Medula espinhal e ânus serão separados em meninas siamesas de Natal
Equipes de dois centros médicos de São Paulo já foram contatadas e estão analisando a possibilidade de operação das gêmeas siamesas unidas pelo cóccix Ana Clara e Any Vitória, nascidas no dia 12 deste mês, em Natal (RN). O neurocirurgião Angelo Silva Neto, que acompanha o caso desde o sexto mês de gravidez da mãe das meninas, Eucivânia Cunha, 27, explicou que a cirurgia não deve ser apressada, pois precisa de planejamento para que não ofereça riscos às crianças.
As gêmeas são classificadas pelo tipo pigópagos (unidas pelo cóccix). A formação foi descoberta quando Eucivânia estava em sua 11ª semana de gestação, após ultrassonografia.
Silva Neto disse que desde que passou a acompanhar o caso tem pesquisado sobre o assunto, mas não achou publicado qualquer relato de gêmeos ligados pelo cóccix no Brasil, o que pode significar que este é o primeiro caso. “Pode ser que apareça alguém, agora, relatando que lá nos anos 60, 70, por exemplo, viu um caso destes. Mas por enquanto, desconheço”.
“O que achei de literatura foi na Inglaterra, onde 20% dos casos dos siameses são ligados pelo cóccix. E dentro destes casos, há poucos cujas crianças são ligadas pela medula, como é o caso das meninas de Natal, cujos nervos responsáveis pelos movimentos das pernas estão unidos, o que exige mais cuidado porque além de se separar osso e pele, vamos ter que separar a medula espinhal. É preciso saber exatamente onde mexer para que não fiquem sequelas”, explicou.
A cirurgia só pode ocorrer após os oito meses das crianças, período em que elas começam a querer dar os primeiros passos. É também um prazo para que adquiram a resistência necessária em seus organismos para enfrentar o procedimento. ““Elas precisam crescer agora. Até porque é uma cirurgia na qual se perde muito sangue”. Como as meninas compartilham do mesmo ânus, ele também terá que ser separado na cirurgia.
Preparação da mãe
O médico explicou que a preocupação inicial foi preparar a mãe, pedir a ela que aguentasse a pressão. “Quando a mãe nos foi encaminhada, ela estava com seis meses. Sua angústia era saber como tratar. Hoje digo, se essas crianças continuarem unidas, podem ter deformidades ortopédicas. Elas podem não ter capacidade de andar estando coladas”.
Silva Neto ressaltou que achar profissionais para cuidar do caso não será fácil. “Tem médico que às vezes não pega um caso desses porque sabe que vai ter que ficar 15 horas no centro cirúrgico, porque este é o tempo estipulado, de acordo com pesquisas sobre o assunto que estive lendo. Além disso, é preciso ter cirurgião pediátrico, dois anestesiologistas, dois cirurgiões plásticos, equipe de enfermagem. E trata-se de um caso novo para todo mundo. Um caso que precisa ser estudado por todos os envolvidos”.
“Antes da cirurgia, outra dificuldade deve ser a realização de exames. Elas já fizeram tomografia e exame contrastado. O ideal é que elas já saíssem com todos os exames radiológicos daqui, mas não é fácil uma clinica de ressonância receber um caso desses. É uma questão de estrutura. Tudo é novo para todo mundo. Por isso, é preciso planejamento”.
Para o neurocirurgião, o ideal é que as crianças sejam operadas em ambiente universitário. “Em um hospital universitário, há o interesse de cuidar de casos raros. Até porque são casos que geram pesquisas, publicações. Tenho certeza que tudo ocorreria muito bem. Assim que tudo estiver definido, vou fazer o possível para acompanhar o procedimento. Até para dar segurança aos pais”, explicou.
Segundo o estudo Management of pyopagus conjoined twins (Gestão de pigópagos gêmeos siameses), publicado em 2004, um caso a cada 200 mil nascimentos é de gêmeos siameses. O número é menor ainda quando se trata de gêmeos pigópagos. Ainda segundo a pesquisa, em casos como estes, com a cirurgião de separação, a chance de sobrevivência das crianças gira em torno de 60 a 70%.
Rotina
Desde a gestação das meninas, a rotina da dona de casa Eucivânia Cunha mudou. Agora, ela precisa se dividir entre Alto do Rodrigues (a 350 quilômetros de Natal) e a capital do Rio Grande do Norte, por conta da necessidade de uma atenção mais especifica ao caso das filhas.
“Agora estou em Alto do Rodrigues, minha cidade, mas já volto para Natal na segunda-feira porque as meninas precisam fazer alguns exames. Prefiro ficar assim, porque enquanto estiver morando em “Rodrigues” vou ter familiares e amigos me ajudando a lidar com as meninas”, explicou a dona de casa.
A ajuda a que Eucivânia se refere é necessária, principalmente, na hora de dar banho nas gêmeas. “Tem que ter duas pessoas na hora do banho para segurar as meninas. Além disso, tenho uma filha de quatro anos que também precisa de atenção. Então, acabo contando bastante com a ajuda de uma prima que mora comigo e com meu marido. Em Natal, já ficaria mais difícil isso”.
Apesar de todas as dificuldades no dia a dia, Eucivânia não desanima e disse que enxerga tudo como uma “provação” de Deus. “Eu acho que tinha que ser assim. Hoje rezo muito, faço promessas para que minhas filhas façam uma boa cirurgia e vivam com saúde”.
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