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"Boom Angelina Jolie" já passou, mas ficaram as lições, dizem especialistas

Cármen Guaresemin

Do UOL, em São Paulo

18/12/2013 07h00Atualizada em 26/03/2015 13h45

No dia 14 de maio deste ano, a atriz Angelina Jolie, uma das mulheres mais famosas do mundo, revelou, em um artigo para o “The New York Times”, ter passado por uma dupla mastectomia preventiva. A decisão foi tomada depois de a atriz descobrir que tinha uma mutação no gene BRCA1, o que representa grandes chances de desenvolver câncer de mama e de ovário.

A mãe da atriz morreu em 2007, aos 56 anos. Já sua tia, morreu duas semanas após Jolie ter anunciado a cirurgia, ambas levadas pela doença. A atriz justificou ter optado pela mastectomia, pois não queria que seus filhos perdessem a mãe tão cedo, como ela.

A repercussão da notícia resultou num rápido aumento de procura pelo teste de DNA nos laboratórios que o realizam aqui no Brasil. Agora, meses depois, “o boom Angelina Jolie”, como foi apelidado, passou. Porém, para os médicos, o ato de Jolie trouxe mudanças que vão ficar.

O médico Eduardo Millen, diretor da Sociedade Brasileira de Mastologia, conta que houve um aumento de pacientes que procuraram mastologistas na época, a maioria com histórico familiar de câncer de mama, querendo se informar e ter acesso ao teste. “Mesmo pacientes com mamografias com pequenas alterações pensaram em fazer a cirurgia. Eu diria que sete meses depois, o 'boom Angelina Jolie' já passou”.

  • Arte UOL

    Angelina Jolie é fotografada ao sair de uma loja de vinhos em Sydney, em novembro

Mídia e médicos

Millen conta que o tema foi muito discutido não apenas pela mídia popular, mas também pelos médicos, por meio de fóruns. “Ela tinha um histórico familiar de doença importante, um resultado positivo para o teste genético e acesso ao que de melhor existe em tratamentos. Levando tudo isso em conta, ela agiu certo, pois tinha de 50% a 65% de chances de desenvolver a doença”.

Já Flavia Balbo Piazzon , assessora médica de Genética Molecular do Grupo Fleury, conta que muitas pessoas escreveram para o site da empresa perguntando “vocês fazem o exame da Angelina Jolie?”. Porém, as buscas não se transformaram efetivamente em exames. “Não temos números exatos, mesmo porque o ano não terminou, mas em relação a 2012, houve um aumento de 25% na procura”, diz.

Piazzon conta que não houve um aumento imediato após o anúncio da atriz e que os picos nos atendimentos foram mesmo em outubro e novembro. “Creio que as pessoas pensam naquelas metas que se impõem e percebem que o ano está acabando e que precisam cumpri-las. Como é algo mais ‘pesado’, deixam para o final!”.

Para ela, o mais importante é que o caso da atriz trouxe à tona a importância do teste na hora do diagnóstico: “Os médicos têm de falar sobre a existência do exame, pois faz parte do tratamento. Utilizar a experiência do geneticista, não apenas tirar as mamas”.

Ela conta que geralmente, quem faz o teste é a primeira pessoa da família a apresentar a doença. E exemplifica: “É até triste, mas é comum uma mulher de 50 anos chegar aqui e falar que a irmã teve câncer nas mamas e ovários e pedir para fazer o teste. Daí, falamos que o correto é a irmã fazer. Só que a pessoa está mental e fisicamente exaurida, e se recusa”. No caso da atriz, sua mãe já havia realizado o teste.

Teste mais barato

O teste, que já foi mais caro, hoje sai por volta de US$ 3.500. “No Fleury usamos a Myriad Genetics, que tem um banco de dados enorme. Não são todos os laboratórios que estão preparados para avaliar as variações que podem ou não levar à doença”, diz Piazzon. Ela lembra que alguns planos de saúde começaram a reembolsar seus clientes pelo exame. “Lá fora isso é comum. Preferem investir no diagnóstico e prevenção a cirurgias ou exames quando a doença já se espalhou”.

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) publicou, em 12 de dezembro último, nota técnica com normas para assegurar a cobertura de exames genéticos pelos planos de saúde. Um dos exames contemplados é a análise dos genes BRCA 1 e BRCA 2, que aumentam o risco de câncer de mama. As diretrizes passam a valer a partir do dia 2 de janeiro de 2014.

Eduardo Millen comenta que à época da revelação de Jolie, a classe médica discutiu mais a técnica que ela usou, que é a de três tempos (três cirurgias). “Nós, aqui no Brasil, fazemos em um tempo único, de forma definitiva, a retirada e a reconstrução”.

Porém, Millen não poupa críticas à mídia que, na opinião dele, exagerou na divulgação, o que fez com que muitas mulheres, sem necessidade, pensassem em fazer o mesmo que a atriz.

“O que vimos foi uma banalização por parte da maioria da imprensa. Um caso como o da atriz representa menos de 5% dos totais de cânceres. Trata-se de mulheres com mutação genética. A cirurgia preventiva só vale para essas pessoas. Nas demais situações, o processo não é indicado, pois nenhuma cirurgia está livre de complicações. Quando uma paciente na casa dos 50 anos, que pressupomos irá viver mais uns 20, me procura com exame alterado, biópsia inconclusiva e contando que um parente morreu disso, ela chega assustada, querendo fazer a mastectomia profilática e eu explico: se você tem uma micose no dedo irá amputá-lo?”

Lado produtivo

A geneticista Fernanda Teresa, do Hospital Israelita Albert Einstein, comenta dois lados do “boom”. O produtivo, para ela, foi a atriz ter conscientizado as mulheres a se consultarem e mostrar que existiam exames para detectar a doença. “O lado negativo foi o modo como alguns interpretaram seu gesto, como se existisse só um exame e como se todas as pessoas precisassem retirar as mamas. Mas existem vários tipos de câncer”.

A médica conta que a demanda que surgiu após a divulgação foi “muito abrupta” e que chegou a aumentar a oferta de consultas em 60%. “Havia uma mistura de pacientes, uns com histórico de câncer na família e outros não. Até hoje atendo pessoas que tentaram marcar consulta naquela época, mas não conseguiram. Porém, o número diminuiu”.

Teresa admite que a atriz  também conscientizou os profissionais de saúde: “Eles começaram a entender melhor o câncer hereditário. Muitos perceberam que não conheciam muito ou que precisavam se atualizar ou se preparar melhor. Aquele 'boom' já passou, mas a conscientização ficou!”.