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Variar cores nas refeições é regra de ouro para sobreviver comendo na rua

O agricultor Pedro Bittencourt vende no Largo da Batata, em São Paulo - Reinaldo Canato/UOL
O agricultor Pedro Bittencourt vende no Largo da Batata, em São Paulo Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

04/11/2014 06h00

Uma característica da vida em grandes cidades é a refeição comprada na rua. Começando pelo café da manhã, que vai da padaria às banquinhas distribuídas pelos pontos de grande fluxo, que vendem café, bolos e sanduíches. Dá para levar o dia com isso? “O ideal é que, em cada refeição, tenhamos cores diferentes”, ensina a nutricionista Andrea Stingelin Forlenza.

Um dos pontos de café da manhã na rua é o Largo da Batata, na zona oeste de São Paulo. De segunda a sexta, por volta das 5h da manhã, ambulantes montam seus tabuleiros com café-com-leite e bolos, o desjejum do paulistano apressado. No dia em que a reportagem do UOL levou a nutricionista da Clínica Nutravie para avaliar a qualidade nutricional dos alimentos que colorem o cenário cinza daquele canto da cidade, ficou claro que havia muito bolo para pouca fruta.

Na banca de café da manhã de Abinadabe Joel de Jesus tem bolo de mandioca, broinha de milho, rosquinha de leite. Boa variedade para um café da manhã? A nutricionista Andrea Forlenza acha que não. “Se a gente olhar aqui, só tem amarelo, marrom”, diz ela, referindo-se aos carboidratos.

Para um dia em que faltou tempo para uma refeição adequada, ela sugere complementar com frutas e verduras. O vendedor de café-da-manhã no Largo da Batata se defende. "Se eu colocar fruta na banca, não vendo nada", diz Abinadabe. A nutricionista não discorda. "É característica do brasileiro uma alimentação monocromática, com pouca variedade de cores".

A diarista Maria José, 28, comprou um bolinho na banca. Diz que só às vezes toma café na rua. Quando dá tempo, para não sair em jejum de casa, come pão com mortadela e queijo e café com leite. E a fruta? "Só à tarde ou à noite, se me der vontade", diz. Para se prevenir da fome repentina, leva um pacote de biscoito doce na bolsa.

O café da manhã da diarista é bem parecido com o do pintor Domingos Máximo, 60. Na banca no Largo da Batata, pediu café-com-leite e bolo de fubá. Fruta, bem pouco. "Como às vezes, depois do almoço. Levo marmita com arroz e feijão e frango ou carne", diz. Verduras e legumes, só mesmo no final do dia, quando janta com a mulher. "Não levo salada na marmita porque murcha".

Para a nutricionista Andrea Forlenza, os exemplos de Domingos e de Maria José confirmam o que diz o vendedor Abinadabe sobre o hábito alimentar brasileiro. "Pão, mortadela, queijo, café com leite, é tudo meio laranja, amarelo e marrom", diz a nutricionista. "Quando a gente come coisas de uma cor só, acaba ingerindo pouca variedade de nutrientes".

Fruta e verduras são fontes de vitaminas e antioxidantes. Mas os benefícios vão além. "A fruta dá saciedade, tem fibras. Quando não comemos, exageramos no pão, no recheio", diz a nutricionista.

Andrea não condena o bolinho na banca do Abinadabe, desde que seja garantida uma boa variedade de alimentos ao longo do dia. Olhar para o prato e ver se há pelo menos duas ou três cores diferentes é uma boa forma de avaliar o teor de nutrientes da refeição. E, ao comer bolo, optar por aqueles que trazem frutas no recheio -- como uva passas ou banana.

No fim das contas, a maior crítica ficou para a bolacha doce na bolsa da diarista. "Por que não trocar por uma fruta?", questiona a especialista.

Variedade verde, frutas como chamariz

Uma feira ou mercado no caminho entre a casa e o trabalho pode garantir uma fruta na bolsa dos mais apressados. No entanto, as diferenças entre as barraquinhas de café da manhã e as da feira de orgânicos, que dividem o espaço do Largo da Bata às quartas-feiras (quando a feira é realizada), vão além das cores. Está também no tempo de que as pessoas dispõem para se preocupar com uma alimentação saudável. Ao contrário do que acontecia na venda de café e bolo na rua, na feira de orgânicos, consumidores e vendedores não manifestavam tanta pressa.

Na barraca do agricultor Pedro Bittencourt, 27, a cor predominante vem da escarola, rúcula, alface e diversas outras folhas. O domínio monocromático do verde é um problema para o vendedor. Ele não consegue outros tons em frutas e legumes devido à sazonalidade dos produtos e pelas dificuldades inerentes ao cultivo de orgânicos em pequena escala, que ele possui em seu sítio em Juquitiba (SP). Por isso, apela para fornecedores para ter tomate, limão e mandioca na barraca. "É chamariz. Se eu tiver só folhosas, as pessoas falam, 'legal, mas cadê o abacate?'", conta.

Pedro conta que a maior parte da freguesia é composta por moradores e por quem trabalha em escritórios da região. O atrativo do orgânico, para ele, está no fato de serem livres de agrotóxicos no processo de produção. Mas se a ausência de química atrai, o preço afasta. "Há os que olham o custo e preferem pagar R$ 1,00 na alface ali no mercado [do que R$ 2,00 na banca de orgânicos]. Digo que é R$ 1,00 de veneno".

A artista plástica Luciana Bórgio, 30, foi fisgada pela variedade garantida pela banca de orgânicos. Conseguiu encontrar boa parte dos itens da listinha que trazia nas mãos. "Sempre que posso, consumo orgânico. Há um mapa de feiras orgânicas na cidade. Dá para acompanhar durante a semana e ver qual compensa mais para comprar", conta ela, que mora no Butantã, bairro próximo, na zona oeste.

Para a nutricionista Andrea Forlenza, da Clínica Nutravie, o principal benefício dos hortifruti orgânicos está na ausência do “veneno”. "Já se sabe que agrotóxicos podem desencadear alergias, problemas neurológicos, psiquiátricos, disfunções hormonais e câncer", diz, acrescentando que alimentos no Brasil muitas vezes possuem nível de agrotóxicos maior que o permitido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), além de químicos proibidos.

A preocupação com a saúde é o que motiva a professora Helena Vaz, 40, a ter todo cuidado com o que compra para comer. Ela conta que curou um problema de enxaqueca mudando a alimentação. "Quanto menos coisas industrializadas, melhor. Fiquei ainda mais disciplinada porque estou amamentando", diz ela.

Para os entusiastas do produto orgânico, o interesse pelo tipo de alimento comercializado por ali vai além do cuidado com a saúde. "Tem toda questão da proteção da natureza, da sustentabilidade, [do apoio aos] pequenos produtores", diz a artista plástica Luciana Bórgio.

Nem sempre saem satisfeitos. Contam que o preço ainda é alto para alguns produtos -- como o morango, cuja bandeja chega a R$ 15,00 -- e reclamam por não encontrar tudo o que gostariam. Mas se na banca de café da manhã a falta de variedade é justificada pelo hábito do consumidor, aqui o feirante acredita que é preciso explicar a falta de certos produtos. "Uma das tarefas do produtor orgânico é educar, ensinar que nem tudo nasce o ano todo”, defende o feirante Pedro Bittencourt.

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