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"Insensato Coração" deixa fãs de gatos revoltados com cena sobre toxoplasmose

Tatiana Pronin

Editora do UOL Ciência e Saúde

08/04/2011 07h00

Donos e apreciadores de gatos ficaram em polvorosa nos últimos dias, depois que a novela “Insensato Coração” veiculou uma cena em que um bichano de procedência desconhecida é encontrado no capô do carro da personagem Carol (interpretada por Camila Pitanga), que está grávida. “Eu não posso nem chegar perto (...) corro risco de pegar toxoplasmose”, exclama a personagem, pedindo para a amiga tirar o animal do automóvel.

A declaração levou muita gente a protestar (experimente fazer uma busca com os termos “Insensato Coração" e "toxoplasmose” na internet), e até enviar mensagens à Rede Globo, argumentando que a novela transmitiu conceitos equivocados e só contribuiu para aumentar o preconceito infundado contra gatos.

Ao UOL Ciência e Saúde, a assessoria de imprensa da emissora alegou que “novelas são obras de ficção - como tal, sem compromisso com a realidade e inseridas na categoria entretenimento -, que desempenham o papel justamente de suscitar o interesse, a curiosidade e a reflexão sobre temas da atualidade”. Para a Globo, cabe a outros programas da grade transmitir informações sobre saúde.

Já os médicos consultados pela estação informam que o risco de se contrair a doença apenas ao manipular um gato existe, mas é mínimo. Se o animal for de rua, o risco é um pouco maior. Evitar o contato com fezes e urina do bicho e, principalmente, evitar carne crua ou mal passada e lavar bem os vegetais – estas, sim, são recomendações importantes para as gestantes.

Por que 'doença do gato'?

Causada por um protozoário, o Toxoplasma gondii (que pode infectar humanos, bois, ratos, aves e outros animais), a toxoplasmose virou sinônimo de “doença do gato” porque é nos felinos que o parasita completa seu ciclo de reprodução.

Em resumo: o gato morde algum bicho infectado, o protozoário se reproduz no intestino do animal e seus excrementos levam o parasita de volta ao ambiente. Uma pessoa pode tocar, sem querer, algo que tenha sido atingido pelas necessidades do gato, levar a mão à boca e, pronto, a contaminação ocorre.

Ser infectado pelo protozoário não é sinônimo de ficar doente. Já quando a enfermidade se manifesta, os sintomas são parecidos aos da gripe (incluem febre, mal-estar, gânglios inchados e, às vezes, alterações visuais), ou seja: muita gente já teve toxoplasmose e nem ficou sabendo.

Risco na gravidez

Em pessoas com a imunidade comprometida, como por exemplo doentes de Aids, as consequências da doença podem ser bem mais graves - a toxoplasmose pode afetar o cérebro e até levar à morte. O mesmo pode ocorrer com os fetos que contraem a doença pela mãe: há risco de lesões e o bebê pode nascer com retardo mental e cegueira, entre outros problemas graves.

O ginecologista e obstetra Eduardo Cordioli, que preside a comissão de urgências da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), afirma que cerca de 60% das brasileiras já tiveram algum contato com o protozoário. Isso significa que elas não correm risco de adoecer em uma eventual gestação.

Mas as outras 40% que nunca foram contaminadas devem tomar cuidado para não contrair a doença justamente quando estiverem esperando um bebê, o que ocorre em cerca de 1% dos casos. “Nem sempre a mãe que contrai o protozoário desenvolve toxoplasmose e nem sempre a doença passa para o feto”, esclarece Cordioli. Mas todo cuidado é pouco.

Em caso de contaminação, é preciso examinar o líquido amniótico para saber se o feto foi atingido e administrar um ou mais remédios para impedir a replicação do protozoário. Assim, é possível reduzir o risco de o bebê nascer com problemas em aproximadamente 50%.

Como o diagnóstico rápido e o tratamento adequado podem evitar complicações, os obstetras devem pedir a sorologia de toxoplasmose (obtido por exame de sangue) logo no início da gravidez. Se o resultado indicar que a mulher já teve a doença, médico e paciente podem ficar tranquilos. Se a gestante tiver acabado de contraí-la, deve ser tratada imediatamente. E se ela não tiver entrado em contato com o protozoário ainda, deve ser orientada sobre medidas preventivas e repetir o exame no segundo e no terceiro trimestre.

Prevenção

Evitar carnes, cruas ou mal passadas, bem como lavar corretamente os vegetais, é uma preocupação que toda grávida deve ter (e não apenas por causa da toxoplasmose, mas também por uma série de outras doenças). Peixes e ovos crus também podem transmitir micro-organismos perigosos para as gestantes. Usar luvar ao praticar jardinagem é outra recomendação dos obstetras para evitar contaminação.

Para Cordioli, mandar a paciente evitar contato com todo e qualquer gato é exagero. “O bicho que só fica em casa e não come carne crua não oferece perigo”, garante. Ele só sugere que outra pessoa fique com a tarefa de limpar as fezes do animal e, se isso não for possível, que a gestante use luva e lave as mãos logo em seguida.

Outro conselho para grávidas que têm filho é evitar que a criança brinque em bancos de areia, o “banheiro” preferido dos gatos. Se ele não tiver resistido, deve tomar um bom banho antes de ir para o colo da mãe.

Sem neurose

O medo de tocar em gatos também não faz sentido para o infectologista Paulo Olzon, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “É bem mais comum pegar a doença pela ingestão de carne crua ou mal passada”, diz.

Olzon parte do princípio de que é impossível viver em uma bolha, por isso não vale a pena se preocupar por ter brincado com o bichano. “A gestante pode contrair uma doença até mais grave do marido, que pega metrô todos os dias”, comenta.

Está claro que os médicos são contra alimentar neuroses na gravidez. Mas eles concordam que, se o gato é do tipo que gosta de caçar uns ratos ou passarinhos no quintal de vez em quando, ele pode ser um transmissor em potencial. E, se o bichano costuma lamber os genitais e depois a sua mão, também pode facilitar o contato com o protozoário. Cabe às gestantes (e a editora do UOL Ciência e Saúde é atualmente uma delas) decidir acariciar, ou não, um gato desconhecido.