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Crianças precisam brincar mais e ter contato com a natureza, diz pediatra

Do UOL

Em São Paulo

10/12/2013 15h40

Pais que têm medo de "vento encanado", mas alimentam os filhos com "lixo tóxico", referindo-se à comida industrializada. Pais que não suportam ver os filhos frustrados ou entediados, e por isso exageram nas atividades impostas ou nas distrações tecnológicas. Esse é o retrato que o pediatra Daniel Becker faz da educação que muitos brasileiros têm dado aos filhos, como relatou no "Roda Viva", da TV Cultura, desta segunda-feira (9). O programa foi transmitido ao vivo pelo UOL

Pioneiro da pediatria integral no Brasil (que une a medicina convencional a saberes tradicionais como a acupuntura, a osteopatia e a homeopatia), Becker lamentou a rotina a que as crianças têm sido submetidas. Para ele, falta tempo para brincar e contato com a natureza. "Já chegamos no ponto em que o médico precisa prescrever a brincadeira", comentou o pediatra.

Ao falar sobre o abuso da tecnologia pelas crianças, ele criticou o exagero no uso de tablets. "É uma oferta de diversão móvel e a criança se afasta do convívio com os pais e as outras pessoas." No entanto, ele acredita que a TV ainda é o inimigo mais perigoso, já que traz o veneno da propaganda. O médico defende mais controle sobre a publicidade, que só oferece "lixo tóxico", futilidade e sexualização precoce.

Becker também condenou o fato de que as crianças têm total acesso à propaganda de bebida alcoólica, uma vez que os fabricantes patrocinam eventos como Carnaval e Copa do Mundo. Para ele, a publicidade faz os jovens acreditarem que só tem amigos quem toma cerveja. 

Deficit de atenção

Perguntado sobre o excesso de prescrição de medicamentos para TDAH (Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade) no Brasil, Becker disse que, infelizmente, a 'medicalização' da vida é uma tendência, reforçada pela influência da indústria farmacêutica sobre os médicos. 

Ele acredita que comportamentos infantis normais estão sendo encarados como doença, ou classificados como tal por pais e escolas que não sabem lidar com uma criança que é um pouco diferente da média. Além disso, a rotina dos pequenos, para ele, só piora o quadro: "A criança volta de noite da escola; quando chega liga TV, computador e videogame; come salgadinho, açúcar, corante e conservante o dia inteiro; e não vê natureza - como é que ela vai ouvir o professor falar sobre helmintos e platelmintos e vai se comportar bem?"

Babá ou berçário?

Para o médico, deixar a criança na creche ou no berçário com cinco ou seis meses não é a melhor opção. Ele explicou que, nessa fase, o bebê sofre uma espécie de "crise": começa a se sentar, a se afastar do seio materno, começam a nascer os primeiros dentes e ela perde as defesas contra infecções que herdava da mãe. Se nesse momento, de fragilidade, é deixada em um ambiente com várias outras crianças, vai ser bombardeada por vírus e bactérias. "Essas crianças têm mais infecções e sequelas mais graves dessas infecções", comentou.

Becker tem dois filhos que ficaram com babás até aprenderem a andar, e foram para a escola com mais ou menos 1 ano e 2 meses. Mas ele entende que nem todo mundo pode pagar uma profissional, e quem pode nem sempre encontra uma babá de confiança. Para o médico, a solução muitas vezes adotada por famílias menos privilegiadas - de deixar os filhos com uma amiga ou parente - ainda é melhor para a criança do que ser deixada na creche. 

Obesidade x anorexia

O pediatra acredita que o combate à obesidade, crescente entre as crianças brasileiras, deve passar pela conscientização e pela mudança de atitude dos pais. "Uma criança de seis meses não precisa de açúcar", exemplificou. Mas ele também entende que se trata de um problema social: enquanto uma família de classe alta tem acesso a nutricionistas e pode fazer compras com frequência, é difícil para uma mãe pobre pegar ônibus para garantir uma alimentação natural para o filho.

O culto atual à magreza excessiva - no extremo oposto -, também foi um tema abordado por Becker no "Roda Viva". Em um texto postado no Facebook que teve enorme repercussão, o pediatra contou que ficou chocado ao encontrar a top brasileira Izabel Goulart, que lhe pareceu esquelética, e depois ver uma foto da modelo em uma revista que elogiava o "corpo perfeito" da beldade. Esse tipo de padrão, segundo ele, é responsável por um número cada vez maior de adolescentes com anorexia, um problema gravíssimo que muitas vezes leva à internação.

Mais Médicos

Becker trabalhou num campo de refugiados no Camboja pelos Médicos sem Fronteiras e foi um dos pioneiros do modelo do programa Saúde da Família, que considera "uma grande resposta", não só para rincões, mas para grandes cidades, também. 

Questionado sobre o Mais Médicos, o pediatra lamentou a forma como o programa foi lançado, sem diálogo suficiente com a sociedade e com a classe médica e em um momento eleitoreiro. "Mas colocar médicos em áreas onde o Estado brasileiro não consegue colocar é importante", ponderou, apesar de reconhecer que o ideal seria esses locais terem condições para atrair os profissionais.

Ele acredita que esses profissionais não precisam entender de cirurgia cardíaca, por exemplo, mas conhecer bem o que é mais frequente na comunidade em que atuam. Nesse aspecto, o médico acredita que os cubanos estão preparados para isso.