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Trombose venosa profunda atinge especialmente as pessoas mais jovens

A TVP ocorre quando se forma um coágulo sanguíneo no interior das artérias ou veias profundas - Getty Images/iStockphoto
A TVP ocorre quando se forma um coágulo sanguíneo no interior das artérias ou veias profundas Imagem: Getty Images/iStockphoto

Chris Bueno

Do UOL, em São Paulo

12/05/2014 07h00

De repente, a perna fica quente, inchada, rígida e dolorida, e a pessoa não consegue andar ou realizar suas tarefas rotineiras. Essas são algumas das manifestações da trombose venosa profunda, terceira doença cardiovascular mais frequente no mundo. Com alta taxa de mortalidade, o problema compromete significativamente a qualidade de vida, sendo que grande parte das pessoas que desenvolvem a doença é formada por jovens.

A TVP ocorre quando se forma um coágulo sanguíneo (o trombo) no interior das artérias ou veias profundas, obstruindo a veia e impedindo a circulação de sangue no local. Ela ocorre mais frequentemente na perna ou na coxa, mas também pode atingir outras partes do corpo.

 “A trombose venosa profunda consiste na obstrução total de uma veia troncular pela formação de um coágulo. Pode afetar qualquer parte do corpo, porém a mais famosa é a que ocorre nos membros inferiores (pernas)”, explica o cirurgião vascular Nelson Wolosker, do Hospital Israelita Albert Einstein.

“Entre 50% a 60% dos casos atendidos no meu consultório são pacientes jovens, entre os 20 e 40 anos de idade. Essa é a faixa de idade que as pessoas estão mais expostas aos fatores que desencadeiam o processo de trombose como gravidez, uso de anticoncepcional ou hormônios, tabagismo, acidentes, fraturas e traumas, cirurgias e  viagens de avião, entre outros”, diz o cirurgião vascular Francisco Osse, diretor do Centro Endovascular de São Paulo.

Esse é o caso do especialista de soluções logísticas Igor Pereira da Silva, que teve o problema com apenas 29 anos de idade. “Tive TVP depois que precisei fazer uma cirurgia de linfadenectomia (remoção cirúrgica de um ou mais grupos de linfonodos) por consequência de um tratamento de câncer que tive um ano antes. Eu estava ainda no hospital com uma dor horrível, não consegui sair andando depois de ter alta”, termina.

Qualidade de vida

A TVP compromete significativamente a qualidade de vida. A dor no local impede que a pessoa exerça suas atividades diárias e requer longos períodos de repouso. Além disso, se não tratada adequadamente, pode-se desenvolver úlcera na perna. 

“A presença de uma ulceração crônica na perna tem grande influencia negativa na qualidade de vida dessas pessoas. Além de causar dor e desconforto diários, há dificuldade na manutenção do emprego, na convivência de seu portador não só com seus familiares como com seus amigos, pois geralmente essas lesões eliminam secreção que muitas vezes exala odores próprios”, aponta Marilia Duarte Brandão Panico, professora de Angiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Silva relata o impacto da doença em sua vida. “Foi muito impactante porque eu havia acabado de terminar um tratamento duríssimo, uma verdadeira batalha contra um tumor de testículo com metástase no retroperitônio que durou mais de um ano e quando havia pensado que estava tudo bem, a trombose, logo no início, me impediu de andar, pois não conseguia sequer ficar de pé sem sentir dores”.

“Minha qualidade de vida, simplesmente deixou de existir. Passei quatro meses de repouso pois não consegui vestir a meia de compressão, porque minha perna estava muito inchada, e para poder ficar de pé, dependia de todos para tudo. Não podia cuidar nem do bebê sozinha, era completamente restrita ao leito e dependente”, conta a corretora de imóveis Sabrina Doro Feltran Gonzales, que teve TVP aos 35 anos, após um parto cesárea. “Minha perna esquerda estava muito inchada, vermelha, tinha petéquias (pontinhos vermelhos) por todos os lados nela e sentia muitas dores”, diz.

Riscos

Na fase inicial da TVP, ocorre um processo inflamatório nas regiões próximas, o que causa dor, inchaço, mudança da coloração da pele, aumento da temperatura e endurecimento dos músculos próximos ao local da trombose. No entanto, em cerca de 50% dos casos, o trombo se instala na veia sem provocar manifestações locais e pode passar desapercebido – o que é uma situação de grande risco.

“Algumas vezes, a TVP pode ocorrer sem dor, principalmente quando são pequenos coágulos que se formam dentro das veias dos músculos da panturrilha. Com isso, a pessoa continua sua vida trabalhando e caminhando normalmente, o que favorece ao desprendimento desses pequenos coágulos que migram para dentro do pulmão, caracterizando o quadro clínico de embolia pulmonar. Portanto, nesses pacientes, o primeiro sintoma pode ser dor no peito ao respirar ou mesmo falta de ar”, explica a professora.

A principal complicação da trombose é a embolia pulmonar, responsável por 15% dos casos de mortes súbitas no Brasil. “Se não tratada, a TVP pode evoluir imediatamente para uma embolia pulmonar, que gera risco iminente de morte, motivo pelo qual o tratamento tem que ser imediato”, alerta Wolosker.

