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Preço e variedade faz brasileiros voltarem do exterior com a mala cheia de suplementos

Alguns suplementos de venda livre nos EUA não são permitidos no Brasil; outros, como complexos vitamínicos, são bem mais baratos lá fora - Thinkstock
Alguns suplementos de venda livre nos EUA não são permitidos no Brasil; outros, como complexos vitamínicos, são bem mais baratos lá fora Imagem: Thinkstock

Rosana Faria de Freitas

Do UOL, em São Paulo

30/01/2013 07h00

Não é de hoje que o brasileiro tem ido ao exterior para fazer compras, aproveitando o preço bem mais em conta de roupas, sapatos, bolsas, relógios e outros itens. Quem não resiste à tentação de encher o carrinho com potes de vitaminas, remédios e suplementos, porém, deve tomar cuidado com a automedicação.

“É grande a compra de produtos direcionados à saúde, quer dizer, suplementos vitamínicos ou alimentares liberados pelo Food and Drug Administration (FDA), órgão governamental americano que faz o controle de remédios, alimentos e cosméticos”, salienta a farmacêutica Karina Ruiz, especialista em nutracêuticos e nutricosméticos.

Mas por que comprar lá fora, e não aqui? A primeira razão é que alguns suplementos disponíveis nos Estados Unidos, por exemplo, não são encontrados aqui. É o caso da melatonina, hormônio usado para combater a insônia, e o DHEA, usado para combater o envelhecimento e melhorar a imunidade. Ambos os suplementos foram proibidos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por não ter sua eficácia comprovada.

"Questão do preço influencia muito", diz consumidora

A secretária pedagógica Claudia Leitão é um exemplo de consumidora de suplementos que sempre volta de viagem com a mala cheia. Como tem parentes morando nos EUA e viaja para lá pelo menos uma vez por ano, aproveita para adquirir complexos multivitamínicos, cápsulas de vitamina E, óleo de peixe, colágeno, cálcio, melatonina, glucosamina (substância que oferece resistência à cartilagem) e condroitina (que combate dores nas articulações e inflamações associadas à osteoartrite), além de aspirina, Tylenol e remédio para gripe.

Ela comenta que alguns desses produtos não são encontrados aqui. “A questão do preço também influencia muito: todas as pílulas que compro lá fora são pelo menos 50% mais em conta. Só para ter ideia, o Centrum Multivitaminíco com 30 comprimidos é vendido no Brasil, com desconto, por R$ 41,22 no site de uma grande farmácia; nos EUA, encontro por no máximo U$ 12,97 o frasco com 200 comprimidos.” As vitaminas são consumidas por conta própria, mas os medicamentos, ela diz, por indicação médica.

A segunda razão para trazer suplementos na bagagem é o preço. “Em geral, chega a ser até 80% mais barato”, destaca o endocrinologista Felipe Gaia Duarte, consultor do SalomãoZoppi Diagnósticos, em São Paulo.

Sem receita, mas com riscos

Os produtos mais comumente procurados no exterior, ele diz, são os complexos de vitaminas, e outros à base de cálcio e vitaminas C, D e E. Todos entram na categoria Medicamentos Isentos de Prescrição (MIP), ou Over the Counter (OTC, ‘sobre o balcão’ em português), nome que se dá a itens que podem ser vendidos sem receita médica. A pergunta é: o fato de serem comercializados livremente não traz riscos à saúde? Eles não teriam que ser prescritos por um médico?

De acordo com Duarte, nem vitaminas e suplementos devem ser tomados sem acompanhamento médico. A primeira razão é que muitos usuários os adquirem apenas porque estão na moda, e não por necessidade. “A pílula não funcionará, não servirá para nada”, diz.

Pior: é possível que traga riscos para a saúde. “O cálcio, em excesso, pode provocar pedras nos rins e constipação intestinal. A vitamina C, por sua vez, se ingerida exageradamente dá gastrite. E o DHEA, em doses elevadas, traz sintomas de virilização, como excesso de pelos, acne e pele oleosa. Estes são os principais fatores adversos dos complementos mais administrados hoje em dia.”

O farmacêutico José Vanilton de Almeida faz coro à advertência. “Seja medicamento ou suplemento, há sempre riscos se a pessoa tomar por conta própria. Sem uma detalhada consulta médica, sem conhecer as reais condições de saúde, os produtos podem se tornar nocivos, no mínimo por mascarar a evolução de uma provável doença em curso. Sabemos que a diferença entre remédio e veneno pode ser a dose.”

Ainda sem comprovação

O DHEA é um hormônio produzido pela glândula supra-renal associado à proteção cerebral e ao bem-estar. Sua produção chega ao pico por volta dos 20 e poucos anos, depois vai caindo: aos 40, o organismo gera metade e, aos 65, despenca para 10% a 20% da quantidade ideal.

Profissionais como a farmacêutica Karina Ruiz observa que, privado dos efeitos do DHEA, os sistemas ficam mais vulneráveis não só a vírus, bactérias e outros micróbios como também à ação dos radicais livres, que provocam envelhecimento precoce, e doenças degenerativas. Já o endocrinologista Felipe Gaia Duarte vê com ressalvas a reposição. “Há poucas evidências de melhora. De qualquer forma, se tomada nas doses recomendadas, em casos seletos e indicados por um médico, pode ajudar o paciente com mínimo risco de complicações.”

Outro exemplo que merece esclarecimentos diz respeito à melatonina – também não vendida no Brasil. Trata-se de um hormônio produzido pela glândula pineal, localizada no cérebro. “Estudos mostram que ela auxilia, de maneira muito eficaz, a regular o sono”, diz Karina Ruiz. Com o envelhecimento, a produção da substância diminui progressivamente, sendo que sua carência resulta na noite mal dormida e nas ruguinhas precoces – já que o tal hormônio atua como antioxidante. “Trata-se de um complemento interessante, porém não recomendo que ninguém tome antes de consultar o médico.” Felipe Gaia Duarte concorda e salienta que a melatonina “praticamente não apresenta riscos à saúde, o que não quer dizer que dá para administrar sem acompanhamento”.

A conclusão, então, é: mesmo antes de ingerir um complexo de cálcio com vitamina D, que entra nas terapias de prevenção e combate à osteoporose (enfraquecimento dos ossos), é imprescindível, antes, procurar o médico. O fato de não ser vendido sem receita médica, tanto no Brasil quanto no exterior, não significa que não pode trazer prejuízos à saúde.

Vale lembrar que a Anvisa só permite trazer suplementos ou remédios do exterior que sejam de uso próprio, ou seja, em quantidade compatível com a duração do tratamento. Um número exagerado de frascos pode configurar comércio, o que é vetado pela agência. Além disso, é proibido trazer medicamentos que no país só são adquiridos com receituário especial, como entorpecentes e anorexígenos.