Novo vírus transmitido pelo mosquito da dengue pode chegar ao país em breve
Uma equipe de pesquisadores franceses e brasileiros alerta que o vírus Chikungunya está prestes a invadir e se tornar uma epidemia sem precedentes nas Américas, de acordo com a pesquisa publicada no “Journal of Virology”, publicado pela Sociedade Americana de Microbiologia.
Apesar de ainda ser uma doença desconhecida no país, os riscos de uma epidemia de proporções catastróficas nas Américas são impulsionados pela Copa do Mundo, que será realizada no Brasil em junho e julho, o que significa pessoas vindo de outros países ou cidades para ver os jogos em Estados de diferentes regiões do país.
“O Brasil continua a ter uma alta incidência de dengue, cujo vírus é transmitido pelo Aedes aegypti e Aedes albopictus, os mesmos mosquitos que transmitem a Chikungunya”, afirma um dos pesquisadores, o epidemiologista Ricardo Lourenço de Oliveira, do Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro.
A base de suas preocupações é o estudo no qual ele e seus colaboradores compararam a capacidade de 35 populações das duas espécies Aedes transmitir três genótipos diferentes de Chikungunya. Essas populações variam nas Américas seja em Buenos Aires, na Argentina, ou em Tyson, Missouri, perto de St. Louis, nos Estados Unidos. Mesmo num clima temperado como no Missouri, o Aedes albopictus foi encontrado por ter uma elevada capacidade de difusão e transmissão de dois dos três genótipos do Chikungunya.
Dores e incapacidade
A doença pode causar dor articular grave, que por vezes pode levar à incapacidade permanente, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. A mortalidade é de uma pessoa a cada 1.000. A tradução do nome do vírus reflete a condição de muitos dos atingidos: Chikungunya quer dizer “curvar-se ou contorcer-se ou aquele que se dobra" no idioma makonda da Tanzânia.
“A Chikungunya manifesta-se com uma fase febril aguda que dura de dois a cinco dias, seguida de uma doença prolongada que afeta as articulações das extremidades. Uma parte dos infectados pode desenvolver a forma crônica da doença, com a permanência dos sintomas, que podem durar entre seis meses e um ano”, alertou o infectologista Jessé Reis Alves, responsável pelo Check-up do Viajante do Fleury Medicina e Saúde, em uma entrevista para o UOL em fevereiro deste ano.
A primeira transmissão de Chikungunya relatada nas Américas foi em dezembro de 2013, na ilha caribenha de St. Martin. Em fevereiro do mesmo ano, a doença se espalhou para nove países do Caribe.
"O perigo dos vírus da Chikungunya se espalhar pelas regiões tropicais, subtropicais e temperadas, mesmo das Américas, é maior do que nunca", diz Oliveira. "Nossos resultados mostraram que as Américas são muito receptivas e vulneráveis à transmissão do CHIKV [vírus chikungunya] e estão extremamente expostas à ocorrência de uma epidemia imediata, uma vez que a maioria das regiões está altamente infestada pelos dois vetores", alerta o pesquisador.
"Este vírus está bastante presente na Ásia e apareceu com força no Caribe. Já tivemos casos no Brasil, de pessoas que viajaram e trouxeram o vírus. Corremos riscos se receber pessoas infectadas. Apesar de ser mais arrastada e debilitante, no início a doença lembra a dengue, por isso preocupa, pois os profissionais da saúde podem confundi-las", diz Alves.
Doenças negligenciadas
Lucio Freitas, coordenador do Laboratório de Bioensaios do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do CNPEM, está focado em avançar as pesquisas relacionadas a doenças negligenciadas. Segundo ele, no Brasil, esses males seriam: doença de Chagas, doença do sono, leishmaniose, malária e dengue, que continuam atingindo grande número de pessoas.
Além delas, O LNBio está voltando seus esforços também contra a Chikungunya (CHIKV) ou “febre tropical”, como Freitas a chama. Segundo ele, a CHIKV estava no coração da África há 30 anos e, agora, a história se repete, a exemplo da dengue.
Ele conta que o vírus mostrou seu poder de adaptação. Ele foi identificado pela primeira vez na Tanzânia, em 1952. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), desde 2005 quase dois milhões de casos foram informados na Índia, na Indonésia, nas Maldivas, em Mianmar e na Tailândia. Houve epidemias da doença na ilha francesa de Reunião, a leste de Madagascar, em 2006, e no norte da Itália, em 2007.
Exportação
“Europeus, japoneses e australianos têm doenças típicas do Brasil. Isso acontece porque o brasileiro exporta essas doenças mesmo sem querer. Os mosquitos transmissores estão se adaptando a outras regiões (e não mais só as de clima tropical) devido ao aquecimento global, por isso áreas mais populosas estão tendo casos de malária, como China e Índia, que também sofrem com Chikungunya”, diz o pesquisador.
Isso despertaria o interesse das farmacêuticas para investir em pesquisas de doenças negligenciadas, porque é estratégico, na opinião de Freitas.
“Não tinha como prever essas doenças 20 anos atrás. A Coreia do Sul é um país inteligente que investe em pesquisas sobre doenças negligenciadas sem ter essas doenças no país porque tem visão de que é um mercado rentável”, conta ele, lembrando que Reino Unido e Austrália também estão competindo com pesquisas relacionadas ao Chikungunya, mas só o Brasil tem triagem secundária.
As primeiras triagens avaliam a ação de milhares de compostos contra um só tipo de determinada doença. As substâncias, avaliadas como promissoras nestes primeiros testes, seguem para os ensaios secundários. Estes ensaios testam essas substâncias pré-selecionadas contra vários tipos da doença estudada. No caso da dengue, por exemplo, os ensaios secundários testam os compostos promissores contra os quatro sorotipos da doença. Desta forma, aumenta-se a chance de obtenção de um fármaco eficaz contra diferentes variedades de uma mesma doença.
“Chikungunya vai estar, em pouco tempo, onde hoje o mosquito da dengue está, nas projeções do CDC americano (Center for Disease Control and Prevention – Centro de Controle e Prevenção de Doenças), e o Brasil será muito afetado com isso. Com o aquecimento global, algumas áreas que estavam protegidas estão sendo infectadas. Existem casos de Chikungunya em que as pessoas ficam de 3 a 12 meses de cama”, adverte Freitas.
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