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Cubanos de "Mais Médicos boliviano" fogem para o Brasil e pedem asilo

Carlos Alberto e Dania saíram de Cuba para uma missão na Bolívia, de onde fugiram para o Brasil - Arquivo Pessoal
Carlos Alberto e Dania saíram de Cuba para uma missão na Bolívia, de onde fugiram para o Brasil Imagem: Arquivo Pessoal

Cármen Guaresemin

Do UOL, em São Paulo

27/03/2014 07h00Atualizada em 28/03/2014 18h35

Não é só com o Brasil que Cuba tem acordos firmados para a atuação de médicos na América do Sul. Os vizinhos Venezuela e Bolívia também contam com profissionais vindos da ilha. E, assim, como aqui, muitos tentam desertar e conseguir asilo político.

O médico Carlos Alberto Leyvan Cruz e a farmacêutica Dania Hernándo Suárez deixaram Cuba para uma missão na Bolívia em 2012. Na época, ainda não formavam um casal. Eles ficaram quase um ano atuando no país, e se envolveram afetivamente. Incomodados pelas regras do programa, resolveram fugir de lá cruzando a fronteira acompanhados por outros dois médicos cubanos, um radiologista e uma anestesista.

Os quatro chegaram ao Brasil andando. Na Bolívia, atuavam em Porto Soares, que faz fronteira com Corumbá, no Mato Grosso do Sul, cidade escolhida pela proximidade e pelo fato de terem conhecidos brasileiros na região.

Eles passaram um tempo na casa de uma brasileira que namorou outro médico cubano do programa boliviano que, com medo de que a família em Cuba sofresse represálias por causa do relacionamento com alguém de outra nacionalidade, decidiu voltar para o país de origem.

Agora, o casal vive junto em uma casa alugada com o salário que o médico obtem trabalhando como marceneiro. “Aprendi esta profissão com meu pai, graças a Deus, e isso que está me mantendo”, conta Cruz. 

Controle

Cruz explica por que resolveu fugir: “Era muita pressão no trabalho, não permitiam que mantivéssemos contato e nos relacionássemos com os locais, não podíamos sair do alojamento após as 18 horas, ficavam nos controlando”.

Ele, a companheira e os colegas não estavam com os passaportes, que ficaram com o chefe 'da brigada', ou seja, o responsável pela missão, logo que chegaram à Bolívia. Isso também ocorreria com os cubanos que vieram para o Mais Médicos no Brasil, segundo denúncia do Conselho Federal de Medicina (CFM). Já o Ministério da Saúde rebate a informação. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, os cubanos, quando chegam ao país, entregam os passaportes à Polícia Federal para que seja providenciada a documentação local, inclusive a abertura de uma conta bancária. Em seguida, o passaporte seria devolvido.

O grupo atravessou a fronteira sem nada e foi à Polícia Federal que, segundo Cruz, os tratou muito bem. Tiraram CPF e identidade nacionais e pediram asilo político por meio do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).

Ele conta, também, que os quatro precisarão se apresentar a cada seis meses à Polícia Federal. Na verdade, o sonho de todos é participar da próxima prova do Revalida para que possam atuar como médicos no Brasil. Eles até tentaram se inscrever no programa Mais Médicos, mas, como são desertores, não foram aceitos. 

Cruz recebia cerca de US$ 700 (aproximadamente R$ 1.615) na Bolívia, mas diz que a forma de pagamento era parecida com a feita no Brasil, ou seja, eles ficavam apenas com uma pequena parte do salário. Ele diz que pediu ajuda à Associação Médica Brasileira (AMB) do Mato Grosso do Sul para tentar resolver a situação do grupo.

Ajuda brasileira

O presidente da AMB-MS, Fábio dos Santos Magalhães, afirma que a associação foi procurada pelos médicos em fevereiro: “Vieram de Corumbá, que fica a uns 400 km da capital, e só tive contato com eles naquele dia”.

Magalhães conta que a maior preocupação da entidade era conseguir alguma atividade para que eles pudessem sobreviver. “Entre eles há uma médica anestesista. Pensamos em colocá-la para atuar como auxiliar, mas para isso, ela teria de ter um curso técnico de enfermagem, que é obrigatório”.

Ele conta que ficou sensibilizado, em particular, com o caso da anestesista, que veio com o casal: “Ela comentou com algumas pessoas que havia cortado e vendido o cabelo para poder comprar uma sandália e vir até aqui. São pessoas muito simples”.

Quando questionado se o grupo poderia fazer o próximo Revalida, Magalhães conta que isso, no momento, seria impossível: “Eles viram um modelo de prova e disseram que passariam, porém, para se inscrever, precisariam apresentar o histórico escolar”.

Como são desertores, as chances que Cuba permita que documentos sejam enviados são muito baixas. “Nossa preocupação atual é que eles consigam alguma atividade para que possam sobreviver e se manter no país”, encerra Magalhães.

A assessoria de imprensa da AMB afirmou que a entidade pediu uma audiência com o Ministro das Relações Exteriores para que esse impasse da liberação dos históricos escolares dos cubanos seja resolvido de governo para governo e que está aguardando uma resposta.

Além disso, confirmou que a entidade "se dispôs a prestar a esses profissionais cubanos, que estão em situação de instabilidade política no Brasil e sem suporte de seu governo, toda a assessoria jurídica nos trâmites legais para pedido de refúgio/asilo político. Como também estão impossibilitados de exercer a medicina, a entidade se prestará a auxiliá-los na indicações de outras atividades para que consigam se manter financeiramente no país, e, consequentemente, tenham condições dignas para estudar e prestar a prova de revalidação".