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Coronavírus: como a quarentena foi usada para combater doenças ao longo da história

Mulheres cuidando das feridas dos afetados pela peste, em uma pintura de Jacopo Robusti, 1549 - Getty Images
Mulheres cuidando das feridas dos afetados pela peste, em uma pintura de Jacopo Robusti, 1549 Imagem: Getty Images

By Sophie Williams

BBC News

03/02/2020 06h14

Na província chinesa de Hubei, mais de uma dúzia de cidades estão isoladas do mundo, na esperança de prevenir novos casos de coronavírus. E países ocidentais também estão colocando as pessoas que retornam de Wuhan, a cidade no centro do surto, em isolamento forçado por até duas semanas.

No domingo, o governo brasileiro anunciou que trará de volta os brasileiros que estão em Wuhan e os colocará em quarentena. Mais cedo, a BBC News Brasil havia revelado que um grupo de brasileiros na China fez um apelo ao governo de Jair Bolsonaro para a retirada de cidadãos do país afetado pelo surto do coronavírus.

A quarentena é um recurso usado há muito tempo para evitar que doenças se espalhem. Geralmente implica manter um grupo de pessoas separado e isolado do público em geral.

O termo em si faz referência ao primeiro exemplo conhecido do método de isolamento.

Quando a peste negra se espalhou pela Europa durante o século 14, Veneza aplicou uma regra em que navios tinham que ancorar por 40 dias antes que a tripulação e passageiros pudessem desembarcar. O período de espera foi denominado "quarantino", que deriva da palavra em italiano para o número 40.

Não está claro de onde surgiu exatamente o conceito dos 40 dias, explica Mark Harrison, professor de história da medicina na Universidade de Oxford. Uma possibilidade é que tenha sido uma referência bíblica — a ideia de passar 40 dias e 40 noites no deserto como Jesus teria feito.

Com o tempo, a duração da quarentena foi encolhida, mas o isolamento continua sendo chave para limitar surtos de doença ao redor do globo.

No Reino Unido, um dos exemplos mais famosos é o da aldeia inglesa de Eyam, que se colocou de quarentena durante a peste bubônica. Entre setembro e dezembro de 1665, 42 moradores do vilarejo morreram. Em junho de 1666, o recém-nomeado pároco da aldeia, Willliam Mompesson, decidiu que a vila deveria ser colocada em quarentena.

Com apoio do Earl de Devonshire, um nobre que morava nos arredores que havia oferecido enviar comida e suprimentos se eles concordassem com a medida de isolamento, Mompesson convenceu os moradores a acatar a quarentena.

O pároco disse aos moradores que faria todo o possível para aliviar seu sofrimento e continuar com eles. Em agosto daquele ano, a vila testemunhou um recorde de seis mortes por dia — mas quase ninguém quebrou o isolamento. Com o tempo, o número de casos caiu e, em novembro, a doença havia desaparecido. O isolamento funcionara.

O vilarejo de Eyam, que aplicou sua própria quarentena para proteger outros vilarejos da peste - Getty Images - Getty Images
O vilarejo de Eyam, que aplicou sua própria quarentena para proteger outros vilarejos da peste
Imagem: Getty Images

Hoje em dia, as quarentenas são impostas, em geral, por governos ou instituições de saúde.

"Quando medidas de quarentena são introduzidas, elas não são apenas baseadas em cálculos médicos sobre se serão ou não eficientes para parar ou reduzir o avanço de uma doença infecciosa", explica Harrison. "Você toma medidas como quarentena para atender a expectativas de outros governos, e também para tranquilizar sua própria população."

Em San Francisco, em 1900, imigrantes chineses foram colocados em quarentena depois que um homem chinês foi encontrado morto em um hotel. Foi confirmado mais tarde que ele havia morrido em razão da peste. Preocupados, policiais cercaram — com cordas e arame farpado — uma área de Chinatown. Os moradores não podiam entrar ou sair, e apenas a polícia e oficiais de saúde podiam ultrapassar aquela barreira.

