Topo

Quem se exime de culpa tem menos estresse, mas evolui menos; é o seu caso?

Quem se cobra pouco e tem menos chance de desenvolver distúrbios como o estresse - Thinkstock
Quem se cobra pouco e tem menos chance de desenvolver distúrbios como o estresse Imagem: Thinkstock

Rosana Faria de Freitas

Do UOL, em São Paulo

13/12/2013 07h00Atualizada em 13/12/2013 18h51

Você deve conhecer várias pessoas assim, ou talvez seja uma delas, que estão sempre se eximindo de todas as responsabilidades. Em outras palavras, têm resistência a assumir sua parcela de culpa em qualquer situação. Quem se cobra pouco tem menos chance de desenvolver distúrbios como o estresse, mas pode ter menos chances de evoluir na carreira e na vida pessoal. 

O psicólogo Max Saadia, com formação em Hipnoterapia Ericksoniana e Programação Neurolinguística (PNL), analisa que a autocondescendência se refere a um conjunto de características pessoais e, portanto, não necessariamente seria um defeito ou uma qualidade por si só. “Da mesma forma que a tolerância, a intolerância pode nos ajudar ou atrapalhar em vários momentos da vida.”

Os problemas passam a existir de acordo com a intensidade e a abrangência desse tipo de postura e consequentes comportamentos. “Ou seja, quando o indivíduo passa a ter dificuldades de se relacionar consigo ou com o mundo em função desse modo de ser, ou quanto isso gera algum sofrimento ou empecilho para sua existência.”

Indulgência é exagerada

Importante lembrar também que as pessoas podem se manter autotolerantes em alguns aspectos, mas não em todos. “O excesso de tolerância ou intolerância é, sem dúvida, causa de muitas ações e desempenhos que definem nossa forma de encarar a vida e nossa personalidade. Trabalhar com esses comportamentos é essencial para reequilibrar nossa autoimagem”, analisa Saadia.

E se a fuga de responsabilidades for um sintoma de praticamente toda a sociedade? É o que acredita o terapeuta de base analítica Evandro Vieira Ouriques, que atende no Neurofocus Psicoterapias e supervisor de pesquisas de pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“A lógica da cultura dominante tem como base exatamente a irresponsabilidade sistêmica, seja em não ser solidário com o outro, seja em relação à natureza. Assim, a autocondescendência está expressa, na nossa cultura, pela tendência à falta de sincronia entre palavra e ato.”

Baixa autoestima

Pessoas muito transigentes consigo mesmas em geral têm problemas de baixa autoestima, explica o psicólogo Max Saadia, que atua há mais de 20 anos na psicoterapia com adultos e adolescentes com dificuldades de adaptações, fobias, distúrbios, transtornos afetivos e relacionamentos.

“Quem não tem autoconfiança não se sente capaz de muita coisa e, assim, evita exigir de si grandes façanhas, ou se impor muitos desafios. Agir dessa forma afasta a frustração pelo fracasso, mesmo que se perca a enorme satisfação pelas realizações. Quer dizer, é mais fácil que suas ambições se restrinjam a empreitadas facilmente alcançáveis”, diz o terapeuta, acrescentando ser comum encontrarmos, nesses indivíduos, uma forte tendência à vitimização – tanto que tudo de ruim que acontece é de responsabilidade externa.

Com ele concorda o psicólogo hipnoterapeuta Lucas Rezende, professor do Instituto de Neurolinguística Aplicada (INAp), no Rio de Janeiro, membro da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC).

“Algumas vezes, o sujeito simplesmente não tem convicção nas suas decisões e opiniões. Então, acredita que outra pessoa pode fazer melhor, colocando-se em segundo plano e buscando a aprovação dos demais. Em casos específicos, este é apenas um papel desempenhado por quem se passa por vítima para atrair a atenção alheia e mobilizar esforços que não são os seus.”

Para o terapeuta Evandro Vieira Ouriques, é ótimo quando somos capazes de reconhecer que nos enganamos. Mais que isso, quando identificamos o que fizemos e as consequências que geramos diante das pessoas atingidas por nossas atitudes. “É uma libertação do peso, pois houve reparo dos danos causados. Todos crescem, é muito gratificante ver isso acontecer.”

Perfil de um e outro tipo

Embora seja difícil traçar o perfil de quem é tolerante e intolerante consigo mesmo – já que nem todos têm as mesmas características e determinados aspectos só aparecem em alguns casos –, dá para fazer um esboço de âmbito generalizado.

Dentre as características do condescendente, destacam-se, segundo Saadia, pessoas que facilmente se conformam com seus erros; que costumam ser tolerantes também com os outros; frequentemente buscam satisfação em ações que não exigem muito sacrifício; não tentam influenciar quem está por perto; procuram não ter grandes ambições; hesitam em tomar iniciativas; apresentam mais flexibilidade em relação às opiniões alheias; dificilmente dirigem seu foco para o reconhecimento; a princípio, ficam inibidos diante de situações complexas; arranjam sempre alguma desculpa para o que não deu certo; evitam ao máximo situações que podem ser estressantes; e tendem a deixar para mais tarde o que tem de ser feito.

