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São Paulo chega aos 461 anos com registro de mais de 86 mil casos de Aids

Tércio Teixeira/Futura Press
Imagem: Tércio Teixeira/Futura Press

Talita Martins

Da Agência de Notícias da Aids

25/01/2015 06h00

A cidade mais populosa do Brasil, com mais de 11 milhões de habitantes, está em festa. Neste domingo (25), São Paulo faz 461 anos. Conhecida como a capital onde tudo acontece primeiro, com a Aids não poderia ter sido  diferente.  Em São Paulo,  foi registrado o primeiro caso da doença do Brasil, em 1980.  Foi  nesse município, também, que surgiu o primeiro programa governamental para combater a doença, em 1983, e a primeira ONG do país (e da América Latina), o Gapa (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids), em 1984.

Para marcar esses 461 anos,  a Agência de Notícias da Aids levantou dados que revelam o atual cenário da doença no município. Também conversou com pessoas que contaram como é viver com HIV/Aids na metrópole considerada uma das mais avançadas do mundo no tratamento da epidemia.

Desde 1980, a cidade já registrou 86.112 casos de Aids. Desses, 72,1% (62.0360) em homens. O crescimento de novos casos é maior na população masculina.  Entre 1997 e 2010, São Paulo tinha duas notificações da doença em homens para uma mulher. Em 2013, passou para três homens para uma mulher.

Esse aumento está relacionado com o crescimento da epidemia entre os homens que fazem sexo com homens (HSH), especialmente na faixa etária de 13 a 29 anos, segundo o último boletim epidemiológico da cidade. A transmissão sexual por meio da relação de HSH representou 47% dos casos do sexo masculino em 2012. Em 2008, essa taxa era de 39,3%.

Epidemia concentrada

Os dados mostram que São Paulo vive hoje uma epidemia de HIV/Aids concentrada, com números crescendo em populações-chave, como profissionais do sexo e usuários de drogas.

Só em 2013, foram notificadas 2.130 pessoas com  Aids  --  isso representa 18,6 casos para cada 100 mil habitantes. Já os casos notificados de HIV sem Aids somaram 2.300, ainda segundo o  boletim epidemiológico.

"Estamos percebendo um relaxamento dos cidadãos com relação ao uso do preservativo e há muitos trabalhos de intervenção sendo feitos para tentar reverter isso", diz Eduardo Barbosa, coordenador do Centro de Referência da Diversidade, espaço público que acolhe  a população de LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).

"Nós, que estamos nos principais pontos gays da cidade, chegamos à conclusão de que para muitas pessoas a Aids parece um problema menor e a maior resistência ao uso da camisinha vem dos jovens gays. Acontece que os governos estão com dificuldade para focalizar campanhas e direcionar as mensagens para esse público. Talvez a saída seja unir numa mesma peça os temas direitos humanos e saúde e prevenção ao HIV/Aids", sugere Eduardo. "Acredito também que um processo educacional contínuo possa cooperar muito para evitar novos casos."

"Numa pesquisa que fizemos no ano passado, constatamos que os jovens são os que mais usam preservativos, ao contrário do que se declara com frequência", defende Eliana Battaggia Gutierrez, coordenadora do Programa Municipal de DST/Aids da cidade. "Que o preservativo é o melhor método para reduzir o risco de infecção já é sabido por 97% das pessoas de 15 a 65 anos que moram na cidade, ou seja, quase todo o mundo", continua a coordenadora.

Para Eliana, a grande dificuldade está no acesso aos métodos de prevenção.  "Aqui, 47% das pessoas não têm acesso aos preservativos e, para piorar, as classes C, D e E dependem dos preservativos distribuídos gratuitamente. Então, já temos uma indicação do caminho a seguir: aumentar e facilitar o acesso."

Embora não sejam considerados populações-chave, os afrodescendentes também estão entre os  mais vulneráveis. Para cada 100 mil habitantes, foram diagnosticados pelo município 39,7 casos de HIV entre as pessoas da raça negra em 2010, contra 18 casos em brancos.

Transmissão vertical

Os dados mais recentes sobre transmissão vertical, infecção passada de mãe para filho durante a gravidez,  parto ou  amamentação,  em São Paulo, são de 2013. Entre 2000 e 2013, o município notificou 6.341 gestantes HIV positivo.

Aproximadamente 9% das grávidas infectadas tinham menos de 20 anos.  Neste período, foram notificadas 5.750 crianças expostas ao HIV materno, ou seja, nascidas de mãe infectada ou que tenham sido amamentadas por mulheres com HIV.  Desses,  188 casos se confirmaram como soropositivos.

A transmissão vertical é a principal categoria de exposição do HIV em crianças, representando 90% dos casos. A meta mundial era erradicar essa forma de contágio até 2015, mas ela não foi alcançada até o momento e os dados indicam que não será.

Mais dados

- Duas pessoas morrem em decorrência da Aids todo dia na cidade

- Após a introdução da terapia antirretroviral, em 1996, a taxa de mortalidade declinou mais de 50%  e , em 2012, atingiu o índice de 6,8 óbitos por 100 mil habitantes

- No ranking das principais causas de morte no município, a Aids já ocupou a 5ª posição em 1996. Em 2012, estava em 22º lugar

- As pessoas que mais adoecem e morrem em decorrência da Aids na cidade são da raça negra

- Desde 2007, a incidência de Aids em menores de 5 anos tem se mantido estável em torno de 18 casos por ano

- Entre 1984 e 2013, foram notificados 2.315 casos de Aids em menores de 13 anos, sendo 76% em crianças com menos de 5 anos

- Em 1997, a cada 100 mil crianças menores de 13 anos, 8,5 eram soropositivas

- Do total de casos de aids notificados em crianças, cerca de 41% evoluíram para óbito

- Em 2012, a taxa de mortalidade em crianças foi de 0,4 e a prevalência estimada de crianças vivendo com HIV/aids foi de 1.498 casos até 30 de junho de 2013.

Serviços e tratamento

A rede municipal especializada em DST/Aids conta com 26 serviços espalhados pelas cinco regiões da cidade. Nestes espaços, é possível adquirir orientação sobre prevenção, profilaxia pós-exposição (PEP), testagem para HIV e DSTs, exames, consultas e tratamento  para HIV/aids e coinfecções, inclusive hepatites virais. Nos serviços é possível encontrar gratuitamente preservativos masculinos e femininos e gel lubrificante.

Desde 2014, o município oferece o tratamento contra aids para todas as pessoas vivendo com HIV/aids, independentemente da contagem de CD4, exame que mede as células de defesa do organismo. As pessoas em situação de rua contam ainda com o tratamento supervisionado.  No ano passado, ativistas elegeram os serviços que fazem a diferença no combate à Aids na cidade