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Médico que se formou em Cuba diz não ter dificuldades de atuar no Brasil

"Diria que o nível [de dificuldade] da prova é bom, nem fácil, nem tão difícil. O complicado mesmo é que ela é cansativa", diz   Daniel Santos Rodrigues Martins, médico formado em Cuba há três anos - Valter Campanato/Agência Brasil
"Diria que o nível [de dificuldade] da prova é bom, nem fácil, nem tão difícil. O complicado mesmo é que ela é cansativa", diz Daniel Santos Rodrigues Martins, médico formado em Cuba há três anos Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

Alex Rodrigues

Da Agência Brasil, em Brasília

25/08/2013 12h48

Dos 1.772 médicos formados no exterior inscritos para participar do Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos), 148 optaram por fazer as provas da primeira fase em Brasília (DF). A aprovação no exame é obrigatória para profissionais que se formaram em outros países e que querem trabalhar no Brasil.

Aplicado desde 2011, este ano o Revalida atraiu maior atenção devido à polêmica surgida com a iniciativa do governo federal de autorizar profissionais de outros países a atuarem em regiões onde faltam médicos na rede pública de saúde sem se submeterem à prova. Além disso, o número de candidatos este ano (1.851) foi mais de duas vezes maior do que em 2012, quando 922 pessoas se inscreveram.

E o número de cidades onde as provas acontecem também dobrou, passando de seis capitais a 10:Brasília (DF); Campo Grande (MS); Curitiba (PR); Fortaleza (CE); Manaus (AM); Porto Alegre (RS); Rio Branco (AC); Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), além de São Paulo (SP), onde foi registrado o maior número de candidatos inscritos (424). 

Ansiosos diante da expectativa de ficar das 8h às 13h respondendo às 110 perguntas de múltipla escolha e das 15h às 18h fazendo as cinco questões discursivas, vários candidatos ouvidos pela "Agência Brasil" comentaram que seria melhor se o exame acontecesse em dois dias.

"Diria que o nível [de dificuldade] da prova é bom, nem fácil, nem tão difícil. O complicado mesmo é que ela é cansativa, principalmente por ser feita em um único  dia", comentou Daniel Santos Rodrigues Martins, formado em Cuba há três anos. Ele se submeteu à prova em 2011 e, hoje, acompanhava um grupo de amigos que fariam o exame.

Já atuando profissionalmente, Martins diz não ter enfrentado grandes dificuldades para colocar em prática, no Brasil, o que aprendeu em Cuba. "O ensino lá é muito competente. Hoje, com a globalização do conhecimento, o ensino está bastante uniformizado no mundo inteiro. Em Cuba ou aqui, as referências bibliográficas são basicamente as mesmas e, no caso das especialidades, há parâmetros internacionais", acrescentou Martins, que disse não ver problemas em médicos estrangeiros contratados para atuar em regiões carentes do país por meio do programa Mais Médicos serem liberados de revalidarem seus diplomas.

Entenda a proposta do governo

  • Arte/UOL

    Governo Federal quer atrair médicos para atuarem nas periferias e no interior do país

"Acho que seria justo e que não haveria problemas em submetê-los à prova, mas é preciso lembrar que eles estão vindo em caráter emergencial. Não que este seja o melhor caminho para resolver o problema da saúde, mas, além de investimentos na infraestrutura e da criação de uma carreira [de Estado] para incentivar os médicos a irem para áreas de difícil acesso, eu acredito que são necessárias medidas emergenciais, pois há pessoas doentes precisando de atenção e é difícil encontrar quem queira ir para onde elas estão", disse Martins.

Também formado em Cuba, Luiz Fernado Farias Bispo regressou ao Brasil há poucos meses e faz o Revalida pela primeira vez.  "Fui para Cuba atraído pelo reconhecimento mundial da qualidade do sistema de saúde cubano e pela atenção que, lá, se dá à atenção primária. Fui indicado por um partido [político], fiz a prova na embaixada cubana e me mudei", contou Bispo, para quem a polêmica em torno da vinda de médicos estrangeiros e a liberação destes de fazerem o Revalida é fruto de uma "briga política".

