Minha filha dizia: "tô fazendo esses desenhos pa voxê ficá boa logo"

Por Deborah Aquino

  • Arquivo pessoal

    Debora Aquino ficou preocupada com a reação da filha ao ficar careca, mas percebeu que não havia motivo

    Debora Aquino ficou preocupada com a reação da filha ao ficar careca, mas percebeu que não havia motivo

Tudo começou em abril de 2013, quando eu senti um nódulo em autoexame na mama esquerda, próximo à costela. Fiquei apavorada, liguei pro meu gineco e fiz a mamografia e o ultrassom. Esses exames acusaram quatro nódulos, mas todos com aspecto de benigdade. Achei estranho, procurei outros médicos e todos continuaram afirmando que não era maligno.

Fiquei meses insistindo com os médicos até que me pediram uma biópsia, que foi confirmada após a operação de retirada do nódulo: Eu tinha câncer! Recebi a notícia por telefone, quando estava com minha filha Duda no consultório da minha dermatologista. Ela olhava pra mim e dizia: "Mamaezinha, não chola". Sabe a primeira coisa que me veio à cabeça? Quanto tempo eu deixei de passar com ela, quantas vezes ela me chamou pra brincar e eu falava "pera um pouquinho que a mamãe está respondendo uma coisa". Quantas vezes ela me pediu pra ir no parquinho, pra vir na janela ver uma estrela e eu queria ver um programa na TV. E agora estava ali, sem saber realmente o que eu tinha, se todos os outros nódulos eram malignos, se tinha quimio, se tinha metástase. Se eu ia vê-la crescer, se ia ver ela aprender a ler e escrever, se ia vê-la ficar mocinha, enfim… não é piegas, gente. É isso. Você vê a morte ali na tua frente.

Como disse, ela estava no dia que recebi a notícia. A Dra Chris, minha dermato, pegou a Duda e foi brincar com ela até eu me acalmar. Eu não sabia como lidar com ela, aí, conversando com a Carol Buffara, ela me disse: 'Faça como naquele filme A VIDA É BELA. Não esconda nada, mas faça de um jeito lúdico". E foi essa a nossa opção (minha e do Fábio, meu marido). Sentamos com ela e explicamos que a mamãe tinha um dodói no peito e que ia dormir três noites no hospital. Quando voltei pra casa, com dois drenos e sem mobilidade do braço esquerdo, eu sempre a chamava pra ajudar minha mãe ou o Fabio nos curativos. Ela ia pra academia, lá tem um 'child care', fazia desenhos, voltava e dizia: "mamãe, eu tô fazendo esses desenhos pa voxê ficá boa logo, tá?". Não tem como você não tirar forças disso.

Quando comecei a quimio, resolvemos não falar nada. Podia ser que eu tivesse reações péssimas, podia ser que não. Na terceira quimio, fiquei muito mal. De cama, sem conseguir abrir os olhos. Então, quando melhorei, dissemos pra ela: "Duda, lembra o dodói que a mamãe teve no peito? Então, agora, a mamãe vai tomar uma vacina da Bela Adormecida, que dá muito sono. "Sabe o que ela disse? "Mamãe, não tem poblema. Eu te empesto meu pincipe (o Fabio)". Em relação à careca, o problema é mais na nossa cabeça que na das crianças. Ela usa lenço junto comigo, quando ela quer. Porque ela queria ficar careca, rs. Então tivemos a ideia do lenço.

MUDANÇAS: Fisicamente, tantas… rs. Desde o cabelo que cai, às cicatrizes da cirurgia, o catéter que fica subcutâneo, mas dá pra ver porque sou magra. Perdi um pouco de massa magra, mas, sinceramente, as físicas são o de menos num processo como esse. Você passa a dar valor pra outras coisas. Eu era bem neura com corpo, principalmente depois da gravidez da Duda, mas muda. Não tem como não mudar. A vida saudável hoje, não é pra ser sarada. É pra viver. Psicologicamente, posso te dizer que aquela Deborah, morreu dia 18/12/13. E outra nasceu dia 28/12/13, que foi quando operei. Eu não sei te dizer ainda quem é essa nova Debs. Sei que é mais paciente, mais comprometida com a minha família. Eu tenho 304985734087 grupos de WhatsApp, as pessoas reclamam porque não sou mais tão ativa, porque não respondo, porque não ligo. Esse é um momento muito meu.

