Topo

Após intoxicação no RJ, médica pede vigilância de pesca e consumo do baiacu

O baiacu é um peixe que armazena uma neurotoxina capaz de matar a vítima - Canindé Soares/UOL
O baiacu é um peixe que armazena uma neurotoxina capaz de matar a vítima Imagem: Canindé Soares/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

24/10/2014 19h05

A médica coordenadora do Ceatox-PE (Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco), Lucineide Porto, defendeu nesta sexta-feira (24) a criação de mecanismos estatais de vigilância e controle da pesca e do consumo do baiacu ou fugu --peixe que armazena uma neurotoxina (a tetrodotoxina) capaz de provocar a morte da vítima.

Na quarta-feira (22), um grupo de 11 pessoas, sendo sete adultos e quatro crianças, foi atendido na rede pública de saúde de Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense, com sintomas de intoxicação alimentar por ingestão de baiacu. O caso teve grande repercussão na imprensa do Rio de Janeiro.

A situação mais grave é a de José Augusto de Souza, 41, que está internado em estado grave no CTI do Hospital Moacyr Rodrigues do Carmo. Ele respira com a ajuda de um sistema de ventilação mecânica.

Segundo a médica pernambucana, a proibição da pesca do baiacu seria uma medida desnecessária, já que o peixe possui baixo valor de mercado e não é encontrado em peixarias e supermercados. Para a especialista, autora de um estudo acadêmico sobre o primeiro caso de óbito por ingestão de baiacu registrado em Pernambuco, em 2010, os Estados litorâneos deveriam investir em campanhas de prevenção e assistência comunitária, principalmente tendo como alvo as vilas de pescadores.

"O consumo do baiacu no Brasil é mais doméstico, basicamente nas vilas de pescadores. Em algumas áreas costeiras do Brasil, onde há abundância desse tipo de peixe, o baiacu é pescado e consumido pelas próprias famílias de pescadores. Muitas famílias já sabem até como preparar o baiacu, mas sempre há um risco grande. Foi assim que ocorreu o primeiro óbito desse tipo aqui em Pernambuco", afirmou ela.

Lucineide se refere ao caso do menino Jonathan Borges Ramos da Silva, de apenas dois anos, que morreu após ser alimentado pela família com vísceras de baiacu (parte do peixe que concentra maior volume de substâncias tóxicas), em 2008. A família morava em uma vila de pescadores de Goiana, nas proximidades da praia de Pontas de Pedra, na zona da mata norte de Pernambuco.

Cerca de duas horas após a refeição, a criança foi levada ao hospital apresentando sudorese fria e fraqueza muscular progressiva. Pouco depois, acabou morrendo em razão de uma parada cardiorrespiratória. Foram instituídas manobras de ressuscitação, sem êxito.

"Fazer esse trabalho de campo, assim como nós fizemos aqui na área do sertão e em outras cidades do interior, seria fundamental para evitar que casos como esse [em referência à morte da criança] se repetissem. (...) Precisamos identificar onde há consumo de baiacu, de que forma essas famílias cozinham o peixe, se há ou não ciência de que o peixe é venenoso e letal", declarou.

À época, a família da vítima afirmou aos médicos que o alimento havia sido pescado na noite anterior ao fato. De acordo com o relato da especialista, a avó do menino limpou os peixes, retirando a pele e as vísceras, que foram lavadas em água corrente e banhadas com suco de limão. Apenas as vísceras foram preparadas, sendo fritas em óleo quente e, posteriormente, misturadas com batata doce.

Além da criança, a avó e um vizinho da família passaram mal após a gestão do alimento. Eles foram internados com intoxicação, mas conseguiram sobreviver. O pai de Jonathan, Severino Ramos da Silva, afirmou aos médicos que a família estava acostumada a comer o baiacu, sempre frito e servido com batatas.

"No Brasil, não existe um levantamento de casos de óbito e de intoxicação por ingestão do baiacu. Esse peixe é muito consumido em algumas regiões, o que traz um perigo real. De modo geral, as pessoas não têm noção do grau de toxicidade do alimento. Há relatos de que a carne é muito saborosa. As famílias pescam e acham que basta lavar e cozinhar ou fritar. Mas o modo de preparo não é suficiente para destruir a toxina", disse Lucineide Porto.

Baiacu é iguaria no Japão

O "fugu", como é conhecido o baiacu na culinária japonesa, é tido como uma iguaria no país oriental. Nos restaurantes, os peixes ficam em um aquário e são pescados na hora. Se preparados corretamente e servidos como sashimi (filetes de peixe cru), esses peixes provocam uma leve sensação de dormência nos lábios.

Para manusear o fugu, os chefes de cozinha passam por um período de treinamento e precisam ser credenciados pelo governo japonês.