Topo

Rio: hospital federal tem 14 mil em fila de cirurgia; idosa espera há anos

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

10/09/2014 06h00

Entre os mais de 14 mil pacientes à espera de cirurgia no Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad), no Rio de Janeiro, está a aposentada Ilma Pereira Bazílio, 67, que diz ser uma das veteranas da fila. Segundo a idosa, há sete anos, ela aguarda uma artroplastia primária de joelho (operação para substituição ou reparação da articulação do joelho) na esperança de dar fim a uma dor que a acompanha desde 1999, quando foi diagnosticada com um tipo de artrose (gonartrose bilateral avançada).

A fila de pacientes que aguardam cirurgia no Into é objeto de uma ação civil pública da Defensoria Pública da União, que cobra do governo federal um plano concreto de ações para reduzir a longa lista de espera. Segundo a DPU, mais de 50% desses pacientes estão acima dos 60 anos de idade, assim como Ilma. Ao UOL, a assessoria do Into informou que a direção do hospital está negociando a assinatura de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta).

"O Into vem tomando diversas medidas para diminuir essa fila de espera ou fazer com que essa fila demore menos tempo em determinadas cirurgias. De 2012 para cá, a nossa fila passou de 21 mil para 14 mil. Mas existe uma demanda imensa no Into em relação a cirurgias de alta complexidade de ortopedia", explicou o vice-diretor do Into, Naasson Cavanellas. "Até o ano passado, essa demanda era muito maior do que a nossa produção. Portanto, a fila vinha aumentando a cada ano. Nós conseguimos equilibrar alguma coisa entre a demanda e a produção."

O médico disse que, desde o ano passado, a direção do Into tem feito uma detalhada revisão da fila de pacientes com o objetivo de reduzi-la. "Existem filas de pacientes que estão aqui há muito tempo. Alguns possivelmente já operaram em outros locais, já desistiram de operar, já faleceram, enfim, por diversas razões. (...) Houve essa necessidade de rever e reavaliar esses pacientes", declarou.

O defensor da República Daniel Macedo, responsável pela ação civil contra o Into, afirmou ao UOL que houve, de fato, um esforço dos médicos do Into no sentido de aumentar o número de operações. Tanto que, em 2013, o número de cirurgias realizadas (6.427) foi maior do que o número de pacientes que ingressaram na fila (5.051). No entanto, ele quer que a direção do hospital prove no decorrer do processo que todos os esforços estão sendo feitos.

"Eu não concordo com o argumento de que a fila é imensa porque muitas pessoas procuram o Into. O Into é um centro de referência, sim, e faz muita propaganda em cima disso. Sendo assim, eles têm que cumprir o que prometem. Tem que oferecer condições de atender a todos com a mesma qualidade. O hospital tem que dar conta do recado e não ficar só na propaganda", comentou.

Segundo Ilma, as dores no joelho se tornaram insuportáveis nos últimos dois anos, fato que lhe impõe uma rotina de reclusão. "Eu conto os dias até chegar o domingo, que é quando eu tenho ajuda para ir ao culto na igreja. Só nesse momento eu consigo ver e interagir com amigos, ouvir a palavra do pastor, pedir ajuda a Deus para que ele me tire dessa situação", disse.

"Eu não aguento mais esse sofrimento... A dor não para. Dói o dia todo. É como se cortassem a carne do joelho e a descolasse do osso. Tenho que tomar remédio a base de morfina", completou a idosa que, para piorar, mora sozinha em uma casa de dois andares, na favela Jorge Turco, em Coelho Neto, na zona norte do Rio. Ela é obrigada a subir e descer uma escada todos os dias.

"Eu desço de manhã e só subo para dormir, pois o meu quarto fica no andar de cima", relatou a aposentada. Como o banheiro e a cozinha ficam no primeiro andar, Ilma se organiza previamente para não ter que descer durante a noite. "Eu já levo água e comida lá para cima, caso eu sinta fome ou sede. E, se der vontade de ir ao banheiro, eu uso um penico", explicou.

Paciente e hospital divergem

Em 2012, Ilma diz ter sido notificada pelo Into de que havia "perdido a vez na fila". De acordo com a idosa, a ouvidoria do hospital informou que ela já tinha sido chamada para operar o joelho e não compareceu. Com isso, a paciente teria feito um novo cadastro, o que significou "ir para o fim da fila". A aposentada afirma que nunca recebeu qualquer tipo de convocação por parte do hospital. Para ela, a resposta dada pelo Into é o mesmo que "brincar com o sofrimento de uma pessoa".

O Into, porém, argumenta que o atendimento feito a Ilma, em setembro de 2007, não teria representado o ingresso da paciente na fila da cirurgia de joelho. Há sete anos, informou o hospital, ela foi atendida por um médico do Centro de Cirurgia do Pé e Tornozelo, sem indicação cirúrgica. 

