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Pai de bebê que lutava por transplante nos EUA se diz 'humilhado'

O menino Guilherme Souza da Silva, de sete meses, que morreu sem fazer o transplante para curar síndrome rara - Matheus Souza
O menino Guilherme Souza da Silva, de sete meses, que morreu sem fazer o transplante para curar síndrome rara Imagem: Matheus Souza

Eduardo Schiavoni

Do UOL, em Americana (SP)

20/11/2014 14h44

Pai do garoto Guilherme Souza da Silva, de sete meses, portador de uma doença rara que morreu na terça-feira (18), em Limeira (SP), Émerson Jerônimo da Silva, 30, se disse "humilhado" ao descrever a luta para pagar o transplante que poderia ter salvado a vida de seu filho.

Ele tentava levantar R$ 2,4 milhões para bancar o procedimento nos Estados Unidos. "Temos que ficar aí nos humilhando, fazendo coisas que jamais pensei em fazer na vida. Não vou falar que o modelo de saúde brasileiro possa melhorar, porque não vai melhorar”, desabafou, durante o velório da criança.

“Os políticos só querem saber de pegar o dinheiro do povo. Quantos milhões são arrecadados e eles não fazem nada?”, questionou.

Portador de síndrome de Berdon, doença rara que afeta o sistema digestivo e urinário, Guilherme recebeu o diagnóstico da doença no dia 15 de setembro, no Hospital das Clínicas da Unicamp. Um transplante de alta complexidade, feito apenas nos Estados Unidos, era a única forma de ter uma chance de sobrevivência.

O calvário da família teve início com o diagnóstico. Com o salário de cerca de R$ 2.000 do pai, que trabalha como líder de seção em uma confecção, mais os R$ 1.500 ganhos pela mãe, Poliana Souza, como vendedora em uma loja de folheados em Limeira, eles sabiam que nunca conseguiriam pagar as contas. “Além da cirurgia em si, seriam pelo menos dois anos de pós-operatório. Saímos de lá desesperados, sem saber direito o que fazer”, relatou ele.

Foi aí que começou o que Silva chamou de humilhação. Primeiro eles procuraram o poder público. Prefeito, secretário de Saúde, vereadores, políticos em geral.

Desesperada e sem resposta, a família parava carros e pessoas nas ruas, pedindo recursos, e utilizou a internet para promover a causa. A campanha “Ajude o Guilherme”, publicada no Facebook, ganhou o país e o mundo. Artistas colaboraram, peças foram leiloadas e houve rifas, muitas rifas.

Um primo de Silva, feirante, chegou a arrecadar R$ 2.000 com colegas de trabalho. Uma pessoa de Piracicaba, que não se identificar, chegou a fazer dois depósitos que totalizaram R$ 25 mil. "Foi aí que eu vi o quanto o povo brasileiro é solidário. Tanta, mas tanta gente, que eu nunca vi na vida, me ajudou”, disse.

Até traficantes foram procurados para ajudar. Uma amiga de amigos da família levou bilhetes da rifa de um celular para os criminosos. “Não quiseram nenhum bilhete da rifa. Quando contei o motivo, deram o dinheiro direto”, disse ela, que não quis ser identificada.

Mesmo com doações chegando de todo o país, o dinheiro ainda não era suficiente. Há cerca de uma semana, as doações somavam cerca de R$ 120 mil. Silva então procurou advogados. A grande inspiradora foi a bebê Sofia Lacerda, portadora da mesma síndrome e que conseguiu, na Justiça, que o governo brasileiro pagasse pelo procedimento.

A família chegou a entrar em contato com o médico Rodrigo Vianna, brasileiro que responde pelo setor de transplantes do Jackson Memorial Hospital, em Miami, nos Estados Unidos, onde o procedimento de Sofia será realizado. Teve o aval do especialista para o tratamento. O passo seguinte seria ingressar com a ação.

Advogados foram procurados, mas queria muito dinheiro. “Um deles chegou a me cobrar R$ 100 mil pelo caso. E queria R$ 50 mil adiantados, só para abrir o processo”, relatou Silva.

Duas advogadas o procuraram e hoje trabalham no caso, sem cobrar honorários. O processo, no entanto, não é mais para salvar a vida de Guilherme, mas para punir o Estado pela morte dele.

Ainda não decidiram o que fazer com os R$ 120 mil que conseguiram. Talvez doem os recursos a outras crianças que necessitam de tratamentos fora do Brasil.