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Cidade líder em mortalidade infantil tem mais médicos que governo recomenda

Carlos Madeiro

Do UOL, em Roteiro (AL)

07/09/2013 06h00

Para chegar a Roteiro (a 50 km de Maceió), o motorista precisa passar por um verdadeiro rally: os 4 km iniciais após a saída da AL-101 Norte são de barro, em meio a plantações de cana, sem qualquer casa ou estabelecimento comercial. Quando chove, o local fica intransitável para carros pequenos.

A cidade alagoana também não possui saneamento básico e é dona da maior mortalidade infantil do país, segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano 2013, do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Segundo o levantamento, em 2010 o índice chegava a 46,8 mortes por cada mil nascidos vivos até um ano –a média nacional é de 16,7. O município também tem a menor expectativa de vida entre os brasileiros: 65,3 anos, oito anos a menos que a média nacional.

  • Arte UOL

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Em Roteiro, não é difícil achar histórias de bebês que morreram. Há dois anos, o neto de Maria José da Conceição, 38, foi uma das vítimas --o município não tem maternidade.

“Minha nora demorou a ser levada para São Miguel dos Campos [cidade vizinha onde normalmente são realizados os partos] e, quando chegou, o médico não quis fazer uma cesárea, teve normal e aí veio a complicação. O menino nasceu com problema, ficou dois dias na UTI, mas morreu. Os pais ficaram arrasados. Era para termos processado o governo, mas nunca fizemos isso”, contou.

Equipes completas

Mesmo com o alto índice de mortalidade, o município ficou fora da lista de lugares prioritários para receber médicos cubanos. Também não se inscreveu na primeira fase do Mais Médicos – isso foi feito apenas na segunda etapa, com o pedido de um profissional.

O UOL visitou Roteiro na última quinta-feira (5). Marcados pela pobreza extrema, os 6.800 moradores da cidade sofrem com a estrutura precária do município. Mas, entre tantas queixas da população - desde falta de empregos até saneamento-, uma parece superada: a carência de médicos.

A cidade possui três equipes de PSF (Programa de Saúde da Família) completas para atender os habitantes. O número de equipes é maior do que o indicado como ideal pelo Ministério da Saúde, que é o acompanhamento de 3.000 pessoas por equipe. Em Roteiro, essa média é uma equipe para cada 2.200.

Além dos médicos da atenção básica, o município também contratou cinco especialistas complementares: um cardiologista, um psiquiatra, um dermatologista, um pediatra e um ginecologista.

Segundo a secretária de Saúde de Roteiro, Glória Cavalcanti, as equipes estão completas, e não há - em tese - necessidade de mais médicos. Mesmo assim, uma ajuda seria bem-vinda.

“Se algum profissional nos escolher nessa segunda fase do Mais Médicos, ótimo: vamos colocá-lo para ajudar no atendimento dos locais onde já temos médicos”, explicou.

Cavalcanti garante que o índice de mortalidade apresentado em 2010 já foi reduzido e neste ano apenas uma morte foi registrada - "e por prematuridade".

“Hoje, sem dúvida, é muito inferior ao apresentado. Temos um controle de pré-natal, uma vigilância epidemiológica completa. Agora temos também plantão aos fins de semana”, disse.

Médicos elogiam estrutura

O UOL também ouviu médicos que atuam na cidade. Eles relatam bons números de profissionais e condições de trabalho para atenção básica.

“Aqui realmente não faltam médicos. Comparando com outros municípios, temos médicos para toda a população. Aqui temos uma boa estrutura, com maca no consultório, ar-condicionado, higiene, remédios e ambulâncias”, disse a médica Manuela Rocha Ramirez, que está no município há quatro meses.

Alinhada ao discurso das entidades, a profissional refuta a ideia de que haja a necessidade de médicos de fora do país. “Médicos temos aqui. O que precisa é oferecer condições de trabalho. De que adianta dar um bom salário e chegar lá e não ter estrutura, não ter remédios, o prefeito atrasar o pagamento? Nenhum profissional estuda seis anos para jogar o diploma na lama”, completou.

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  • Arte/UOL

Acompanhamento mensal

Os moradores visitados pelo UOL também afirmaram que são acompanhados, pelo menos duas vezes por mês, por um profissional médico. Não houve relatos de falta de medicamentos nem de carros para transferências - a cidade tem três ambulâncias e dois carros para transporte de pacientes para outras cidades.

Na comunidade do Peru, o posto de saúde está fechado e com equipamentos abandonados. Os moradores afirmam que a unidade faz falta aos moradores, mas dizem que são visitados por um médico semanalmente e que o atendimento foi transferido para uma área da usina do município.

“O médico sempre vem. Quando precisamos, um carro nos pega e nos leva para a cidade [que fica a 5 km do local]”, disse Ivandil Silva, 38.

Mas há relatos de problemas em atendimentos de maior complexidade, que são necessários em outras cidades. Há quatro meses, o menino Lucas, 10, foi atropelado por um caminhão e teve problemas graves na bexiga, na bacia e na perna.

"Assistência da prefeitura tem, mas o que não conseguimos é a cirurgia de que ele precisa, pois a bexiga dele, com o acidente, não funciona bem", afirmou a mãe do garoto, Luciene Cruz da Silva, 37.

Problema anterior

Em anos anteriores, segundo relatos fornecidos ao UOL, a estrutura da saúde era precária e, em alguns momentos, faltava também de profissionais - o que ajuda a explicar a maior mortalidade infantil.

"Falta de um tratamento adequado da água, falta de saneamento e questões culturais dificultam o trabalho do profissional de saúde. Aos poucos, a cidade vai melhorando. Hoje focamos atenção nas crianças", disse a enfermeira Tiara Sousa.

Roteiro é mais uma cidade alagoana com histórico de corrupção e violência política. Em 2006, o então prefeito Val de Agenor foi morto em uma chacina que vitimou outras três pessoas. Ex-prefeitos também são acusados de improbidade.

“No final do ano passado, após a gestão anterior perder a eleição, faltava até agulha e dipirona”, disse um servidor da saúde que não quis se identificar.

Outro médico que atua na cidade há um ano confirma que houve investimentos nos últimos meses que devem ajudar na redução da mortalidade infantil. “Sem dúvida melhoramos a estrutura, o que incentiva médicos a atuarem aqui. Sobre a mortalidade, esse trabalho passa também pela educação", afirma Tiago Pizzi, que se formou em Cuba, mas atua no Brasil desde 2007, quando conseguiu revalidar o diploma.

Promessa de melhorias

A Secretaria de Saúde informou que já há um projeto, com recursos federais, para reformar o posto de saúde fechado na comunidade do Peru. O órgão disse que os moradores recebem visitas semanais de equipes do PSF.  

Sobre o acesso precário e falta de saneamento, a prefeitura disse que já foi aprovado um projeto federal para sanear 100% da cidade. Já as obras de ligação do acesso da cidade à AL-101 serão iniciadas nas próximas semanas. 

Onde falta médico, faltam dentistas e enfermeiros, mostra pesquisa

A concentração de médicos nos grandes centros acompanha a de outros profissionais de saúde, como dentistas e enfermeiros, e a de unidades de saúde. Onde falta um, faltam os outros.

É o que o mostra um recorte da pesquisa Demografia Médica no Brasil, que se baseou em dados da AMS (Assistência Médico-Sanitária) do IBGE, que conta os postos de trabalho ocupados por profissionais de saúde