"Entre a primeira vez que o paciente é atendido e a dia que ele entra na fila, demanda um espaço enorme, o que é o caso dessa paciente. Essa paciente foi atendida em uma outra especialidade e só depois ela foi colocada na fila do joelho. Na verdade, ela não tem sete anos na fila, e sim três anos. A primeira consulta pode ter ocorrido há sete anos, mas a entrada na fila, não", afirmou o vice-diretor do Into.

Ao retornar para consulta, cinco anos depois, ela teria entrado efetivamente na lista de espera após ser atendida por um médico especialista em joelho. O Into informou ainda que, de todas as especialidades, a "fila do joelho" é a que possui mais pacientes à espera de cirurgia --eram 4.997 pessoas até a última sexta-feira (5). Atualmente, Ilma ocupa a posição 962.

Segundo o hospital, considerando que, em 2013, foram feitas cerca de 1.500 cirurgias de joelho (crescimento de 42% em comparação com o ano anterior), Ilma deverá ser chamada para operar no fim do primeiro semestre de 2015. Isso, claro, se o Into mantiver a média mensal de cirurgias realizadas.

Pressão na cabeça

A espera por cirurgia no Into também é uma realidade para o pedreiro Otoniel Pedreira de Souza, 37, que perdeu praticamente metade da calota craniana após cair de uma laje enquanto trabalhava, em maio de 2013. Há quatro meses, Otoniel aguarda a colocação de prótese customizada.
 
Com a retirada da calota craniana, houve perda óssea, o que faz com que o crânio de Otoniel esteja até hoje exposto à pressão atmosférica, explicou a mulher do paciente, Ana Paula Figueira. Os médicos alertaram o casal para a possibilidade de sequelas irreversíveis.
5.set.2014 - Otoniel Pereira de Souza, 37, personagem da matéria sobre pacientes à espera de cirurgia na fila do  Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad), no Rio de Janeiro - Fábio Teixeira/UOL - Fábio Teixeira/UOL
Otoniel diz sentir fisgadas do lado esquerdo da cabeça e dificuldade para enxergar
Imagem: Fábio Teixeira/UOL
 
"Ela já vem apresentando algumas sequelas, como falta de concentração, perda da libido, algumas falhas de memória. Se o crânio dele continuar sujeito à pressão atmosférica, o cérebro pode entrar em colapso", explicou ela.
 
"Se isso acontecer, os sintomas que hoje são esporádicos podem se tornar irreversíveis. (...) Os médicos me disseram até que, se o Brasil fosse um país sério, meu marido teria que andar 24 horas por dia com capacete. Porque não pode cair nem uma azeitona na cabeça dele", completou.
 
A mudança estética trouxe problemas para o pedreiro, que diz ser alvo de olhares quando anda nas ruas. "Eu me sinto triste porque é algo que eu não posso fazer nada. As pessoas perguntam: 'Por que ele não usa um boné?'. Mas eu não posso usar boné porque começa a dar umas fisgadas perto do olho esquerdo. Isso me causa uma revolta muito grande. Eu não sou assim porque eu quero", desabafou.
 
Segundo a mulher, Otoniel vem apresentando sinais de depressão. O pedreiro, que é evangélico, não manifesta vontade nem de ir à igreja, já que até em seu espaço religioso ele é vítima de olhares e comentários. "Outro dia eu estava lá, ouvindo o pastor falar sobre pessoas deficientes, e todo mundo começou a me olhar... Eles não tiravam o olho. Eu me senti muito mal nesse dia e comentei com um irmão que até na igreja isso acontece", declarou.
Otoniel Pereira de Souza, 37, e o filho Andriel - Matéria da fila do Into (1) - Fábio Teixeira/UOL - Fábio Teixeira/UOL
A mulher de Otoniel, Ana Paula, se disse emocionada ao lembrar de uma pergunta feita pelo filho mais novo do casal, Andriel (foto), 6: "Mãe, quando a gente vai colocar a testa do papai no lugar?"
Imagem: Fábio Teixeira/UOL
Na rede pública, o Into é o único hospital que oferece esse tipo de intervenção. Em um hospital particular, de acordo com a cotação feita pela mulher de Otoniel, Ana Paula Figueira, todo o procedimento custaria cerca de R$ 150 mil. "Inviável para a gente", definiu ela. A renda do casal despencou de R$ 3.000 para aproximadamente R$ 850, já que ambos estão sem trabalhar --Ana Paula teve que sair do emprego para cuidar do marido. A família sobrevive de bicos feitos por ela e do auxílio-acidente pago pelo INSS a Otoniel no valor de um salário mínimo (R$ 724).
 
Ao UOL, a assessoria do hospital informou que, para a aquisição da prótese customizada, "é necessário a compra específica por meio de licitação pública". "O processo está em andamento e o paciente deve aguardar o contato do hospital", informou o Into, em nota.