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A vítima de febre amarela que foi diagnosticada com sinusite, infecção urinária e enxaqueca

Técnico em refrigeração que morreu com febre amarela dizia que doença só afetaria macacos - Arquivo pessoal
Técnico em refrigeração que morreu com febre amarela dizia que doença só afetaria macacos Imagem: Arquivo pessoal

Felipe Souza - Da BBC Brasil em São Paulo

Da BBC Brasil, em São Paulo

16/01/2018 17h26

Na véspera do último Natal, o técnico em refrigeração Anderson Lopes Oliveira dos Santos, de 31 anos, se lembrou de que não tinha tomado a vacina contra a febre amarela ao passar em frente a um posto de saúde fechado. Diante da preocupação e insistência de sua mulher, a atendente Maria Dolores Faria Moraes, de 26 anos, ele buscou tranquilizá-la.

"Isso aí não pega, não. Se fosse tão sério assim, tava matando gente. Mas só aparece macaco morto. Só mata macaco, Maria", disse Santos, segundo as lembranças de sua mulher. A doença o matou apenas 15 dias mais tarde.

O técnico em refrigeração morava em Mairiporã, cidade que, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, concentra a maior parte dos casos de febre amarela silvestre do Estado. Apenas nos 16 primeiros dias de 2018, já foram registrados 16 casos de febre amarela no Estado, que resultaram em 11 mortes.

Na casa dele, tanto Maria quanto os dois filhos do casal, Beatriz, de 8 anos, e Gabriel, de 6, já estavam imunizados. Só faltava o próprio Anderson Santos - que deixara a vacina para janeiro.

A família organizou uma festa de Ano-novo em casa, mas já no primeiro dia do ano, Santos se sentiu mal. Dores de cabeça, no corpo e febre o levaram ao Hospital Municipal Nossa Senhora do Desterro, no centro de Mairiporã. Em uma consulta rápida, foi diagnosticado com sinusite.

Segundo sua mulher, Santos discordou do médico. "Meu nariz não está escorrendo e eu não estou espirrando. Acho que o médico é louco", teria dito. Voltou para casa com uma receita de anti-inflamatório e descongestionante nasal.

Nos dias 2 e 3, Santos voltou ao mesmo hospital. Ele piorara: as dores estavam mais fortes e agora se concentravam nas articulações e o técnico passara a ter vômitos e incômodo para urinar. Santos também apresentava visão turva, além da sensação de ter areia nos olhos. O novo diagnóstico foi de infecção urinária.

"Bateu um desespero. A dor nos ossos dos dedos dele era tão insuportável que não podia nem encostar. Como aquilo poderia ser só infecção urinária?", contou a mulher de Santos em entrevista à BBC Brasil. Ainda assim, Santos foi mandado para casa.

No dia 4, ele deu entrada mais uma vez no hospital e, dessa vez, ouviu que sofria de enxaqueca. Apenas na madrugada do dia 5, com sintomas avançados, os médicos o diagnosticaram com febre amarela e, horas mais tarde, o transferiram para um hospital estadual no município vizinho, Franco da Rocha, onde ele foi internado.

A partir daí, a doença se agravou rapidamente. Santos teve rins e fígado comprometidos. Passou a fazer hemodiálise e a ter problemas no sistema neurológico. Não sabia mais onde estava, apresentava pensamento confuso e não mexia mais os olhos. Respondia às perguntas apenas por meio de movimentos com o braço.

No terceiro dia de internação, um exame de sangue confirmou que o paciente estava com febre amarela. Já era tarde demais. Santos passou a ter hemorragia pelos ouvidos, boca e nariz. Entrou em coma na noite do dia 8 e morreu às 9h15 do dia 9.

Nesta terça-feira, sete dias depois da morte, a mulher de Santos conversava com a reportagem da BBC Brasil na oficina do marido, onde trabalhava como atendente. Ela está esvaziando o local porque o único funcionário era Santos.

"Essa oficina era o sonho dele, mas eu não tenho condições de continuar sozinha. Eu vou fechar e pedir ajuda para conseguir um serviço".

Em entrevista à GloboNews, o coordenador de Controle de Doenças da Secretaria de Saúde de São Paulo, o infectologista Marcos Boulos, disse que uma possível explicação para o alto número de mortes em 2018 está justamente na demora para fazer o diagnóstico de febre amarela.