"Enquanto países europeus como Portugal pedem que os médicos cubanos permaneçam trabalhando por lá, alguns, no Brasil, revidam a essa iniciativa", argumentou Bispo, que também disse não ver incoerência alguma entre ter que se submeter ao Revalida para poder exercer a medicina no seu próprio país, enquanto profissionais estrangeiros contratados pelo Programa Mais Médicos são dispensados do exame.

"Uma coisa é a revalidação dos diplomas. Outra é o programa federal. Se o país precisa de médicos, se há lugares onde não há profissionais, não vejo nenhuma injustiça nisso. Não creio que seja a solução, mas é uma iniciativa correta, em vista do caráter emergencial. Se formos falar de prova, aqui ninguém que se forma faz um exame para ver se de fato está apto a trabalhar. Ao contrário do que acontece em Cuba, onde todos têm que fazer um exame de ordem", disse Bispo.

Já para Mayara Vaz Davico, que se formou na Argentina, terra natal de seu pai, o mais correto seria que todos os profissionais formados no exterior fizessem o Revalida, inclusive para contornar qualquer polêmica. "Até porque, se depois dos três anos de contrato algum deles quiser ficar no país, vai ter que fazer e revalidar o diploma". Mayara diz que tentou, mas não conseguiu se inscrever no programa Mais Médicos. "Sempre aparecia que a inscrição não tinha sido confirmada. E agora fico sabendo que há cubanos que sequer precisaram se inscrever indo para uma cidade a dez quilômetros de onde eu vivo e onde queria trabalhar."

 

Veja argumentos a favor e contra o programa Mais Médicos

PRÓSCONTRAS
O programa vai aumentar o número absoluto de médicos em atuação no Brasil (hoje há 1,8 profissionais para cada 1.000 habitantes). Na Argentina, esse índice é 3,2; em Portugal, 3,9 e na Espanha, 4)Sem o Revalida, o médico estrangeiro poderá colocar a vida do paciente em risco, já que sua capacidade não foi testada adequadamente. Eventuais defasagens no currículo não podem ser supridas em apenas três semanas (período de treinamento para os estrangeiros)
Vai levar médicos para áreas onde há carência desses profissionais (em certos Estados há só 0,58 profissionais por habitante, como no Maranhão)Dificuldades com a língua portuguesa podem trazer problemas de comunicação entre o médico e o paciente
Permite melhorar o conhecimento dos profissionais em atenção básica e saúde pública, áreas nas quais os recém-formados não costumam ter interesse em atuarO programa não resolve a questão da falta de infraestrutura, nem a falta de outros profissionais importantes para o atendimento à população, como fisioterapeutas, dentistas, enfermeiros, nutricionistas etc
O programa vai melhorar o atendimento à população indígena que vive em regiões distantes e carentes onde os médicos não chegamOs estrangeiros podem não ter conhecimento suficiente sobre as doenças tropicais que assolam o país, como a dengue
Os empregos dos médicos brasileiros não estão ameaçados, porque os estrangeiros só atuarão em locais pré-determinados. Se eles fizessem o Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira), aí sim poderiam atender em todo o paísOs estrangeiros podem não ter conhecimento suficiente de certos medicamentos e equipamentos utilizados no país
O programa deve suprir uma demanda imediata e agilizar a regularização do sistema de saúde, dado o longo tempo de formação de novos médicosOs médicos inscritos no programa têm vínculo empregatício precário: não têm 13º salário, não recebem horas extras nem FGTS
Ainda que o foco do programa não seja a infraestrutura, extremamente precária em certas regiões, a população terá acesso ao médicoCom o acordo para a vinda de médicos de Cuba, o governo está sendo conivente com um esquema de trabalho que é alvo de críticas: os profissionais recebem apenas parte da bolsa