síndrome de Guillain-Barré e outros problemas neurológicos graves, do mesmo modo que a zika.

"Tenho pacientes que estão doentes há quase dois anos. E mais de metade deles têm um grau de depressão ou alteração de humor. Imagine conviver com uma dor intensa e prolongada que você não sabe quando vai acabar", disse à BBC Brasil a infectologista Melissa Falcão, da Vigilância Epidemiológica de Feira de Santana.

A doença atinge adultos e idosos com mais força. Em crianças, as manifestações costumam ser mais leves.