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O ano em que o ebola assustou o mundo

Do UOL, em São Paulo

16/12/2014 09h00

O número de doentes e de mortos na pior epidemia de ebola da história não seria o mesmo se existisse uma vacina contra o vírus, que chega a matar 90% dos infectados.

Sem cura, o ebola já atingiu 17 mil pessoas e matou mais de 6.000 desde que começou na África ocidental em meados de janeiro, até chegar aos Estados Unidos e à Europa meses depois.

Para evitar uma epidemia mundial, testes iniciais da vacina se mostraram promissores, mas a previsão é que as doses estejam disponíveis somente no ano que vem. Recentemente uma das vacinas em teste foi suspensa porque foram constatadas dores nos voluntários.

Antes disso, uma parte bastante reduzida dos doentes é tratada com remédios experimentais e se tornam verdadeiras cobaias humanas. A grande maioria morre.

No Brasil, o Instituto Butantã está se preparando para desenvolver um soro contra o vírus, em parceria com o Instituto Nacional da Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, que deve estar disponível também em 2015. O remédio age como imunizante e será produzido com base na imunização de cavalos feita com o vírus da raiva, em versão modificada com a proteína do ebola. Não há certeza de que dará certo.

A demora em socorrer os doentes de ebola na África foi criticada mundo afora -- uma mobilização de peso só ocorreu depois que médicos estrangeiros foram contaminados por lá e transportados para seus países pela falta de estrutura do pobre continente.

Dada a comoção sobre os casos, os países ricos, o Banco Mundial, e os gigantes da tecnologia Bill GatesGoogle Facebook resolveram desembolsar bilhões de dólares e criar campanhas de arrecadação para conter o avanço da doença, que pode ser contraída pelo simples contato com qualquer secreção do doente, mas contida com medidas simples de higiene.

Uma parte destes recursos foi realocada à Organização Mundial da Saúde para apressar testes de vacinas que até então tinham sido feitos somente em animais.

Um laboratório dos EUA, que já havia criado um soro experimental contra o ebola, ofereceu o ZMapp (uma mistura de três anticorpos que se prendem às proteínas do vírus do ebola, ativando o sistema imunológico para que ele seja destruído), posteriormente usado nos EUA, na Europa e nos países africanos.

Ética ou cobaia?

O soro foi usado em todos os pacientes tratados nos EUA, a maioria com sucesso. No entanto, antes de ser aplicado, o país precisou enfrentar um debate ético com a OMS.

Se o medicamento não havia sido testado em humanos, quem o usasse seria uma cobaia humana, situação vetada pelo órgão internacional. Mas, como se tratavam de casos de vida ou morte, o risco foi aceito pela própria OMS, pela Casa Branca e pelos familiares dos doentes.

As curas do missionário Kent Brantly e da enfermeira Nancy Writebol, infectados na Libéria e tratados em Atlanta; das jovens enfermeiras Nina Pham e Amber Vinson, que se infectaram no Texas ao cuidar de um liberiano, e da enfermeira espanhola Teresa Romero, que contraiu o ebola ao tratar de um padre doente em Madri, entre outros casos, foram tratadas como troféus em seus países, embora tenham evidenciado os problemas estruturais de seus hospitais e a vulnerabilidade dos governos em conter a expansão do vírus.

Mesmo usando camadas de roupas e acessórios, que lembravam a vestimenta de astronautas, o médico e as enfermeiras se contaminaram e quase morreram depois de dias isolados em quarentena. Diante dessa realidade, questionou-se o alto risco de morte desses profissionais e de uma epidemia mundial, dada a rapidez com que novos casos surgiam. Médicos de vários países, inclusive do Brasil, se voluntariaram em tentativas corajosas de salvar vidas em locais com infraestrutura precária em Serra Leoa, Guiné e Libéria.

Questionou-se ainda o poder de cura dos tratamentos com base no soro, tendo em vista que o vírus pode ficar por até 82 dias no esperma do homem contaminado, mesmo após a alta. Não há ainda uma comprovação da cura total destes pacientes, que deverão ficar em observação por mais tempo, embora sem a chance de infectar outras pessoas diretamente. 

Ebola no Brasil

O medo de contrair o ebola no contato com africanos fez os governos dos EUA, de alguns países europeus e asiáticos e mesmo do Brasil aumentarem a fiscalização nos aeroportos no intuito de impedir pessoas infectadas de entrarem em seus territórios.

No Brasil, um guineano doente em Cascavel (PR) fez o Ministério da Saúde mobilizar uma equipe de resgate que o levou até o hospital Evandro Chagas, no Rio de Janeiro, onde ele ficou até ser confirmado o alarme falso. Os imigrantes africanos que vivem nestes países passaram a ser alvo de preconceito.