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Retrospectiva 2012: Café com leite na veia e ácido no lugar de sedativo causaram mortes e sequelas em hospitais

Do UOL

Em São Paulo

26/12/2012 06h00

O país ficou chocado com dois casos, noticiados este ano, de idosas internadas que morreram após receberem café com leite na veia no lugar de soro. Erros da mesma natureza causaram sequelas em crianças que deveriam receber um sedativo líquido para a realização de exames, mas acabaram ingerindo ácido.

Infelizmente, erros desse tipo se repetem todos os anos. Em 2010, por exemplo, ganhou destaque o caso da menina Stephanie, de 12 anos, que recebeu vaselina na veia em vez de soro e acabou morrendo.

DOIS CASOS EM UMA SEMANA

  • Paulo Dimas / Diário do Vale / Agência O Globo

    10.out.12 - Familiares seguram documento de Ilda Vitor Maciel, 89, que morreu na Santa Casa de Misericórdia de Barra Mansa, no sul fluminense, após uma funcionário ter injetado sopa em sua veia

  • Rafael Moraes/Parceiro/Agência O Globo

    15.out.2012 - Parente mostra foto de Palmerina Ribeiro, 80, durante seu enterro. A idosa teve café com leite injetado em sua veia no Pronto Atendimento Municipal Meriti e morreu

Segundo o farmacêutico Mario Borges Rosa, autor de livros e artigos sobre erros de medicação, o problema também não é exclusivo do Brasil. "Acontece no mundo todo", garante.

"Um estudo realizado nos EUA mostra que cada paciente internado em hospital está sujeito a um erro de medicação por dia", informa. Ao todo, as instituições norte-americanas registram no mínimo 400 mil eventos adversos relacionados a medicamentos, que poderiam ser evitados.

Os casos que marcaram o ano foram atribuídos a profissionais de enfermagem - e representantes da categoria se defenderam com argumentos sobre as péssimas condições de trabalho às quais são submetidos. Mas erros de medicação podem ser provocados por médicos e farmacêuticos também.

Rosa ressalta que todo ser humano erra. E a punição dos profissionais envolvidos, embora necessária, não resolve o problema. "Você tira o fator humano e o erro ocorre novamente", comenta. O que precisam ser revistos, segundo ele, são os processos das instituições de saúde.

Ele cita medidas como treinamento constante, iluminação adequada e revisão das condições de trabalho - frequentemente os profissionais assistem muito mais pacientes do que deveriam. Mas também é preciso diferenciar rótulos e embalagens dos produtos usados nos hospitais, já que muitos deles são idênticos.

"Trocar a nutrição enteral por medicamento é algo que ocorre sempre. Qual a saída? Fazer com que as conexões não se encaixem", sugere. "É preciso criar barreiras, pois o ser humano não consegue manter 100% de atenção o tempo todo."


Veja, abaixo, alguns exemplos de erros de medicação que aconteceram ao longo de 2012:

Março e abril

Em Minas Gerais, três erros em hospitais envolvendo crianças foram notícia em pouco mais de um mês, entre março e abril deste ano.

O primeiro deles ocorreu no Hospital Municipal de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. O menino Artur Felipe Alves de Oliveira, de 1 mês, morreu no dia 2 de março após ter recebido leite na veia em vez de soro.  A técnica de enfermagem responsável foi afastada e a Secretaria Municipal de Saúde abriu sindicância para apurar o caso.

Já no início de abril, Alan Breno Castro, de 2 anos, teve que ser submetido a uma cirurgia para colocação de uma sonda após ingerir ácido tricloroacético, usado para a cauterização de verrugas. A substância foi administrada no lugar do sedativo. O garoto poderá ter sequelas.

Também em abril, o Hospital da Baleia, em Belo Horizonte, abriu procedimento para apurar o erro que teria causado duas arritmias cardíacas em um bebê de quatro meses. Davi Emanuel Souza Lopes, que estava internado para tratamento de pneumonia, teria recebido leite na veia em vez de soro e teve que ser internado no Centro de Tratamento Intensivo (CTI).

