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Pacientes com transtorno bipolar levam até dez anos para receber o diagnóstico

Ingrid Tavares

Do UOL, em São Paulo

11/10/2012 14h18

A Associação Brasileira de Psiquiatria lança nesta semana uma campanha pública no Brasil para alertar sobre um quadro que afeta até 8% da população mundial e é uma causa importante de suicídio. O transtorno bipolar é uma das doenças mentais que mais causa sofrimento aos portadores, principalmente aqueles que ainda não sabem ter o problema.

Alterações bioquímicas e moleculares nos neurotransmissores, em especial na produção da serotonina (substância que ajuda a manter a harmonia e a comunicação dentro do cérebro), fazem o paciente alternar períodos de mania (caracterizado por agitação, ritmo acelerado, impulsividade e compulsão) com depressão (sensação de vazio, cansaço prolongado, retração e alguma ansiedade).

Assim, a pessoa eufórica torna-se apática de uma semana para outra. Segundo os psiquiatras, essa oscilação de ritmo e humor na cabeça – e no dia a dia – da pessoa leva cerca de 25% dos pacientes a tentarem se matar ao menos uma vez na vida – desses, 4% chegam a cometer o suicídio, de fato. Entre os que estão em tratamento, o número de tentativas cai para menos da metade, afetando 10% dos portadores.

 

Principais sintomas

Sentimento de êxtase e euforia;
Irritação e agitação;
Hostilidade e arogância
Pensamentos e falas rápidas;
Distrair-se facilmente;
Desejo de envolver-se em vários projetos ao mesmo tempo;
Insônia ou pouca necessidade de sono;
Comportamento impulsivo;
Julgamento prejudicado;
Agressividade e hostilidade;
Sensação de vazio;
Profunda tristeza e desânimo;
Perda de interesse em atividades antes tidas como prazerosas
Mudanças nos hábitos alimentares

O problema, diz a associação, é que o número de pessoas que tratam o transtorno ainda é baixo no país, muito devido à dificuldade de um diagnóstico preciso pelos médicos. Como ele é confundido com os sinais de outras doenças, a “descoberta” pode tardar até dez anos.

“A própria questão da doença, que se apresenta primeiro só como depressão, cria uma dificuldade de ler os sintomas”, explica a psiquiatra Ângela Scippa, presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar. "A virada [para a fase da mania] pode levar anos para acontecer, atrasando o diagnóstico em até dez anos. Com isso, acredita-se que 60% dos indivíduos atualmente estão diagnosticados errados."

Segundo a professora da UFBA (Universidade Federal da Bahia), a doença mental ocorre em qualquer idade, mas se manifesta com mais frequência entre o fim da adolescência e o começo da vida adulta.

A fase da mania, diz ela, persiste por sete dias, no mínimo, fazendo a pessoa ter um comportamento impulsivo durante todo o tempo. Já o período de depressão, que vem em seguida, dura pelo menos 15 dias. “Tristeza e alegria são expressões naturais das pessoas, todo mundo passa por boas e más fases na vida. Mas os sintomas do transtorno são intensos e disfuncionais”, ressalta.

O tratamento, que alia terapia com psicotrópicos, deve ser contínuo para que haja um controle efetivo da doença crônica, do mesmo modo do que já é feito “por quem tem diabetes, pressão alta e problemas cardíacos”.  Quem interrompe o tratamento, diante da melhora, mais cedo ou mais tarde vai voltar a encarar a alternância brusca de humor, já que a taxa de recorrência é de 90%.

Campanha

Apesar de a ocorrência da síndrome bipolar ser equivalente entre os sexos, em geral as mulheres buscam mais tratamento do que os homens. Segundo a presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, elas se queixam mais de dores físicas, como cólicas mensais, e acabam indo mais ao médico clínico, que funciona como um funil até o psiquiatra.

Os homens, além de serem mais resistente na hora de pedir ajuda, costumam abusar mais de álcool e drogas e acabam sendo “tratados” em clínicas de reabilitação, como se os sintomas do transtorno viessem do abuso de substâncias, e não da disfunção cerebral.

Tipos de Bipolaridade

Bipolar tipo 1A forma mais intensa e conhecida do transtorno traz clara alteração do humor, com fases de plena mania alternadas com períodos de depressão profunda
Bipolar tipo 2O paciente nunca tem episódios maníacos completos e tão intensos quanto os do tipo 1. Ele enfrenta períodos de níveis elevados de energia e impulsividade, chamados de hipomania, e momentos de depressão
CiclotimiaA forma mais leve da síndrome bipolar não tem fases bem marcadas. O paciente, no entanto, tem um humor oscilante e desregulado, com alguns sintomas depressivos - por isso, grande parte dos portadores da ciclotimia são tratados apenas como depressivos

Para tentar reverter o quadro de baixo e ainda impreciso diagnóstico, a Associação Brasileira de Psiquiatria tenta enfrentar o problema por várias frentes. Além de ajudar o psiquiatra, com o programa de educação continuada, a distribuição de cartilhas e material educativo atinge diretamente a família e o paciente. A idéia é combater um dos maiores desafios que cerca as doenças mentais: o preconceito da sociedade.

“Quando uma tia tem um problema cardiovascular, todo mundo fica sabendo, liga um para outro, vai visitá-la. Mas quando há uma doença mental, cria-se um silêncio na família e evita-se pedir ajuda. As pessoas têm muita resistência de procurar um profissional para obter o diagnóstico [do transtorno bipolar]. Elas ainda acham que quem procura um psiquiatra é louco.”

Para Ângela, ainda há a dificuldade do acesso da população carente à assistência psiquiátrica e aos leitos adequados em hospitais.

“Eles não podem comprar muito dos medicamentos, que são muito caros. O Ministério da Saúde libera antipsicóticos pelo SUS, mas apenas para pacientes de esquizofrenia, apesar de servir também para quem tem o transtorno bipolar. A população carente não recebe o que é ideal, mas o que é disponível. E isso não é tratamento, é redução de danos”, finaliza a psiquiatra.