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Como uma mulher que recebeu transplante de rosto ajuda os militares dos EUA

Susan Haigh

Da Associated Press, em Boston (EUA)

11/03/2015 06h00

Charla Nash nunca serviu no exército. Ela ficou terrivelmente desfigurada, não em combate, mas pelo violento ataque de um chimpanzé em 2009. No entanto, o Pentágono está observando a recuperação dela de perto.

As Forças Armadas dos EUA pagaram pelo transplante total de rosto de Nash em 2011 e estão cobrindo seu tratamento de acompanhamento, em um custo estimado em centenas de milhares de dólares, na esperança de que possam aprender algo que ajude jovens soldados gravemente desfigurados que voltam da guerra.

Nas próximas semanas, por exemplo, Nash participará de um experimento financiado pelas Forças Armadas no qual médicos do Brigham and Women’s Hospital de Boston tentarão tirá-la aos poucos dos medicamentos antirrejeição que ela vem tomando desde o transplante.

Nash brinca que às vezes se sente como um projeto de feira de ciências. Mas a filha de um veterano da força aérea, de 61 anos, disse que ela fica realmente satisfeita de deixar os médicos a usarem para pesquisas, e vê isso como uma oportunidade para ajudar soldados feridos e "tirar algo positivo de toda essa situação."

"Eles me perguntaram se poderiam, e eu disse que sim, que adoraria ajudar da forma que pudesse", disse Nash, uma ex-moradora de Connecticut que hoje vive sozinha em Boston, com a ajuda de auxiliares em meio período.

Nash perdeu o nariz, os lábios, as pálpebras e mãos quando foi atacada pelo chimpanzé de estimação de sua patroa, de 100 quilos, em Stamford, Connecticut. Os médicos também tiveram que remover os olhos dela por causa de uma doença transmitida pelo chimpanzé.

Depois ela recebeu novos traços faciais tirados do cadáver de uma mulher. Ela também passou por um duplo transplante de mãos, mas que não deu certo porque seu corpo rejeitou o tecido.

Nash, agora cega, passa a maior parte de seus dias ouvindo rádio AM e audiolivros -- "Guerra e Paz", nestes últimos dias -- em seu modesto apartamento. Ela também faz exercícios dois dias por semana com um instrutor em uma academia, para ganhar força e permanecer saudável. Uma conta no GoFundMe está sendo criada para ajudar a levantar dinheiro para próteses de mãos.

A vida dela hoje é um grande contraste em relação a quando ela era mais jovem, participando de rodeios entre os anos 1970 até meados dos anos 1990. Ao longo dos anos ela também fez salto a cavalo, trabalhou em uma fazenda e como help desk de informática. Ela trabalhava como atendente em uma empresa de guinchos na época do ataque.

A cada seis semanas, mais ou menos, Nash passa por testes de laboratório para as Forças Armadas no Brigham and Women’s. Ela também passa por ressonâncias magnéticas e tomografias para determinar quão bem seu cérebro está enviando sinais para seu novo rosto. Além disso, os médicos examinam o quão bem as artérias estão enviando sangue para o transplante.

As Forças Armadas também estão interessadas em coisas como cicatrizes em torno da boca e em quão bem suas pálpebras funcionam.

"Faz sentido para nós olhar para a comunidade civil e as experiências que se obtêm através do envolvimento de pessoas civis para avaliar se essa é uma boa solução para o Exército", disse o Brian Pfister, um analista financeiro do programa de pesquisa do Exército americano.

Cerca de 35 transplantes faciais parciais ou totais foram efetuados em todo o mundo desde que o primeiro foi feito na França, em 2005. O Departamento de Defesa calcula que 560 soldados tenham sofrido graves ferimentos faciais no Iraque e no Afeganistão. Desses, cerca de 50 ou 60 podem ser candidatos a um transplante facial, disse Pfister.

O Pentágono está fornecendo verba para 14 centros médicos em todos os EUA através de seu programa de transplante de rosto e mãos. O rosto e as extremidades são as partes lesadas com mais frequência em guerras.

O novo experimento, que envolve a suspensão de medicamentos antirrejeição, com o tempo incluirá outros pacientes, e suas descobertas poderiam afetar centenas de milhares de pessoas, tanto civis como militares, segundo os médicos.

Os medicamentos imunossupressores que pacientes de transplantes recebem geralmente pelo resto de suas vidas comportam riscos como câncer, infecções virais e danos nos rins. Por causa desses riscos, em muitos casos considera-se que não vale a pena fazer transplantes de partes não vitais do corpo, como polegares.

Mas isso poderia mudar se os remédios não tiverem que ser tomados para o resto da vida.

"De repente passou a não ser maluquice pensar em transplantar dedos separados ou uma orelha", disse Bohdan Pomahac, que liderou a equipe da cirurgia de Nash.

Nash passará a tomar uma substância diferente, o Interleukin-2, que normalmente é usado para tratar câncer de pele e de rim. A esperança é de que ele promova o crescimento de células boas que protegem o transplante enquanto atacam aquelas que querem rejeitá-lo.

Pomahac disse que Nash está indo "muito bem" e passou por pouquíssimos episódios de rejeição, o que a torna uma boa candidata para o experimento.

"Acho que há um propósito geral em sua vida. Ela realmente quer ajudar de qualquer maneira que ela puder", ele diz. "Ela é uma mulher de muita visão."