Trombos grandes podem afetar mais de uma artéria pulmonar e causar dor torácica de início repentino ou que vai aumentando de intensidade, além de falta de ar, aceleração dos batimentos cardíacos e da respiração, palidez e ansiedade. Pele e unhas azuladas, tosse seca ou com sangue, dor aguda no peito e febre podem ser sinais de oclusão de uma ou mais artérias do pulmão e de infarto pulmonar.

Além disso, pessoas que tiveram uma TVP na perna que não foi tratada adequadamente podem desenvolver Síndrome Pós-Trombótica (SPT). A SPT ocorre quando não existe a recanalização natural das veias que trombosaram porque os coágulos permaneceram lá sem serem dissolvidos pelo próprio organismo ou porque os trombos permaneceram no interior das veias sem serem retirados a tempo.

“As consequências são alterações da pele, que endurece, além do aparecimento de manchas escuras e, eventualmente, feridas nas pernas, além de dor, inchaço, coceira, cansaço e sensação de peso. Isso tudo, na maioria das vezes, leva a problemas de ordem familiar, social e profissional”, aponta Osse.

Algumas pessoas podem desenvolver a doença por ter predisposição genética. Mas existem outros fatores de risco. “Obesidade, gravidez e pós-parto, uso de hormônios, cirurgias de longa duração, repouso prolongado, traumas, varizes, tabagismo, insuficiência cardíaca e/ou respiratória, desidratação, câncer e viagens aéreas  ou terrestres que levam a longos períodos sentados podem contribuir para o desenvolvimento da doença”, explica o cirurgião vascular e endovascular Carlos Alberto Razaboni, do Hospital Samaritano de São Paulo.

Tratamento

O tratamento convencional é feito com repouso na cama, medicamentos anticoagulantes e meias elásticas para interromper o processo de formação de novos coágulos dentro das veias. “O paciente tratado desta forma continua com os coágulos formados anteriormente nas veias obstruídas, o que em alguns anos pode levar à Síndrome Pós-Trombótica. Aproximadamente 70% dos pacientes tratados pelos métodos convencionais vão ter este tipo de problema no futuro. A maioria deles levará a vida com algum tipo de incapacidade, apesar das meias elásticas, elevação das pernas e medicações anticoagulantes”, declara Osse.

Quando foi diagnosticada com TVP, Gonzales passou pelo tratamento convencional, mas não obteve melhora. “Fui medicada com anticoagulantes, fiquei oito dias hospitalizada e depois fui orientada a procurar meu médico para dar continuidade ao tratamento, o qual me indicou o uso das meias compressivas e os anticoagulantes. Não obtive resultado algum com o tratamento hospitalar”, relata.

Silva também não teve a resposta esperada com o tratamento convencional. “Meu primeiro tratamento consistiu em controlar os sintomas usando anticoagulantes. Isso me ajudou a voltar a andar, mas de forma limitada, não conseguia andar por muito tempo e minhas passadas não podiam ser muito rápidas sem que eu sentisse dores”.

O tratamento mais recente para a doença é a revascularização endovascular, que reconstrói as veias trombosadas. Nessa técnica, são utilizados cateteres que injetam uma medicação que dissolve os coágulos, e assim as veias são recuperadas e o sangue volta a circular normalmente. Nos casos de tromboses mais antigas, onde os coágulos foram transformados em cicatrizes dentro das veias, pode existir a necessidade de abrir as veias com cateteres ou balões – as chamadas angioplastias – e às vezes até a colocação de próteses metálicas que manterão as veias abertas – os stents. “Com essas aplicações, o tratamento é minimamente invasivo (sem cirurgias) da oclusão venosa por trombos, evitando complicações imediatas, como a embolia pulmonar, e as complicações tardias, como a síndrome pós-trombótica”, destaca Osse.
 
Silva passou por esse tratamento e relata que hoje consegue realizar suas atividades normalmente. “Hoje, após cinco anos, tenho uma vida normal, como se não tivesse passado por nada disso, não preciso usar meias especiais para a circulação. Apenas faço uso de um anticoagulante para controle, mas é só”.

Estilo de vida

Para prevenir a doença é preciso em primeiro lugar melhorar o estilo de vida. E para isso a prática frequente de exercícios e a alimentação balanceada são fundamentais. Além disso, é preciso manter o peso dentro dos limites saudáveis, não fumar e restringir o consumo de bebidas alcoólicas. Pessoas com predisposição a desenvolver TVP precisam buscar se movimentar logo após longos períodos de imobilização (como viagens de avião, por exemplo), depois de cirurgias e quando tiverem necessidade de permanecer em repouso por muito tempo.

“É preciso fazer caminhadas regularmente e exercícios. Se tiver que permanecer sentado por muito tempo, procurar  movimentar os pés como se estivessem  pedalando uma máquina de costura. Quando estiver em pé, parado, mexer-se discretamente, como se estivesse andando, sem sair do lugar”, recomenda Razaboni.

Após a recuperação da TVP, Gonzales realizou mudanças significativas em seu estilo de vida, passando a se alimentar melhor e praticar exercícios físicos. “Minha única restrição médica é com relação a atividades de impacto, porque não posso fazer”, diz.

Silva também mudou seu estilo de vida. “Hoje procuro muito mais valor e qualidade de vida. Passei a praticar exercícios em academia e me esforço muito para controlar o estresse, desenvolvendo hábitos saudáveis como boa alimentação e foco no que realmente é possível fazer. Procuro levar uma vida com o pé no chão, com muita responsabilidade e desejando muito viver”, diz.