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Bancada conservadora dificulta campanha contra Aids no país, diz jornalista

Tatiana Pronin

Do UOL, em São Paulo

30/11/2013 07h00

A jornalista e apresentadora Roseli Tardelli lança o livro "O Valor da Vida" (Ed. Senac São Paulo) neste domingo (1º), Dia Mundial de Luta Contra a Aids. O evento não poderia ocorrer em outra data. Quem conhece a jornalista sabe como o combate à doença e ao preconceito fazem parte de sua história pessoal e profissional. Não à toa, quem aparecer na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, certamente vai encontrar celebridades, políticos e ativistas.

Roseli abraçou a causa na década de 1990, quando seu único irmão, o tradutor Sérgio Tardelli, adoeceu em consequência do HIV. A família teve que brigar na Justiça para fazer o plano de saúde cobrir o tratamento -- foi a primeira a questionar publicamente a atuação de um convênio médico.

O irmão de Roseli morreu em 1994, dois anos antes do surgimento do coquetel anti-Aids. Mas a luta incentivou muita gente com a doença a lutar por seus direitos. "Quando Sérgio soube que eles haviam ganhado a causa na Justiça e o convênio o atenderia, ele perguntou: ‘E os outros’? Dessa grande dor ficou o legado que é a resposta diária para essa pergunta. É isso que dá todo o sentido à vida da Roseli", conta a jornalista Cristina Sant’Anna, que ajudou a escrever o livro. O prefácio é da colunista de política Dora Kramer e a orelha, do editorialista José Nêumanne Pinto.

Em 1998, Roseli promoveu o 1º Fórum Aids, Imprensa e Cidadania. Em 2003, fundou a Agência de Notícias da Aids (www.agenciaaids.com.br)  -- o livro marca justamente o dez anos da experiência. Referência na divulgação de informações sobre o HIV, a agência deu tão certo que foi levada a Moçambique (www.agenciasida.co.mz), na África, em 2009. E já existem conversas sobre um projeto semelhante em Angola.

  • A jornalista e apresentadora Roseli Tardelli comemora os dez anos da Agência de Notícias da Aids com o lançamento de um livro

Roseli lembra de ter repercutido muitas boas notícias na agência na última década. A evolução dos coquetéis e a consolidação do programa de combate à Aids no país fizeram com que a doença deixasse de ser considerada uma sentença de morte para ser encarada como uma enfermidade crônica. Mas, apesar dos avanços, o Brasil continua a registrar uma média de 36 mil casos novos de infecção pelo HIV a cada ano.

"Faltam campanhas mais constantes para que todos percebam sua vulnerabilidade, principalmente os homens jovens gays, público que tem tido um registro alto de novas infecções", comenta a jornalista ao UOL. Nesse aspecto, o Brasil deixa a bastante a desejar, na opinião de Roseli e dos ativistas da causa: "Existe uma bancada extremamente conservadora no Congresso Nacional que tem dificultado campanhas e ações proporcionais ao crescimento das infecções em nosso país". Leia, abaixo, a íntegra da entrevista:

UOL - As novas gerações não acompanharam a sua trajetória. Como começou seu envolvimento com a luta contra Aids?                        
Roseli Tardelli - Sou jornalista, já apresentei o Roda Viva, o Opinião Nacional e vários programas na rádio Eldorado. Em 1994, meu irmão Sérgio Tardelli, tradutor, morreu em decorrência da Aids. Fomos a primeira família que questionou judicialmente um convênio médico que, naquela época, não atendia as pessoas com HIV/Aids. Ganhamos a causa, criou-se a jurisprudência: não existia lei que organizasse a questão e mais pessoas puderam também usar desse instrumento. Ganhamos depois de termos mobilizado colegas, feito manifestações de rua e tornado a questão pública. Meu irmão morreu e mudei minha trajetória para me dedicar a causa. Fundei, há dez anos, uma agência que trata apenas do tema HIV/Aids no Brasil e outra em Moçambique.

