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Exercício dirigido previne má distribuição de gordura em paciente com Aids

A atividade física dirigida é a receita para prevenir e melhorar o quadro de lipodistrofia (má distribuição de gordura) em pacientes com Aids - Agência de Notícias da Aids
A atividade física dirigida é a receita para prevenir e melhorar o quadro de lipodistrofia (má distribuição de gordura) em pacientes com Aids Imagem: Agência de Notícias da Aids

Fátima Cardeal

Da Agência de Notícias da Aids

25/04/2014 13h04

Nem todo o mundo com HIV vai ter lipodistrofia, má distribuição da gordura que causa alterações físicas nas pessoas em tratamento. Muita gente nasce com o vírus, cresce tomando antirretrovirais e envelhece sem apresentar um único desses sintomas. Mas, como ninguém sabe de antemão se vai ou não ter, o certo é prevenir. E não há melhor forma de fazer isso do que começar, o quanto antes, a fazer exercícios físicos.

Como faz questão de dizer André Luiz de Seixas Soares, pós-graduado em condicionamento físico para grupos especiais e em reabilitação cardíaca, exercitar-se faz bem para todo o mundo. O fator HIV torna a prática ainda mais necessária para combater e prevenir a lipodistrofia e, de quebra, beneficia a saúde em geral. “O exercício muda a composição corporal, deixando-a com um aspecto mais harmônico”, explica.

Leonardo Emmanuel Cerqueira Rêgo, criador do Saúde Mais, projeto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que, entre outras atividades, capacita professores de educação física para trabalhar com soropositivos, diz que, com exceção do rosto, não há área do corpo predisposta à lipodistrofia que uma atividade física bem direcionada não possa atingir. “Um treinador preparado sempre vai encontrar uma modalidade que atue na prevenção e na recuperação. Único efeito que ele não atinge é a lipoatrofia facial, a perda de gordura no rosto, que é corrigida com preenchimento.”

O educador físico Reinaldo Sobrinho, que ajudou a implantar o programa Malhar e Viver Mais para pessoas vivendo com HIV nos Serviços de Atenção Especializada (SAEs) da prefeitura de São Paulo, ensina que é essencial combinar atividades aeróbicas (caminhada, bicicleta, corrida), musculação e dieta equilibrada. “Com isso, além de ganhar massa magra (músculo), a pessoa fortalece o coração, evita dores nas articulações, ganha condicionamento físico, queima gordura e mantém o peso, condições importantes no tratamento”, diz Reinaldo.

Como e onde se exercitar

Quem tem HIV necessariamente não precisa de um programa específico de atividade física, mas é preferível que tenha acesso a um. Infelizmente, é raro encontrar essa especialidade nos serviços públicos.

O professor André ressalta que muitos estudos provam que o educador físico preparado para trabalhar com pessoas vivendo com HIV é tão importante para garantir a saúde dos pacientes como outros profissionais que atuam com o infectologista -- dentista, nutricionista, farmacêutico, enfermeiro. “Esse treinador sabe tirar o melhor desempenho físico do aluno sem sobrecarregar o sistema imunológico dele”, explica André. “Além do mais, acolhe sem fazer distinção”, completa Reinaldo Sobrinho.

André acha que, se houvesse mais consciência e respeito na sociedade, esse perfil de treinador faria parte do quadro de todas as academias. “Aliás, a própria academia deveria colocar a prática de exercício como questão prioritária de saúde, não de beleza. E os seus funcionários deveriam saber acolher todas as diferenças. Se a academia não serve ao aluno, é ela que é inadequada, não ele.”

E o que acontece é que, nas academias particulares, o culto ao corpo e à beleza prevalece sobre a saúde, o bem-estar e o discurso dos treinadores – e isso afasta as pessoas com lipodistrofia, que se sentem discriminadas. Essa foi uma das maiores queixas dos usuários do Malhar e Viver Mais ao receberam a notícia de que o projeto vai acabar.

