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Terapia trabalha com movimento dos olhos para tratar de traumas a medo de avião

O EMDR reprocessa medos, terrores, fobias e ansiedades, vinculados a lembranças difíceis que mantêm suas vítimas presas aos fantasmas do passado - Thinkstock
O EMDR reprocessa medos, terrores, fobias e ansiedades, vinculados a lembranças difíceis que mantêm suas vítimas presas aos fantasmas do passado Imagem: Thinkstock

Rosana Faria de Freitas

Do UOL, em São Paulo

18/09/2012 07h00Atualizada em 05/05/2015 12h33

Abalos resultantes de assaltos, mortes violentas de pessoas próximas, abusos sexuais ou estupros, fobias, desordens de pânico: estas são algumas das aplicações de uma intervenção que poucos conhecem, mas tem se mostrado muito eficiente, o EMDR – Eye Movement Desensitization and Reprocessing, ou Dessensibilização e Reprocessamento por meio dos Movimentos Oculares.

Trata-se de uma forma de psicoterapia que utiliza o movimento dos olhos para curar estes e outros problemas. Para você entender melhor: traumas e lembranças dolorosas são armazenados de forma mal-adaptativa no cérebro. A técnica reprocessa tais lembranças que mantêm a pessoa presa ao passado, integrando informações que se encontram separadas nos dois hemisférios cerebrais. De forma acelerada, o método ‘imita’ o que acontece com as pessoas durante a etapa do sono REM - Rapid Eye Movement, ou Movimento Rápido Ocular, momento em que o cérebro processa a informação e a arquiva ao passado.

“Por alguma razão ainda não completamente compreendida, em determinadas situações o indivíduo não consegue realizar este armazenamento de forma normal e saudável, de onde possivelmente advêm os pesadelos, sobressaltos, pensamentos intrusivos e obsessivos, ataques de pânico e, em exemplos mais graves, o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e suas consequências. Em casos excepcionais, o indivíduo pode desenvolver os Transtornos Dissociativos de Identidade, em geral associados a histórias de abalos crônicos, repetitivos e constantes, especialmente da infância”, destaca  Esly Regina de Carvalho, mestre e doutora em psicologia, treinadora pelo EMDR Institute e pela EMDR Iberoamericana, supervisora de psicodrama pelo American Board of Examiners in Psychodrama and Group Psychotherapy.

“O trauma é mais um transtorno do sono do que da memória. É durante o repouso que normalmente trabalhamos as lembranças do dia. Porém, quando acontece algo muito forte, o indivíduo não consegue processar tudo e parte fica armazenada de maneira disfuncional. Os pesadelos são entendidos como uma tentativa frustrada de digerir a lembrança”, explica Carvalho.

O método foi criado nos Estados Unidos, no final dos anos 1980, pela educadora e psicóloga Francine Shapiro. Ela conta que estava caminhando por um parque em 1987 e se deu conta de que os fatos ruins que vieram à sua cabeça perderam a carga negativa. Quando pensou sobre o que tinha acontecido, se deu conta de que seus olhos tinham se mexido. Aí, começou a fazer experimentos com amigos e parentes, se dedicou a pesquisas com veteranos da guerra do Vietnã e publicou os primeiros estudos em 1989.

“Inicialmente, o sistema foi utilizado para tratar sequelas provocadas por Transtornos de Estresse Pós-Traumático, mas temos ampliado as possibilidades de intervenção (veja tabela abaixo). Além de quadros resultantes de ansiedade generalizada, fobias, síndrome de pânico e depressões, os resultados são promissores com doenças psicossomáticas e aprimoramento de desempenho futuro”, destaca Esly.

  • Inicialmente, o método foi utilizado para tratar sequelas provocadas por Transtornos de Estresse Pós-Traumático

A técnica

O terapeuta imita o sono REM – e, dessa forma, faz a estimulação bilateral do cérebro – pedindo para o paciente seguir seus dedos de um lado para o outro do campo visual, enquanto deve pensar na situação que causa a perturbação. “Seguimos um detalhado protocolo para que isso se desenvolva. O fato de a pessoa acompanhar os dedos dá o arranque para o cérebro reprocessar a lembrança.” 

É possível, ainda, usar outras formas de estímulos bilaterais, a auditiva e a tátil, para alcançar o mesmo resultado. “Durante a sessão, empregamos aparelhos que fazem ‘bip bip’ em cada ouvido; ou, então, tocamos em uma mão e depois na outra, enquanto o indivíduo novamente relembra o passado.”

Tratamento

O tratamento compreende oito fases. Na primeira, o paciente compartilha sua história clínica e o terapeuta identifica os traumas e lembranças dolorosas que serão abordados em futuras sessões. Na segunda, instalam-se recursos positivos - como a visualização de um lugar tranquilo, por exemplo - para ajudar a enfrentar momentos difíceis dentro e fora do consultório.

“Na terceira fase, ‘abre-se’ o arquivo cerebral a ser trabalhado por meio dos resgates de imagem, crenças, emoções e sensações vinculadas ao evento chave em questão. Na quarta, o terapeuta aplica os estímulos bilaterais que darão o arranque ao cérebro para que possa desenvolver o reprocessamento que resultará na dessensibilização da lembrança”, ressalta a psicóloga. Cada sessão leva de uma a duas horas.

Nas etapas seguintes, crenças negativas são substituídas por positivas e é feita uma avaliação dos resultados. “Há protocolos e escalas criados, além de novas abordagens. A comprovação da eficácia é atualmente inegável” – diz ela.

Resignificação do passado

É bom que se diga: não há um tratamento padrão. “Em alguns casos, operamos com questões pontuais – como um acidente ou assalto. Em outros, numa situação mais ampla e difusa, sem causas aparentes, é preciso fazer uma extensa pesquisa clínica para conhecer vínculos afetivos, vivências, passagens difíceis ou dramáticas. E estabelecer, a partir daí, uma ligação com o que a pessoa apresenta no presente como queixa ou sintoma”, explica Silvia Guz, psicóloga especialista em Psicoterapia Corporal pós-Reichiana e Psicoterapia Breve – Abordagem Corporal, presidente da Associação Brasileira de EMDR.

Segundo a terapeuta, o método não muda o que aconteceu, mas o olhar do indivíduo, sua perspectiva para o fato do passado. “E é nessa ressignificação que se encontra a cura e o alívio para o que antes parecia impossível.” Segundo Esly, uma das frases mais comuns de pacientes é “acabou, agora ficou distante, está no passado”.

André Maurício Monteiro, mestre e doutor em Psicologia, docente supervisor em Psicodrama, com estágio pós-doutoral em Arte-terapia no Psychiatrische Dienste Thurgau, na Suíça, observa que não são poucos os indivíduos que perdem a capacidade de diferenciar o ontem do hoje. “A pessoa sabe que aquele sofrimento pertence ao passado, mas sente a força da emoção como se fosse algo muito recente, o que a deixa insegura e apreensiva. Um som, um cheiro, uma imagem, um pensamento – qualquer coisa pode ser suficiente para trazer de volta o imenso desconforto.”