UOL - Da década de 1990 para cá, quais foram os principais avanços no combate à doença no Brasil, na sua opinião?
RT - Existem vários pontos importantes: a distribuição gratuita dos antirretrovirais, por força da Lei 9.313, em 1996. A determinação, a partir de 1999, de que os planos de saúde não podem negar atendimento de doenças preexistentes como a Aids; a fundação de várias ONGs que ajudam a disseminar informações, prevenção e acolhimento de pessoas vivendo com HIV; O fato de o governo brasileiro ter decretado licença compulsória do Efavirenz, um dos medicamentos que combatem os efeitos do vírus, em 2007, o que fez com que os laboratórios passassem a negociar mais o preço dos remédios; a inauguração de uma fábrica de preservativos em Xapuri, no Acre, em 2008; o estímulo do Ministério de Saúde para que municípios criassem Programas de DST/Aids, em 2002; a primeira campanha protagonizada por pessoas que vivem com o vírus no Dia Mundial de Luta Contra Aids, em 2006; o fato de que a doença está se tornando crônica; a informação do Programa Conjunto das Nações Unidas (Unaids) de que houve uma redução de mais de 50% no número de novas infecções pelo HIV em 25 países. Esses dados eu considero bem positivos.

Veja algumas conquistas contra a Aids desde a descoberta do vírus

  • Reprodução

UOL - Muitos ativistas têm dito que o país, que já teve tanto destaque na luta contra a Aids, têm deixado a desejar. Você também acha que o governo afrouxou o laço?
RT - Os ativistas têm razão. O Brasil foi considerado vanguarda porque construiu seu programa de combate ao vírus com a contribuição da sociedade civil, de pesquisadores em universidades e de gestores muito comprometidos. Existe uma bancada extremamente conservadora no Congresso Nacional que tem dificultado campanhas e ações proporcionais ao crescimento das infecções em nosso país. Existem hoje 656.701 casos de Aids notificados, o acesso ao tratamento para a Aids é disponibilizado para 217 mil pessoas de forma gratuita. O Brasil fabrica 11 dos 20 medicamentos usados no tratamento do HIV/Aids. E, mesmo com o fato de, no ano passado, nosso país ter distribuído cerca de 460 milhões de preservativos e 2,9 milhões de testes rápidos anti-HIV em todo o território nacional, com todo este esforço, o Brasil registra 36 mil casos novos por ano de infecções pelo HIV. Faltam campanhas mais constantes para que todos percebam sua vulnerabilidade, principalmente os homens jovens gays, público que têm tido um registro alto de novas infecções.

UOL - Desde o início da Agência de Notícias da Aids, há dez anos, qual foi a notícia veiculada que lhe trouxe mais alegria?
RT - Posso citar 5?  Nós fizemos uma exposição itinerante, “Aids,as melhores notícias da década”; o Lucas Bonnano [da agência] responde pela curadoria e eu concebi a ideia e editei junto com ele. Gosto muito de ter publicado, por exemplo: “Durante reunião na Rússia, países do G8 reafirmam compromissos no  combate à Aids", em 2006; “Banco Mundial anuncia esforços contra discriminação de soropositivos no local de trabalho”, em 2007; “ Novas classes de medicamentos renovam esperanças no tratamento da Aids”, também em 2007; “Unaids anuncia recorde de acesso ao tratamento contra a Aids: 8 milhões de pessoas em todo o mundo”, em 2012; e também “Sociedade Internacional de Aids cria grupo com cientistas de renome para buscar a cura da Aids”. Agora a manchete que eu gostaria de redigir e publicar é “Foi descoberta a cura da Aids, ninguém mais vai sofrer, ser discriminado ou morrer pela doença!”

UOL - Como tem sido a experiência da agência em Moçambique? Há outro projeto semelhante em andamento?
RT - Fundamos a Agência Sida (www.agenciasida.co.mz) em 2007. O Lucas foi fundamental para que o projeto vingasse porque ele morou em Moçambique três anos e meio e pode, dentro da realidade daquele país, moldar um tipo de trabalho com fluência de informação profissional adequado. Já trouxemos um jornalista moçambicano que trabalhou com a gente três meses e voltou para lá. Desde que fundamos a agência, todo mês algum veículo de comunicação de lá publica uma reportagem nossa. Além disso, os ativistas nos têm como um veículo sério, independente, que espelha o que eles necessitam e pensam. É muito gratificante poder dar este tipo de colaboração. Atualmente financiamos a Agência Sida com nossos recursos porque eu acredito que o trabalho está dando frutos e é muito importante por lá, então estamos bancando. Temos conversas para realizar um projeto semelhante em Angola...vamos ver como a vida virá.... 

O Valor da Vida, 10 anos da Agência Aids
Autora: Roseli Tardelli
Editora: Editora Senac São Paulo
Preço: R$ 25,00
Número de páginas: 171
Lançamento: 01/12
Horário: 15 horas
Local: Livraria Cultura Conjunto Nacional - Av. Paulista, 2073