O Malhar e Viver Mais funciona gratuitamente dentro de quatro SAEs da Prefeitura de São Paulo. Começou em 2006, em oito, e foi diminuindo até que, no começo de abril, seus três treinadores foram avisados de que suas atividades se encerram no fim de maio.

Segundo o Programa Municipal, o projeto vai passar por readequação e eles estão buscando alternativas em outros lugares, como os Clubes da Comunidade (CDC) e parcerias com outras instituições de atividades físicas. Os usuários do programa temem que a mudança deixe de lado a atenção ao acolhimento.

“Poder ir para uma academia onde um professor cuida da gente com carinho, sabe lidar com a nossa situação e nos dá os exercícios adequados é a nossa maior motivação”, diz Alice Bosco, 55 anos, que faz ginástica no SAE Ipiranga. “Não vou para outro lugar pra cair nas mãos de treinadores que podem me dar um exercício errado e ainda me tratar com preconceito.”

Alice conta que, ao começar no programa, tinha muita lipodistrofia e baixíssima autoestima. “Meu abdomem estava enorme, minhas pernas, fininhas. Agora, pareço uma menininha, estou com o corpo lindo”, orgulha-se.

André, que também é formado em Programas de Saúde pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, lamenta o fim desse projeto. “Precisamos é de muito mais iniciativas como essa na rede pública”, defende. “Há muito tempo, a ginástica passou do status de coadjuvante para o de terapia não-medicamentosa. Isso porque ela traz melhoras em todos os aspectos, não só físico e biológico.”

Não é à toa que os infectologistas indicam a atividade física para todos os pacientes, independentemente da lipodistrofia. “Faço ginástica por recomendação médica, porque eu não dormia, comia mal, vivia indisposto, com colesterol alto. Com as aulas, tudo isso melhorou”, diz Cícero Oliveira, 72 anos, também usuário do Malhar e Viver Mais no SAE Ipiranga.

Frequentadores do projeto também falam muito dos benefícios trazidos pela convivência com outras pessoas. “Lá, trocamos informações e discutimos vários assuntos”, diz o bancário aposentado Luiz Neto de Almeida, 51 anos.

O que fazer enquanto o governo não age

O certo, concordam médicos e educadores físicos, é que quem vive com HIV não pode esperar pela boa vontade dos governos para começar a se exercitar. São poucas, mas há algumas Ongs que oferecem programas de ginástica gratuitos, como o Instituto Vida Nova, na zona leste de São Paulo. Com apoio do Programa Municipal, ela mantém a academia Malhação Vida Nova -- há aulas de alongamento, coordenação e força muscular, hidroginástica, aeróbica, pilates, dança.

“Os alunos chegam à Vida Nova com baixo autoestima, por causa da imagem corporal, e nos dizem que querem controlar a lipodistrofia”, diz a educadora física Mércia Alves. “É um processo e o resultado depende do esforço individual. Quanto mais foco e determinação, mais rápido a pessoa conquista melhorias.”

Há alguns educadores físicos especializados que dão aulas particulares, para um grupo ou uma única pessoa. Outros oferecem consultoria.

Seja como for, de um jeito ou de outro, numa academia particular, sozinho, com professor ou em grupo, tanto Reinaldo quanto André insistem que é preciso malhar. André dá algumas dicas para quem vai começar. Anote:

- Antes de tudo, converse com o seu médico e diga que quer fazer uma avaliação cardiológica antes de iniciar qualquer atividade física. Isso é importante para todo o mundo, mais ainda para as pessoas com HIV, pois elas têm risco cardíaco maior.

- O progresso no ritmo das atividades deve ser suave. Comece fazendo dez minutos de atividade moderada (caminhada no parque, na praça ou na rua, bicicleta, natação) cinco vezes por semana. Vá acrescentando cinco minutos por semana até chegar a 30 minutos. Mantenha os 30 minutos cinco dias na semana. A intensidade (dos passos) deve ser suficiente para ficar cansado mas insuficiente para se sentir exausto. 

(Agência de Notícias da Aids)