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Em SP, 58 mil casos de dengue estão fora das estatísticas

Fabiana Cambricoli e Paula Felix

17/03/2016 09h12

Falhas no sistema federal de notificação de dengue e a demora na atualização dos registros no sistema estadual de São Paulo deixaram de fora das estatísticas oficiais do Estado pelo menos 58,2 mil casos confirmados da doença desde janeiro do ano passado. A grande maioria dos dados não contabilizados é do município de São Paulo.

As divergências, referentes a 11 das 20 cidades paulistas com mais casos de dengue em 2015, foram verificadas pela reportagem na comparação dos dados catalogados pelos municípios com os registrados pela Secretaria Estadual da Saúde.

A reportagem solicitou das prefeituras os casos autóctones (contraídos na cidade) do ano de 2015 e do primeiro bimestre de 2016 e confrontou com os dados publicados no site do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), da Secretaria Estadual, que contabiliza um total de 678.211 casos no período em todo o Estado.

A maior diferença foi encontrada na cidade de São Paulo, que confirmou 100.431 casos em 2015, dos quais apenas 45.359 estão registrados pela pasta estadual. Neste ano, a capital registrou 1.983 casos, mas o CVE aponta apenas 67.

Em Limeira, o levantamento municipal de 2015 dá conta de 20.482 registros, mas o estadual tem 1.169 casos a menos. Neste ano, o município informou que registrou 43 casos e constam 34 no Centro de Vigilância Epidemiológica.

As incompatibilidades no balanço de 2015 também apareceram em Rio Claro, Hortolândia, Guarulhos e Bebedouro. Mas há ainda situações contrárias, caso de São José do Rio Preto, cuja prefeitura reporta menos registros de dengue do que o balanço anual do Estado para a cidade: são 21.653 registros do município e constam 22.012 na tabela estadual. As outras cidades que apresentaram números maiores nos cadastros do Estado foram Bauru, Campinas e Caraguatatuba. Os dados estaduais e municipais são iguais somente em São José dos Campos.

Nos dois primeiros meses deste ano, há mais casos registrados nos municípios do que no CVE em dez das 11 cidades que fizeram parte do levantamento da reportagem. Apenas uma teve a situação inversa.

Questionada sobre as divergências, a Secretaria Estadual da Saúde informou que os boletins do CVE "refletem a cópia fiel dos registros feitos pelas secretarias municipais no Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação, plataforma online do Ministério da Saúde que recebe as notificações de doenças) nas datas em que foram publicados" e que as prefeituras deveriam ser consultadas sobre as diferenças.

Ao serem procurados, pelo menos quatro municípios - São Paulo, Bauru, Rio Claro e Caraguatatuba - apontaram que instabilidades no funcionamento do Sinan têm impedido a atualização dos dados e podem estar causando as disparidades nas estatísticas. As demais prefeituras dizem que as divergências possivelmente estão acontecendo porque os municípios têm até três meses para informar os dados ao CVE, que, por sua vez, não atualiza as informações em tempo real.

Problema. Epidemiologista da área de doenças transmissíveis e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Eduardo Massad diz que a diferença pode interferir no planejamento de ações e políticas públicas.

"Vejo um problema muito sério. Na tomada de decisões para resolver o problema, (essa diferença) é fatal para qualquer planejamento. Não se consegue fazer nenhuma ação sem uma base de informações confiável", explica o especialista.

Massad diz que, apesar das falhas, o Sinan ainda é o principal sistema de registro de doenças de notificação compulsória no País. "Apesar de todos os problemas, temos o Sinan, que é um banco de dados 80% confiável e aproveitável. Temos de trabalhar para aperfeiçoá-lo."