O câncer é um processo de autoconhecimento profundo. Parece que alguém foi lá no baú, onde você tinha tudo guardado, abriu e falou: "Agora arruma essa bagunça". Eu aprendi que amigos não são aqueles que você precisa falar a toda hora. Amigos são aqueles que mesmo sem você falar há anos, são aqueles que te mandam uma mensagem, que sabem que você não vai responder porque está no seu momento e sabem que se você precisar, você vai gritar. Eu deixei de ter 50 turmas, pra ter poucos e bons amigos. Não estou amarga. Estou introspectiva. Nunca olhei pra dentro de mim efetivamente. E é MUITO difícil você dar de cara com você mesmo, sem máscaras. Mas é engraçado que, quando você se olha no espelho e fala: "Quem é você?", vêm muitas respostas, vêm muitos insights, vêm um filtro que tira e põe pessoas na sua vida. Com o câncer eu aprendi a não guardar mais nada. Senti, eu falo. Não sou grossa, não é meu jeito, mas tenho procurado ser mais sincera e menos política. Aprendi a redimensionar problemas. Antes uma dor na calcanhar era o fim do mundo. Hoje, cada problema tem seu devido espaço, inclusive o câncer.

Quando passei na primeira consulta com o onco ele me disse: "você tem que fazer atividade física. Não pode parar, mas o seu limite é o seu cansaço. Não é pra correr uma maratona". Nas duas primeiras quimios, eu conseguia correr bem, estava correndo 10 km 3x por semana, ainda. mas eu amo correr. E, pra mim, tem que ter prazer. A partir da terceira, virou um horror, porque ficava muito cansada. Então fiquei com a natação e a musculação até o fim do tratamento. Eu só posso dizer uma frase minha que adotei com mantra: QUEBRAR NÃO É UMA OPÇÃO NEM NA CORRIDA NEM NA VIDA. Não desista. Tem horas que dá vontade de mandar tudo pra pqp? Têm. Para, respira e pensa que a cura está bem ali na linha de chegada. E faça de tudo para garantir qualquer % de cura. Eu sempre digo: 1% de R$ 1,00 é pouco, mas 1% da minha vida? Meu deus! É coisa demais da conta.

O que me motiva: minha família. tenho uma filha LINDA, ESPECIAL MESMO. Tenho um marido parceiro, leal, paciente. Não é qualquer um que aguenta esse processo todo. O Fabio está a pessoa mais importante nisso tudo, em termos de conversar comigo, de me ouvir, de me dar colo. Sei que vamos sair outro casal disso tudo. E minha mãe, que é uma guerreira de vida. Queria ser metade do que ela foi quando descobriu o câncer de mama dela. O câncer me trouxe pessoas de volta, amigas que eu não via há anos. Me trouxe poucas e novas amigas, mas que têm sido igualmente importantes. Tirou da minha vida pessoas que não eram pra ficar. Sem mágoas! E me trouxe uma nova Debs, muito, mas muito melhor. Eu tirei um período "sabático", vamos dizer assim, durante a quimio. Você tem por direito esse período. Quis ficar mais com a Duda, escrever, porque me alivia a alma, pintar. Meu tratamento foram quatro quimios vermelhas, uma a cada 14 dias e, agora, 12 brancas uma por semana. Como tirei linfonodos da axila, fiquei com uma restrição de movimento, então faço fisio. E vou pra academia três vezes por semana. "Estou" mãe e dona-de-casa.

O prognóstico é bom! Meu tumor, apesar de ser um carcinoma invasivo e nao in situ, que seria o melhor de todos os prognósticos, era grau 2, chances de metástases baixas, o Dr Wlademir diz que é um tumor bonzinho, rs. Não existem 100% de chance de cura. Depois desse tratamento, tenho dez anos de um comprimido chamado TAMOXIFENO, para garantir mais um pouquinho. Esse período é o chamado estado de vigília. Depois de dez anos eles te consideram curada. No meu caso tenho 95% de chances de cura. É muito!!! Então estou pensando por etapas. Não posso também ficar neurótica, como fiquei há um tempo atrás, achando que ia ter recidiva por causa desses %%. A partir daí, a cabeça vai mandar nisso. A DEBS DE ANTES E A DE AGORA: Nasceu uma MÃE. Eu era um mulher que tinha uma filha linda, que adorava brincar de "boneca". Hoje, sou mãe. Posso dizer que sei o que é isso só hoje. Acho que foi a maior mudança, sem duvida nenhuma! 

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