Em relação ao intolerante, são proativos e exigentes; parecem estar sempre atrás de algo; dificilmente estão plenamente satisfeitos; não se conformam com seus erros; constantemente buscam a perfeição no que fazem; são preocupados com os prazos; costumam ser intolerantes também com os outros; demonstram certa rigidez de opinião; muitas vezes, os momentos de relaxamento trazem culpa; gostam de desafios e de procurar soluções para quadros difíceis; se posicionam como donos das decisões; e sentem que o destino está em suas mãos.

Rezende completa dizendo que muitos podem relutar em defender seu ponto de vista por insegurança e, assim, buscar aprovação social no seu meio, inclusive desvirtuando suas próprias opiniões e crenças para agradar ou se incluir no grupo.

“Por outro lado, algumas vezes estamos diante de pessoas que se passam por vítimas por mera carência afetiva ou social. Assim, buscarão manipular a percepção dos outros, ainda que sem consciência ou intenção, para conseguir algum ‘lucro’ da situação, muitas vezes um lucro psicológico, como atenção ou suporte emocional.”

Rigidez versus evolução

Uma coisa, é certa: quem é muito autocondescendente não vive tensionado. “Sua saúde pode até ser preservada, porém é fato que terá menos chance de evoluir. E, como não há necessidade de voltar ao estado de relaxamento pós-estresse, não se mobilizará em direção a uma vida mais ativa e gratificante”, considera Saadia.

Já para o intolerante, sua constante insatisfação interna, por se ver como provedor do seu destino, pode levá-lo a viver em constante tensão, que de um lado serve como combustível para suas ações mas pode ser danoso para sua saúde como um todo, diz Saadia. É preciso, então, viver com equilíbrio.

“Em geral, são indivíduos que buscam implacavelmente o controle de ambientes e pessoas, e por isso se culpam tanto: afinal, se não deu certo, foi responsabilidade sua por não ter adquirido supervisão suficiente ou por dirigir mal a situação. A principal consequência negativa é a frustração, já que o domínio que temos sobre o mundo externo é temporário, frágil e frequentemente ilusório. No campo profissional, por exemplo, alguém assim tenderá a ser perfeccionista com seu trabalho. Em relação à personalidade, predominará a vaidade e pode faltar humildade e simplicidade”, completa Rezende.

Foco na autoimagem

Nos dois extremos, tanto na tolerância excessiva quanto na intolerância, é fácil perceber que existe uma distorção da autoimagem. “A pessoa ou desvaloriza ou supervaloriza seus potenciais e suas limitações, muitas vezes sem perceber. É necessário resgatar e reequilibrar sua autoimagem, e o único meio para isto é explorar seus próprios aspectos, debruçando-se sobre si mesmo e aprimorando seu autoconhecimento. A partir das descobertas de suas qualidades e das habilidades que devem ser desenvolvidas, traçar novos objetivos e desafios nos diversos departamentos da vida”, aconselha Saadia.

Ele recomenda, antes de qualquer coisa, agir. O autoconhecimento teórico, se não for seguido de ação, não leva ao crescimento pessoal e à evolução. “Por isso, tem que agir sem medo do erro, considerando que o erro talvez seja a parte mais importante para o verdadeiro aprendizado. Trata-se de um movimento contínuo de ensaio e tropeço que, no fim, acaba sendo recompensado pelas conquistas que se obtém no processo.”

O autoconhecimento, e o aprender com os erros, fazem parte da natureza humana, reforça Lucas Rezende. “Como seres racionais e emocionais, enfrentamos o desafio de reconhecer nossas falhas para buscar, então, alternativas. É preciso aceitar que não somos perfeitos e, dessa forma, superar a vaidade e o orgulho a fim de alcançarmos propósitos maiores de vida.”

Dicas do psicólogo Max Saadia para encontrar equilíbrio entre a tolerância e a intolerância consigo mesmo

Estabeleça desafios e metas pessoais e profissionais;
Passe a exigir mais de você mesmo;
Procure respeitar prazos;
Responsabilize-se por suas ações;
Seja proativo;
Procure listar suas qualidades e habilidades;
Tenha em mente que seus defeitos podem sempre ser trabalhados;
Convença-se de que você merece mais;
Não coloque dúvidas sobre sua capacidade de realizar;
Procure dar sempre o melhor que pode naquilo que está fazendo;
Seja disciplinado, tenha organização e método para trabalhar
Se algo der errado, não se conforme nem desanime, parta para a ação;
Não justifique seus defeitos, tente suplantá-los;
Assuma seu destino, ele está em suas mãos
Procure sempre tirar uma lição das situações adversas;
Quando preciso, não receie em tomar decisões.