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No RS, 33 cidades não têm nenhum médico que more onde trabalha

Certos municípios não conseguem atrair médicos e precisam recorrer a comunidades vizinhas para garantir atendimento à população - Arte UOL
Certos municípios não conseguem atrair médicos e precisam recorrer a comunidades vizinhas para garantir atendimento à população Imagem: Arte UOL

Flávio Ilha

Do UOL, em Porto Alegre

06/07/2013 06h00

Mesmo com salários que nem os prefeitos ou os magistrados da região ganham, 33 cidades do Rio Grande do Sul não conseguem atrair médicos para morar nessas localidades e precisam recorrer a comunidades vizinhas para garantir atendimento  à população. Os dados são do Ministério da Saúde.

Em Mariana Moro, na divisa do Estado com Santa Catarina, nem um salário bruto de R$ 18,5 mil, acrescido de um bônus de R$ 7 mil a título de sobreaviso, animou médicos a irem para a cidade, de 2.000 habitantes. Os dois profissionais que trabalham na cidade foram contratados por licitação como pessoas jurídicas. Consultas especializadas são encaminhadas para Erechim, a 50 quilômetros de distância.

“Em concurso não aparece ninguém aqui. Mesmo na tomada de preços, só esses dois apresentaram propostas e tivemos que aceitar que um deles nem more na cidade. Não tem solução, os médicos não querem vir para cá porque alegam que não há estrutura e nem mercado”, diz o secretário de Saúde do município, Adelar Krug.

Em São Pedro das Missões, na região norte do Estado, a prefeitura encontrou uma solução inusitada para driblar a falta de interessados na vaga de médico para atenção básica do município, que oferece salário líquido de R$ 9 mil: contratou, de forma emergencial, e sem concurso, um clínico geral da vizinha Palmeira das Missões, a 18 quilômetros da zona urbana, para atender todas as manhãs no posto de saúde.

À tarde, o médico contratado usa o consultório particular em Palmeira das Missões para atender casos de emergência dos moradores de São Pedro das Missões, que não possam esperar até a manhã seguinte.

“Foi o que deu para fazer. Temos uma vaga de médico aberta há mais de um ano, mas ninguém se interessa, mesmo com um salário bruto acima de R 12 mil. O doutor concordou em fazer assim, mas sem concurso. Assim que aparecer alguém, ele larga”, relata a secretária-adjunta de Saúde do município, Zenilda Larsen.

O médico Ademir Pereira Castanho, 67 anos, diz que aceitou a “missão” para não deixar a pequena São Pedro sem atendimento. Cidade com 2.000 habitantes, dos quais 1,4 mil moram na zona rural, o município tem só um posto de saúde de atenção básica e apenas três enfermeiras, que se revezam no sistema de plantão. Castanho, que tem 40 anos de medicina, mora em Palmeira das Missões.

“Quem se forma hoje não quer nem saber de ficar numa cidade como Palmeira das Missões, que tem 40 mil habitantes. Talvez permaneçam em Passo Fundo, mas olhe lá. Estou ajudando o prefeito, mas o deslocamento diário cansa e não quero ficar muito tempo”, avisou o médico.

Em Vila Lângaro, na mesma região, também não há médicos morando na cidade. Nos dois postos de saúde do município que também tem 2.000 habitantes, um não tem profissionais capacitados para consultas – são feitos apenas procedimentos de emergência.

O esquema para atender a população é complexo: um clínico geral vai de Passo Fundo, a 50 quilômetros da cidade, uma vez por semana; dois outros, um clínico e um ginecologista, deslocam-se de Tapejara, que fica a cerca de 25 quilômetros. E um outro médico especializado em traumatologia sai de Sananduva, a 40 quilômetros, para consultas uma vez por semana.

“Ninguém, nem recém-formado, quer morar numa cidade que tem 400 habitantes na zona urbana. Vai fazer o que aqui? “, justifica o secretário da Saúde Anildo Costella.

Só 5%

Segundo a Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), um terço das 497 prefeituras gaúchas não tem médicos concursados no quadro de servidores. O presidente da entidade, Valdir Andres, defende a adoção de um plano de carreira para médicos e a ampliação dos investimentos em saúde para garantir estrutura de atendimento nas cidades do interior.

“A solução independe da importação de médicos estrangeiros. Pessoalmente, acredito que a medida proposta pelo governo federal não resolve o problema da espera por cirurgias, das filas para internação, da falta de equipamentos e da falta de remédios”, justificou.

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Atualmente, segundo a Famurs, a lei obriga os municípios a investirem 15% do orçamento na saúde, mas a União aplica, em média, apenas 5%.

Os médicos reivindicam a aprovação da PEC 454, que cria a carreira de estado para a categoria (semelhante a de juízes e promotores), do projeto de iniciativa popular “Saúde + 10”, que destina 10% da receita da União para o SUS, e a exigência de que médicos vindos do Exterior sejam aprovados no exame Revalida para atuar no Brasil.

"Armadilhas"

O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes, diz que os altos salários oferecidos pelas prefeituras de cidades pequenas escondem armadilhas aos médicos. Segundo ele, a maioria dos contratos é por tempo determinado. Além disso, de acordo com Mendes, a estrutura de atendimento não garante o exercício profissional adequado, o que afasta os médicos dessas cidades.

“O piso de um médico na prefeitura de Porto Alegre é de R$ 4,5 mil para 20 horas semanais. Nas cidades pequenas, esse valores exorbitantes geralmente escondem contratos precários e falta de estrutura, como se o problema da saúde fosse resolvido só dessa forma. Defendemos uma carreira pública e investimentos de 10% da receita líquida corrente da União”, diz Mendes.