Durante a Primeira Guerra Mundial, cerca de 30 mil trabalhadoras do sexo foram colocadas em quarentena em meio a um temor sobre o aumento de doenças sexualmente transmissíveis. Elas puderam sair depois que foi confirmado que não tinham mais DSTs.

Harrison diz que a epidemia de Sars em 2002 e 2003 começou uma nova era no controle de doenças.

Durante aquele surto, pessoas que haviam sido expostas ao vírus eram colocadas em quarentena. O governo chinês ameaçou executar ou prender qualquer um que fosse encontrado violando as regras da quarentena e espalhando o contágio.

A doença reforçou lições a respeito da importância de trabalhar em conjunto com outros países durante uma crise de saúde pública. Quando a síndrome se espalhou da China para Toronto, no Canadá, 44 pessoas morreram e centenas mais foram infectadas.

Cerca de 7 mil pessoas no Canadá foram colocadas em isolamento para conter o avanço da Sars.

Homem e mulher separados por um vidro no aeroporto de Hanoi depois de voltar da China durante a epidemia de Sars - Getty Images - Getty Images
Homem e mulher separados por um vidro no aeroporto de Hanoi depois de voltar da China durante a epidemia de Sars
Imagem: Getty Images

"Durante o surto em 2003, quando começou a se espalhar para outros países, quarentenas de vários tipos foram usadas extensivamente. Essas medidas de contenção foram ligadas ao sucesso de se ter conseguido evitar que a situação pandêmica fosse pior", diz.

"Uma das lições que as pessoas tiraram disso foi a eficácia dos métodos de saúde pública antigos."

Enquanto a China responde ao coronavírus usando o tradicional método, foi elogiada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por tomar "medidas extraordinárias para responder a um desafio extraordinário".

E nos outros países?

No Brasil, o ministério das Relações Exteriores informou no fim da tarde deste domingo (2) que os brasileiros que serão trazidos de Wuhan deverão ser submetidos a quarentena, de acordo com procedimentos internacionais, sob a orientação do Ministério da Saúde. Os detalhes da operação, que está sendo planejada, serão informados posteriormente.

Já o governo da Austrália defendeu esta semana sua decisão de usar um centro de detenção a milhares de quilômetros do continente como local de quarentena para os australianos retirados de Wuhan, o epicentro do surto de coronavírus na China, como parte de uma operação conjunta com a Nova Zelândia. Os isolados ficarão na Ilha Christmas, a 2,6 mil km do continente da Austrália, por duas semanas. A medida foi criticada por médicos e pelos próprios evacuados, em sua maioria chineses australianos, que disseram estar recebendo tratamento diferente do dado a australianos brancos.

Governo da Austrália defendeu esta semana sua decisão de usar um centro de detenção a milhares de quilômetros do continente - EPA - EPA
Governo da Austrália defendeu esta semana sua decisão de usar um centro de detenção a milhares de quilômetros do continente
Imagem: EPA

"Não posso evacuar um hospital em Sydney, Melbourne ou Brisbane", disse ministro do Interior, Peter Dutton.

No Reino Unido, duzentos cidadãos britânicos estão sendo trazidos de Wuhan para casa, onde ficarão em quarentena por 14 dias. Os britânicos em quarentena ficarão isolados em um prédio separado do Hospital Arrowe Park, em Wirral.

Nos EUA, os cidadãos americanos que estavam em Wuhan serão colocados em quarentena obrigatória no Estado da Califórnia, informou os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

No domingo, uma aeronave A380 com 258 passageiros a bordo vindos de Wuhan, entre eles 65 franceses e pessoas de outras 29 nacionalidades, aterrissou na base militar de Istres, no sudeste da França, de acordo com a Agência France Presse. Quase metade deles permanecerá em quarentena na França — desses, 41 ficarão em um resort de Carry-le-Rouet e outros 84 passarão o período de isolamento em uma escola de bombeiros em Aix-en-Provence.

Nenhum dos passageiros deste voo mostrou sinais de ter sido afetado pela doença, segundo o secretário de Estado da Saúde, Adrian Taquet.