Outro caso ocorrido em abril foi no Estado de São Paulo. Ana Lúcia Couto dos Santos, 29 anos, foi internada para tratar de uma pneumonia no Hospital Augusto de Oliveira Camargo, em Indaiatuba (105 km de São Paulo),  mas morreu após oito dias ao receber o suplemento alimentar na veia.

A jovem já havia sofrido três acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e só conseguia se movimentar com apoio nas pernas e braços. De acordo com o laudo da polícia científica, a morte foi provocada por "embolia gordurosa pulmonar, em virtude de solução estranha em via venosa".

  • Israel Abraão Amaral Lopes exibe imagem de seu filho no celular; ele teve leite injetado na veia ao invés de soro. A má administração foi feita por uma enfermeia do Hospital da Baleia em BH

Maio

A Polícia Civil mineira abriu inquérito para investigar o suposto uso de formol durante procedimento de lavagem intestinal realizada em uma mulher de 47 anos na Santa Casa de Misericórdia de São Sebastião do Paraíso (400 km de Belo Horizonte).

Setembro

Duas crianças tiveram reação grave após receberem ácido tricloracético, usado para cauterizar verrugas, no lugar de calmante líquido. Elas estavam internadas no hospital Nova Vida, em Itapevi, na Grande São Paulo.

No caso da menina, o erro foi constatado logo e uma lavagem gástrica emergencial impediu qualquer dano mais grave. Já o garoto foi internado em estado grave na UTI de outro hospital.

Também em setembro, Vicentina Martins Leal, de 80 anos, morreu depois de receber glicerina na veia dentro da Santa Casa de Misericórdia São Vicente de Paulo, em Campo Belo (531 km de Belo Horizonte).

A solução administrada na veia deveria ter sido aplicada por uma sonda retal para ajudar no procedimento de lavagem intestinal. Ela estava internada por causa de problemas intestinais.

Outubro

Ilda Maciel, de 89 anos, morreu após receber sopa por meio de injeção na veia na Santa Casa de Barra Mansa, no interior do Rio de Janeiro. A idosa estava internada por causa de um acidente vascular encefálico.

Segundo familiares, a paciente estava melhorando. Ela era alimentada por meio de uma sonda que ficava no nariz. Simultaneamente, tomava soro na mão direita, onde eram injetados os medicamentos. Na noite deste domingo (07), um profissional de enfermagem - cuja identidade não foi divulgada - injetou no soro a sopa que deveria ser aplicada na sonda.

Menos de uma semana depois, Palmerina Pires Ribeiro, 80, morreu em uma unidade de saúde de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, após receber café com leite na veia, segundo familiares.

De acordo com a família, uma estagiária do Posto de Atendimento Médico (PAM) da cidade aplicou o alimento na sonda que levava medicamento para a veia da paciente.

A estagiária Rejane Telles, 23, afirmou, em entrevista ao "Fantástico", da TV Globo, que "qualquer um se confunde".

"Me passou pela cabeça chamar [a supervisora]. Sendo que a outra menina que estava do meu lado, falou que sabia e que ia me ensinar. Ela pegou, falou para mim e para outra estagiária que estava do meu lado para ir fazendo os procedimentos. Mas não deu explicação nem de que e nem como. Continuou sentada no posto de enfermagem, brincando no celular", disse Rejane, na entrevista.

Novembro

O menino Luiz Miguel da Silva, 4 anos, quase perdeu a perna depois de ter recebido uma injeção de antibiótico para dor de garganta na UPA ( Unidade de Pronto Atendimento) de São João de Meriti, na Baixada Fluminense.

O medicamento teria sido aplicado de forma errada: em vez de entrar no músculo, acabou atingindo uma veia ou artéria, provocando necrose.