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Viciado em ópio aos 9 anos de idade

"Tive uma dor de dente e a minha tia me mandou fumar", conta menino afegão (à dir) de nove anos à BBC - BBC
'Tive uma dor de dente e a minha tia me mandou fumar', conta menino afegão (à dir) de nove anos à BBC Imagem: BBC

17/11/2017 10h13

Em meio a um aumento recorde na produção de opiáceos no Afeganistão, o país vê o vício em ópio e heroína avançar até mesmo entre crianças que entram em contato com a droga dentro de suas próprias casas.

"Vivia com a minha tia, que era viciada em drogas", conta à BBC um menino afegão de nove anos que inala ópio há três meses. "Certo dia, eu tive uma dor de dente e ela me disse: 'Fume isto que você vai se sentir melhor'. Depois disso, eu me viciei. Meus pais também."

Hoje, o menino está sendo tratado em um centro de reabilitação de heroína e ópio em Cabul, onde cresce a procura para o tratamento médico e psicológico para pacientes infantis. Estima-se que haja hoje 100 mil menores de idade usuários de drogas no país, de 34 milhões de habitantes.

O tratamento inclui as mães, que muitas vezes também são dependentes químicas.

"Sou muito grato ao centro, que nos dá comida e atendimento", diz o menino.

Recaídas

No entanto, a retomada do vício costuma ser frequente assim que as crianças deixam o centro.

"Quando elas saem daqui, voltam para suas casas, justamente onde o vício começou", diz à BBC a médica Farima Nikhat, representante do centro. "Muitas vezes, elas têm recaídas e precisam voltar para cá. Algumas voltam três ou quatro vezes."

De governo ainda frágil, o Afeganistão é o maior produtor global de papoula, matéria-prima da heroína e do ópio, cuja fabricação bateu recordes em 2017, segundo a ONU.

Apesar de medidas oficiais para erradicar o cultivo, ele tem aumentado, principalmente, em áreas de insurgência talebã. Quando o grupo extremista dominava o país, antes da invasão americana de 2001, o cultivo da papoula caminhava para a erradicação. A pressão internacional era grande e a promessa era de ajuda a agricultores prejudicados pelas medidas.

A invasão do país pelos Estados Unidos não diminuiu o problema do ópio, pelo contrário. A produção registrada em 2017 é quase o triplo da contabilizada em 2000, ano que antecedeu o início da operação americana na região, iniciada após os ataques de 11 de setembro de 2001.

Antes da invasão americana no Afeganistão, em 2001, o Talebã, que controlava o país, vinha cumprindo a promessa de tentar erradicar as plantações de papoula. Chegou a ameaçar liberar o cultivo se fosse atacado.

Acusado pelos EUA de dar abrigo a Osama Bin Laden e à Al-Qaeda, o Afeganistão do Talebã foi alvo de uma guerra que tirou do poder os religiosos sunitas responsáveis não apenas por limitar a expansão da papoula, mas também por uma campanha violenta de implantação da sharia (a lei islâmica) no país. Meninas com mais de 10 anos, por exemplo, não podiam frequentar a escola.

Nos últimos anos, no entanto, o ressurgimento gradual do Talebã tem sido associado ao uso do comércio da papoula para financiar suas atividades militares, tanto no Afeganistão quanto no Paquistão, país vizinho para onde parte do grupo migrou.

Relatório recém-publicado aponta que a produção de ópio aumentou 87% em relação ao ano passado, totalizando 9 mil toneladas - avaliadas em US$ 1,4 bilhão.

"(Isso) cria desafios múltiplos ao país, a seus vizinhos e aos muitos outros países que são entrepostos ou destinos dos opiáceos afegãos", afirma o relatório.

Hoje, de acordo com a ONU, poucas são as províncias afegãs onde não há cultivo de papoula.

O resultado disso é, não apenas uma oferta de heroína barata ao redor do mundo, como também uma tragédia interna com o aumento da dependência entre afegãos como o menino de apenas 9 anos entrevistado pela BBC.