"O quadro clínico é muito parecido com outras doenças, como dengue. É necessário fazer exames de fígado para identificar alterações repentinas e encaminhar o paciente para um hospital especializado o mais rápido possível", afirmou o infectologista.

Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde de Mairiporã afirmou que não fornece informações sobre diagnósticos ou condições de saúde de pacientes que tenham passado por alguma de suas unidades de saúde.

Já a Secretaria Estadual de Saúde afirmou que Santos já chegou à rede hospitalar do Estado com o diagnóstico de febre amarela e foi encaminhado imediatamente para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Campanha pró-vacinação

A morte do técnico em refrigeração abalou a família e a vizinhança. Segundo Maria, Santos não viajou nos últimos meses, mas a família vive em uma região de mata em Mairiporã - o mosquito que transmitiu o vírus que dizimou macacos na área foi o mesmo que o vitimou. Não há registros de febre amarela urbana - transmitida entre humanos em cidades - no Brasil desde 1942.

Uma semana depois, Maria diz que sua "ficha ainda não caiu", mas que está preparada para ajudar outras famílias.

"Isso marcou minha vida e me dói muito falar, principalmente quando eu lembro da dor que ele passou e o quanto ele sofreu por essa demora do diagnóstico. Pensar que um mosquito está tirando a vida de muitas pessoas é revoltante", afirmou.

O casal estava junto havia 12 anos. Para lidar com a dor, ela optou por usar sua página no Facebook para encorajar os amigos a tomarem vacinas e a questionarem os médicos diante de sintomas da doença.

"Falta uma campanha ainda maior. É necessário mais agentes de saúde entrando nos bairros mais afastados, vacinando gente e eu estou disposta a ser voluntária e entrar nesses locais. E eu não vou me cansar de falar o que passei no hospital, dar palestra ou o que mais for necessário. Tudo por causa de uma picada. É inaceitável", diz.

Área de risco

A Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar nesta terça-feira a vacinação contra febre amarela para todos os viajantes internacionais que visitem qualquer área do Estado de São Paulo.

A determinação de novas áreas consideradas de risco de transmissão de febre amarela tinha ocorrido em abril de 2017. A recomendação de vacinação já é válida para viajantes internacionais que visitem estados das regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil, Minas Gerais e Maranhão, além de partes dos estados da região Sul, Bahia e Piauí.

A vacinação deve ser feita ao menos dez dias antes da viagem.

O vírus da febre amarela é considerado endêmico em áreas tropicais do continente africano e nas Américas Central e do Sul. A OMS recomenda que seja tomada uma dose padrão da vacina, o que é suficiente para garantir imunidade e proteção para toda a vida.

O Brasil terá, entre fevereiro e março, uma campanha de vacinação, porém com doses fracionadas. O objetivo do fracionamento é conseguir atender a um número maior de pessoas.

O efeito da dose menor, entretanto, é mais efêmero e tem um período de eficácia variável. Ainda faltam estudos que possam precisar em definitivo o tempo da proteção garantida, se cinco, oito, dez ou mais anos. De acordo com o Instituto Bio-Manguinhos, da Fiocruz, que produz a vacina no Brasil, a dose fracionada pode proteger as pessoas por até oito anos.

A vacina de dose padrão confere imunidade eficaz dentro de 30 dias para 99% das pessoas imunizadas.

Febre Amarela

O nome "febre amarela" se refere ao sintoma da icterícia, quando a pele adquire coloração amarelada, apresentada por alguns pacientes da doença, como Santos.

O vírus é transmitido por mosquitos infectados e causa febre hemorrágica. Os sintomas incluem dor de cabeça, dores musculares, náusea, vômitos e fadiga.

Uma pequena parte das vítimas chega a desenvolver sintomas graves, com insuficiência hepática e renal, que podem levar à morte. Entre os casos severos, aproximadamente metade deles resulta em morte num período de sete a 10 dias.

Os viajantes com contra-indicações para a vacina contra a febre amarela (gestantes, crianças abaixo de 9 meses ou lactentes, pessoas com hipersensibilidade grave à proteína do ovo e imunodeficiência grave) ou com mais de 60 anos devem consultar um médico para avaliar cuidadosamente a relação risco-benefício.