Especialistas chamam a atenção para os cuidados com a 'ortorexia'
Que tal um suco de tomate? Só se for orgânico, cultivado sem pesticidas. À primeira vista a intenção é boa, mas até mesmo uma alimentação saudável pode esbarrar em desvios patológicos quando levada ao extremo. Gastar muito tempo ou dinheiro em busca de alimentos considerados naturais e banir os restaurantes dos planos de lazer seriam alguns sinais de um quadro psiquiátrico que o médico norte-americano Steven Bratman chamou de "ortorexia". A hipótese de Bratman está lançada no livro "Health food Junkie" (Viciados em comida saudável), mas o termo ortorexia ainda não é usado cientificamente pelos médicos.
Até mesmo uma alimentação saudável pode esbarrar em desvios patológicos quando levada ao extremo |
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"Quadros subclínicos como a "ortorexia" integram uma categoria que chamamos de desvios do comer desordenado. Há uma falsa ideia de que existem só dois grupos: as pessoas normais e as que têm transtorno alimentar. Entre esses extremos há um leque de comportamentos inadequados", analisa a pesquisadora Marle Alvarenga, pós-doutora em nutrição humana e coordenadora Grupo de Estudos em Nutrição e Transtornos Alimentares (Genta).
Na avaliação de Marle, a obsessão pela comida natural se difere da anorexia por visar a saúde e não a perda de peso. "Quem tem uma visão ortoréxica da alimentação viaja quilômetros para comprar alface, por exemplo. É uma pessoa que não se contenta em priorizar arroz integral: ele jamais come o tipo branco porque acha que aquilo é impuro, que o ato é quase imoral. São pessoas inflexíveis, que se sentem superiores a quem se alimenta normalmente."
A profissional diz que o quadro é mais comum em mulheres, sobretudo porque a ortorexia mantém estreita ligação com os transtornos alimentares tradicionais. "A maioria das bulímicas e anoréxicas tem uma visão ortoréxica sobre a alimentação saudável. Nos homens, a questão da ortorexia aparece vinculada ao estilo esportista. Alguns vivem praticamente de "ração": é shake no café, cereal no lanche e um arroz integral com frango que eles chamam de carboidrato e proteína. A cultura atual até favorece a situação, de modo que a pessoa nem desconfia de que tem um problema", critica.
Isolamento social
Para a diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), Maria del Rosário de Alonso, o isolamento social é uma consequência do comportamento ortoréxico. "Se a pessoa prefere ficar em casa a comer uma pizza com a namorada, é preocupante. Esse quadro se apresenta de forma simpática no começo, até evoluir para uma obsessão que conduz a situações de desnutrição grave e deficiências de nutrientes", detalha.
Doutor em psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (Ambulim) do Hospital das Clínicas (HC), Táki Cordás acredita que a ortorexia é um sintoma de transtornos alimentares maiores e não um quadro específico. "É um sintoma que pode levar à anorexia e bulimia. Na verdade, essa preocupação com o saudável funciona como um álibi, uma justificativa, para que a pessoa comece a restringir os alimentos sem culpa", opina.
AE