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Soropositivos dizem que falta humanização nos tratamentos em SP

Talita Martins

Da Agência de Notícias da Aids

25/01/2015 06h00

Apesar de viverem na metropole considerada uma das mais avançadas do mundo no tratamento da epidemia, soropositivos de São Paulo reclamam da falta de humanização do serviço público, bem como da falta de sensibilidade dos funcionários.

A Agência de Notícias da Aids ouviu alguns soropositivos que moram na capital paulista para saber se, no geral, a cidade os acolhe bem. Vejam o que eles relataram

"Não respeitam a forma como me reconheço"

"Não é nada bom viver com HIV nessa cidade. Muitos dos meus direitos são violados sempre que vou ao serviço de saúde, que é o CRT (Centro de Referência e Treinamento).

O estresse começa na recepção. A atendente faz questão de me chamar de  'ele' o tempo inteiro, não respeitando meu nome social e a forma como me reconheço. Me sinto mulher, sou mulher e quero ser tratada assim. Não quero privilégio, só respeito. Mas acontece que chego ali para me tratar do  HIV e saio com a saúde mental abalada.

Enquanto não houver sensibilização por parte da equipe, o serviço vai perder pacientes, que, assim como eu, se sentem desrespeitados. Só não abandonei o tratamento porque eu sei da importância do cuidado com a saúde.

O acesso ao serviço também não é tranquilo. Nem sempre conseguimos passar no médico. Se a gente falta em alguma consulta, seja pelo motivo que for, eles dificultam o reagendamento. Antes, eu me tratava em São José do Rio Preto (SP).

Lá,  o serviço é humanizado. Mesmo quando não ia ao serviço  ou faltava na consulta, os profissionais de saúde me procuravam em casa. Lá, existe acolhimento. Para finalizar, eu queria dizer uma frase: 'Viva a vida, ela pode estar sempre em despedida. Minha luta é todo dia contra homolesbotransfobia.'" (Brunna Valin,  militante pelas causas de pessoas HIV+ e  LGBT,  orientadora socioeducativa no Centro de Referência e Defesa da Diversidade)

"Guardar sigilo é difícil"

"Embora seja uma cidade imensa, aqui  há muita dificuldade para quem quer manter o sigilo da sorologia. Quando descobri meu diagnóstico, há um ano, fui em busca de um serviço distante da minha casa, mas me mandaram de volta para o meu bairro.  Eu tinha muito medo de encontrar algum conhecido lá e uma vez isso acabou acontecendo e, para evitar novos constrangimentos, mudei de bairro.

Acho que esse tipo de regra, de mandarem você para perto da sua casa,  um grande dificultador da adesão ao tratamento. Há situações bem constrangedoras nos serviços de saúde. Por exemplo, as farmácias ficam ao lado da sala de espera. Se um vizinho vê você pegando o medicamento fica impossível negar a doença.

Outro problema é a superlotação dos serviços de saúde. Hoje sou agente de prevenção e faço acolhimento de jovens recém-infectados, de diferentes regiões da cidade. Muitas das dúvidas deles poderiam ser esclarecidas na primeira consulta com o infectologista. Mas esse profissional não têm tempo, pois têm de dar conta de atender muitas pessoas e a qualidade do atendimento cai muito.

Mesmo assim, se compararmos com outras cidades, é possível identificar um leque de opções nos serviços especializados para quem vive com HIV. Se eu precisar de um psicólogo ou uma nutricionista, por exemplo, eu consigo mais rápido do que quem não tem HIV." (Antônio Marcos Fonseca, 27)

"Grandiosidade  possibilita anonimato"

“Viver com Aids na cidade mais rica do país  é viver o contraditório. Há serviços que servem de referência na mesma região em que vemos  o fracasso de serviço público. Temos na grandiosidade da metrópole a possibilidade de viver o anonimato e um espaço de visibilidade na esfera nacional. São Paulo é a meca da liberdade sexual. Temos o mundo glamourizado e os que vivem à margem das políticas públicas.

O aumento das infecções entre HSH deve ser debitado nas contas dos governantes das três esferas que têm como preocupação única a testagem e nada realizam na prevenção, temendo pelas reações conservadoras." (José Araújo Lima, presidente do Espaço de Atenção Humanizada

"Há muito preconceito, até no atendimento dos serviços"

"Vim da Paraíba e moro em São Paulo há um ano e meio. Vivo com HIV há três anos e ainda não tomo antirretrovirais, mas faço acompanhamento médico. Faltam divulgação sobre HIV/Aids e campanhas de esclarecimento na cidade. As pessoas não sabem nem como é que se pega HIV e a consequência é uma sociedade altamente preconceituosa. Sou gay e vejo que nos grupos gays a maioria é preconceituosa com quem tem HIV.

Eles fazem piadas, comentários... Fora isso, os serviços de saúde precisam ser humanizados. Somos mal recebidos neles. Depois que passamos pela triagem, fica melhor, mas a recepção é feita por profissionais insensíveis, que nos tratam como pessoas promíscuas que têm HIV porque saíram transando com todo o mundo.

Outro dia, tive uma infecção intestinal e fui muito mal atendido no Centro de Referência e Treinamento. Só quando cheguei na assistente social tive educação e respeito. Se eu fosse secretário da saúde daria treinamento para as pessoas que atendem em todos os serviços." (Paulo Henrique Tavares, 24)

"Viver com HIV em SP é tenso, mas viável"

"Não sei se sou um cara de sorte, mas tenho uma relação bem bacana com minha infectologista há quase  cinco anos. Ela é do Serviço de Atenção Especializada Campos Elíseos. Sempre entende minha vida confusa de gerente de loja e facilita meus horários de consulta. Desde que descobri meu diagnóstico sempre fui bem acolhido no serviço -- depois do exame já saí com a consulta marcada. Claro que não é um mar de rosas sempre.

Às vezes, é tenso, pois nem sempre é possível conseguir consultas com outras especialidades no tempo necessário e as pessoas que vivem com HIV são imediatistas mesmo. Mas é viável pelo fácil acesso aos serviços de saúde e  às novas tecnologias." (Rodrigo Andrade Silva, 27

"O trabalho das ONGs faz a diferença"

"Às vezes, é fácil viver com HIV em São Paulo, porque temos acesso a tratamento em vários lugares. Mas o preconceito ainda é muito forte, embora já tenha sido bem pior. O bom é que existem na cidade várias Ongs de apoio e isso é muito importante, ajuda muito. Sou soropositivo há 21 anos e, graças a Deus e aos medicamentos, tenho uma qualidade de vida boa." (Augusto Ferreira, 53)